Escutas telefónicas de conversas entre Lula da Silva e Dilma Rousseff que ocorreram à hora de almoço desta quarta-feira acabaram de ser reveladas na comunicação brasileira depois de ter sido libertadas pelo juiz Sérgio Moro.

As conversas revelam grande proximidade entre a Presidente do Brasil e o seu futuro chefe da Casa Civil e estão relacionadas com a entrega de documentos confidenciais a Lula por ordem de Dilma.

Parte do diálogo que foi revelado pela rede Globo, e que que se verificou às 13h32 desta quarta-feira, dia 16 de março, é o seguinte:

– Dilma: Alô
– Lula: Alô
– Dilma: Lula, deixa eu te falar uma coisa.
– Lula: Fala, querida. Ahn
– Dilma: Seguinte, eu tô mandando o ‘Bessias’ junto com o papel pra gente ter ele, e só usa em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?!
– Lula: Uhum. Tá bom, tá bom.
– Dilma: Só isso, você espera aí que ele tá indo aí.
– Lula: Tá bom, eu tô aqui, fico aguardando.
– Dilma: Tá?!
– Lula: Tá bom.
– Dilma: Tchau.
– Lula: Tchau, querida.

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Oiça o som das conversas entre Lula da Silva e Dilma Rousseff aqui:

As escutas foram libertadas pelo juiz Sérgio Moro e, de acordo com a lei brasileira, não estão ao abrigo de qualquer segredo de justiça e inserem-se numa divulgação parcial de escutas que envolvem contactos entre Lula da Silva e outros membros do governo brasileiro liderado pelo Partido dos Trabalhadores (PT).

Foram ainda libertadas outras escutas telefónicas que envolvem membros do Governo de Dilma Rousseff. Sérgio Moro vai mais longe e diz mesmo que existem conversas que revelam que o ex-presidente “já sabia, ou pelo menos desconfiava, de que estaria sendo intercetado pela Polícia Federal, comprometendo a espontaneidade e a credibilidade dos diálogos”, cita o Globo.

A revista Veja cita mesmo um trecho das escutas em que é claro que Lula sabia que iria ser detido em breve.

“Tô esperando segunda-feira operação de busca e apreensão na minha casa, na casa do meu filho Fábio [e] do Paulo Okamoto [ex-chefe de gabinete de Lula e presidente do Instituto Lula]. Vou pensar se convoco deputados para surpreendê-los”, terá afirmado Lula, segundo a Veja.

Governo contacta magistrados – que recusam favorecimentos

Ministros como Eugénio Aragão (Justiça), entre outros, terão sido contactados para recolher informações junto do sistema judicial sobre as investigações do Lava Jato contra Lula da Silva. Sérgio Moro, citado pelo Globo, diz que em algumas das conversas fala-se em “tentar influenciar ou tentar obter auxilio de autoridades do Ministério Público ou da Magistratura em favor do ex-presidente”. Isto é, Lula da Silva.

Sérgio Moro, no entanto, faz questão de escrever no seu despacho que os juízes que foram contactados, rejeitaram beneficiar Lula.

Alguns dos magistrados contactados pertencem ao Supremo Tribunal Federal (STF) – o equivalente ao Supremo Tribunal de Justiça de Portugal -, como a conselheira Rosa Weber. “A eminente magistrada, além de conhecida por sua extrema honradez e retidão, denegou os pleitos da Defesa do ex-presidente”, lê-se no despacho citado pelo Globo.

Até o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, terá sido igualmente contactado.

A revelação destas escutas acabam por ser mais uma pressão sobre a cúpula da magistratura judicial brasileira. Isto porque a indigitação de Lula da Silva como chefe da Casa Civil da Presidência da República do Brasil — o equivalente ao cargo de primeiro-ministro no caso do sistema político português — significa que Lula ganha automaticamente o direito a um foro especial. Isto é, só poderá ser investigado e julgado por um tribunal superior: precisamente o STF.

O juiz Sérgio Moro, contudo, justifica a revelação das escutas telefónicas com a necessidade de proteger a justiça brasileira. Ou seja, as escutas foram reveladas “apenas para deixar claro que as aparentes declarações pelos interlocutores em obter auxílio ou influenciar membro do Ministério Público ou da Magistratura não significa que estes últimos tenham qualquer participação nos ilícitos”.

O magistrado acrescenta ainda que isso “não tornar menos reprovável a intenção ou as tentativas de solicitação” por parte de membros do governo de Dilma Rousseff.

Sérgio Moro termina o seu despacho, informando os agentes processuais que os autos relativos a Lula da Silva seguirão para o Supremo Tribunal Federal após a tomada de posse do ex-presidente como ministro chefe da Casa Civil – cerimónia que estava prevista para a próxima terça-feira, dia 22, mas foi antecipada para esta quinta-feira, dia 17.

Dilma reage: conversa tem “teor republicano”

Ao início da noite em Brasília, a Presidência da República emitiu um comunicado violento contra o juiz Sérgio Moro, acusando-o de violar a lei e a Constituição ao revelar as escutas telefónicas.

Antes de tudo, o órgão liderado por Dilma Rousseff fez questão de esclarecer a conversa entre a presidente e Lula.

Segundo o Palácio Planalto, Lula da Silva irá tomar posse esta quinta-feira às 10 horas (hora de Brasília) no Palácio do Planalto (sede da Presidência da República do Brasil) em “ato conjunto, quando tomarão posse os novos ministros Eugénio Aragão, ministro da Justiça; Mauro Lopes, secretaria da Aviação Civil; e Jacques Wagner, ministro-chefe do gabinete pessoal da Presidência da República”.

Contudo, e “uma vez que o novo ministro, Luiz Inácio Lula da Silva, não sabia se compareceria à cerimónia de posse coletiva, a Presidente da República encaminhou para sua assinatura o devido termo de posse. Este só seria utilizado, caso confirmada a ausência do ministro”, lê-se no comunicado do Palácio do Planalto citado pelo jornal Folha de São Paulo.

“Assim, em que pese o teor republicano da conversa, repudia com veemência sua divulgação que afronta direitos e garantias da Presidência da República”, conclui-se no texto do órgão máximo político da República brasileira.

Dilma Rousseff ameaça, através deste comunicado, tomar “todas as medidas judiciais e administrativas cabíveis serão adotadas para a reparação flagrante violação da lei e da Constituição da República, cometida pelo juiz autor do vazamento [divulgação]”.