Tudo começou com um veículo, o Volkswagen Schwimmwagen. O carro alemão, capaz de atravessar rios de baixa profundidade, foi o primeiro que o inglês Bruce Crompton comprou há mais de 30 anos. Na altura, era apenas um jovem com uma grande paixão por história militar (e por veículos, claro). Hoje, aos 57 anos, é dono de uma das maiores coleções privadas de objetos militares do Reino Unido, avaliada em quatro milhões de euros. Sim, quatro milhões de euros.

Apesar disso, Crompton nunca esqueceu aquele velho Volkswagen, que encontrou esquecido num mosteiro francês. Os monges, provavelmente sem saberem que tinham em mãos um dos veículos mais caros da altura da Segunda Guerra Mundial, usavam-no para irem buscar o pão à vila. “Foi o primeiro veículo que encontrei”, lembrou numa conversa telefónica com o Observador. “É um veículo muito bonito, e muito prático porque consegue nadar. Porque foi o meu primeiro, e porque sempre quis ter um, continua a ser o meu favorito.”

A partir daí, a coleção foi crescendo e crescendo. “Adoro veículos, adoro mesmo!”, admitiu sem hesitar. “Quando visitava lojas militares, eles nunca queriam vender só uma peça. Por isso, se quisesse uma, tinha de comprar cinco. Mas, como não precisava de cinco — só precisava de uma –, comecei a vender algumas delas e a trocar por outros veículos, e até por coisas que precisam de ser restauradas.” Foi assim que acabou por abrir o seu próprio negócio, a Axis Track Services, uma empresa sediada em Suffolk que vende e restaura antigo material militar que encontra durante as suas viagens — às vezes ao pé de casa, outras vezes no outro canto do mundo.

Apesar de sempre ter mantido a sua coleção no segredo dos deuses, o dono da Axis Track Services, decidiu em 2014 abrir as portas ao mundo (aliás, ao Discovery Channel) e partilhar o seu dia-a-dia com milhares de espetadores no mundo inteiro. Na semana em que a segunda temporada do seu programa, O Preço da Guerra, estreia em Portugal, falámos por telefone com Bruce Crompton, o homem que, de boina tartan e blazer a condizer, corre o mundo à procura das mais raras relíquias militares.

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Nem tudo é o que parece

Bruce Crompton admite que é um homem sortudo. Passou mais de trinta anos a percorrer o mundo à procura de tesouros militares, que passaram despercebidos a outros apaixonados por história militar. Porque “há muitos apaixonados por história militar como eu”. “Além de trabalhar aqui, numa zona do país de que gostamos muito, ainda viajo para lugares lindíssimos para encontrar peças excelentes”, admitiu durante a curta conversa com o Observador.

Encontrar essas “peças excelentes” nem sempre é fácil. É preciso ser-se “um bocadinho como um detetive”, seguir as pistas e agir com rapidez. “Muitas vezes é só um sussurro, uma pequena referência, sem grande detalhe”, contou o diretor da Axis Track Services. “Temos de ser muito rápidos com estas coisas”, porque grande parte do material é extremamente raro e muito difícil de arranjar. “Depois da Segunda Guerra Mundial, muito material foi vendido para ferro-velho. As pessoas apanhavam estes materiais e vendiam-nos. Apenas uma pequena parte sobreviveu. Por isso, quando o encontramos, temos de ser muito rápidos.”

Mas, às vezes, as coisas acabam por não ser aquilo que Crompton esperava. “Nem sempre é aquilo que as pessoas disseram que era, mas algumas vezes correspondem ao que foi descrito. Temos de olhar para as coisas de outra perspetiva. Temos de pensar quão rara a peça é e como é que pode ficar depois de ser restaurada.”

De acordo com o inglês, a parte mais difícil é encontrar as partes que muitas vezes faltam aos veículos e outras relíquias que compra. “É muito, muito difícil. Vamos constantemente a leilões à procura de peças. Temos tido muita sorte, mas às vezes compramos peças que estão em muito mau estado, mas podemos copiá-las.”

“Para mim, o que interessa é a história”

Mas, para Bruce Crompton, o mais importante não são as viagens aos quatro cantos do mundo. Isso são ossos do ofício. O mais interessante são as pessoas com que se cruza e as histórias ligadas aos objetos que encontra. “É sempre muito interessante falar com veteranos de guerra e com pessoas que conduziram os veículos. Existe sempre uma história por detrás, uma história fascinante, sobre uma pessoa ou pessoas — pessoas que fizeram coisas fantásticas. A guerra não é uma coisa agradável, mas tentámos olhar para ela de uma perspetiva técnica. Também tentamos dar vida às memórias das pessoas.”

É por isso que, em cada episódio da série, para além de vender tanques e restaurar antigos carros de guerra alemães, Crompton procura também contar “uma história”. “E parece que resulta!”, garantiu. “Muito dos comentários que recebo são de pessoas que me dizem ‘não sabia, aprendi qualquer coisa aqui’. Estou muito contente com isso — que consiga levar conhecimento às pessoas.”

“Para mim, é sobre a história e as histórias dos objetos. Existem histórias fascinantes por detrás disto tudo. Eu não sei tudo, ainda estou a aprender. E tento passar isso.”

“Montes e montes de equipamento em Portugal”

Na segunda temporada de O Preço da História, Bruce Crompton viaja até à Austrália, regressa a França, passa pelas Filipinas e pelos Estados Unidos da América. E a próxima paragem? “Uma viagem a Portugal é quase certa. Fui aí no ano passado, mas para ir ao futebol”, admitiu o dono da Axis Track Services. “Tenho contactos lá. Já fizemos negócios com pessoas em Espanha, por isso Portugal é o próximo país na nossa lista.” Isto porque, em Portugal, existem “montes e montes de equipamento” alemão, fabricado durante a Segunda Guerra Mundial. E a maioria está por estrear.

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Durante a Segunda Guerra Mundial, a indústria de armamento alemã, a maior da Europa, forneceu equipamento para vários países europeus. E Portugal foi um deles. Entre 1939 e 1943, os alemães exportaram para o país “montes e montes de equipamento”. “Portugal era um dos maiores importadores de armamento alemão”, garantiu Crompton. “Em Espanha, deram-lhes licenças para que pudesse fabricar lá o equipamento, que era autêntico. Mas, em Portugal, apenas o importavam. E importaram centenas de milhares.”

De tal forma que, em Inglaterra, Crompton tem várias caixas de equipamento alemão que foi fabricado para Portugal. “Todas as caixas e armamento estão em português, porque eles forneceram grandes quantidades. Mesmo grandes quantidades! E está tudo em ótimas condições.” Apesar de, há uns anos, o Exército Português ter-se desfeito de muito, Crompton garante que “ainda existe muito equipamento aí”. Basta seguir as pistas.

O Preço da Guerra estreia este sábado, 19 de março, às 21 horas, no Discovery Channel