Anunciaram-nos que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, faria esta segunda-feira uma comunicação ao país para nos dizer se promulgaria ou não o Orçamento do Estado para este ano.

Mas em vez dele apareceu um conhecido comentador de atualidade, o professor Marcelo, que fez a sua leitura de todo o processo orçamental. Do contexto económico e político em que o Orçamento foi feito até à negociação com Bruxelas. Dos sinais contraditórios que o contexto externo tem fornecido aos riscos que corremos. Do modelo em que assentava o projeto inicial do Governo até ao documento fiscal que o presidente promulgou. Do que pode correr bem ou mal nos próximos meses até à importância de uma rigorosa execução orçamental – mas qual é o orçamento que não precisa de ser executado com rigor?

Quem falou foi um Marcelo analista, professoral, didata, – notável quando, falando do Semestre Europeu, se apressou a dizer “mas o que é o Semestre Europeu?”, explicando de seguida o processo – mais preocupado em mostrar prós e contras, oportunidades e ameaças, teses e antíteses do que em deixar uma visão clara, a sua, sobre o documento a que acabou de dar luz verde.

É evidente que Marcelo só poderia promulgar o Orçamento, a questão não está na decisão. Até Cavaco o faria se ainda continuasse no cargo.

Mas habituados que estamos a Presidentes da República que sempre vincaram bem os caminhos que consideravam certos e os que achavam errados nas grandes decisões políticas, a recados nas linhas e entrelinhas, a aplausos e puxões de orelhas, não podemos deixar de notar a enorme diferença na forma e no tom na comunicação de Marcelo. Sentado, de improviso – mas que Presidente é que faz uma comunicação ao país de improviso? -, este foi mais um comentário que podia ter continuado com um “Judite, ainda temos tempo para ir aos livros?”.

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Isto não é mau em si e bem que pode funcionar. Há anos que o país anda de crispação em crispação, com posições extremadas, com uma incapacidade de diálogo e o debate entricheirado em lutas próprias de fações.

Marcelo quer evitar ser mais um elemento de fricção. É um papel que desempenha como ninguém quando quando as decisões são pacíficas, como acontece com esta a promulgação do Orçamento. O verdadeiro teste virá quando tiver que tomar posição a sério sobre um assunto. Aí, esta leveza poderá ser insustentável.

Paulo Ferreira é jornalista e colunista do Observador

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