Falta pouco para que António e Amália se cruzem no palco. Poucas horas até ao início do espetáculo, aquele que será um dos momentos mais importantes da vida do cantor. É esse encontro com Amália, inspiração maior, que serve de ponto de partida para a peça “Variações, de António”, que irá subir ao palco do Teatro Municipal de São Luiz a 24 de junho. Uma peça que “podia ser imensas coisas”, mas que é apenas “uma coisa simples”, como nos diz Sérgio Praia, o único ator do monólogo escrito por Vicente Alves do Ó e que está agora a preparar o papel. “Quisemos pegar num momento específico da vida dele, e que foi real. A Amália não gostou nada da versão dele do ‘Povo Que Lavas no Rio’, e ele ficou muito, muito triste. A Amália era uma grande referência.”

[“Povo que Lavas no Rio”, por António Variações]

Sérgio Praia começou a descobrir António Variações há vários anos, quando o realizador João Maia o convidou para protagonizar um filme sobre a vida do cantor. Mas a produção nunca chegou a andar para a frente e Sérgio ficou sempre com António na cabeça. O António que encontrou por trás do Variações, eternamente insatisfeito, solitário. Um homem de carne e osso. Isso levou-o inevitavelmente ao São Luiz.

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“Quando comecei a descobrir a insatisfação dele durante o percurso que fez, comecei a envolver-me mais”, conta o ator. Um envolvimento que levou a uma vontade cada vez maior de explorar este António, a sua “insatisfação e a sua ‘inconcretização’”. “Comecei a encontrar uma ligação entre o percurso do António e aquilo que eu também procuro na vida, que é esta coisas de nunca estar estanque, esta constante procura. Essa procura torna-se muitas vezes num vício que nos leva a coisas más, mas também a coisas boas. Tudo tem um preço na vida.”

Variações, de António ©Estelle Valente (2)

© Estelle Valente

Como queria continuar a trabalhar o tema, decidiu convidar Vicente Alves do Ó para escrever o texto. “Pensei em várias pessoas”, confessa, mas o realizador tornou-se a escolha óbvia ao se aperceber da proximidade que este cria entre o público e o ator. “Tinha a ver com a proximidade do António com as pessoas, e interessava-me muito trabalhar esse lado.”

Um homem e a sua solidão

O que Sérgio Praia pretende com a peça é mostrar um lado diferente de António Variações. “A minha ideia é ir tentar buscar o homem e a sua solidão, que as pessoas não conheceram (ou que algumas descobriram através das suas letras) e mostrar o António enquanto pessoa, enquanto ser — enquanto ser humano, sozinho em casa, com as suas frustrações, procuras, como é que ele procuraria letras. Trabalhar esse lado e não o lado exterior e o de um homem que rasgou, apesar disso também ser importante.”

Sérgio diz que quando começou a “escavar este tema do António”, apaixonou-se. E isso é óbvio pela maneira como fala desse António que também já é um bocadinho seu. “Tudo tem uma razão de ser e acho que esta coisa da insatisfação foi o ponto que me tocou mesmo, ao ponto de querer fazer este trabalho. E também esta questão que continua a ser muito atual — a destes seres diferentes que tentam rasgar épocas e que abrem terreno para o que se irá passar depois.”

Há muita gente insatisfeita. Acho que, se não houver isso, sinto-me morto. E acredito que ele se sentia bem com isso, apesar de em parte ser doloroso. Isso é uma das coisas que mais admiro nele — ele sempre foi fiel a ele próprio. Acreditou sempre no seu caminho, nunca se juntou a grupos nem nunca o procurou fazer. Foi construindo o seu caminho.”

Por esse motivo, “Variações, de António” é também uma homenagem ao todos os artistas anónimos que, apesar da falta de reconhecimento, escolheram dar “a vida à arte”. “Tomam essa posição e acho que o António, do meu ponto de vista, tomou essa opção muito cedo. Ele entregou-se a isso e tinha consciência de que era uma peça fora do puzzle. Mas foi fazendo o seu caminho e perdurou.”

É por querer tanto mostrar a singularidade de António Variações, e ao mesmo tempo a sua solidão, que o ator decidiu fazer uma peça de um homem só. Mas isso não significa que não haverá canções. “Cantarei, mas a ideia é mostrar músicas que as pessoas não conhecem”, explica. Há ainda muita coisa por decidir, uma vez que a peça só irá estrear no final de junho, mas Sérgio Praia avança que “Variações, de António” poderá até vir a incluir algumas das músicas que Variações cantava em criança, porque ele “cantava muito quando era miúdo”.

Assim, o espetáculo acaba também por ser um regresso a casa, às origens. A Fiscal (Amares, Braga), a terra natal do cantor, e à mãe. “Quando é atraiçoado por uma doença, isso fá-lo regressar a casa. É um bocadinho como a canção que ele canta, ‘Adeus Que Me Vou Embora’. Podemos percorrer o mundo inteiro mas, quando morremos, há uma vontade mais forte do que tudo o resto de regressar às origens, de voltar a ver as flores que via quando era criança, a velhinha sentada não sei onde.”

“Nós somos isso — somos seres humanos e às, vezes, há todo um embelezamento e esquecemo-nos do que é a base. A base ele nunca esqueceu.”

“Variações, de António” tem estreia marcada para dia 24 de junho, no Teatro Municipal de São Luiz, em Lisboa. Estará em exibição até 10 de julho. Os bilhetes custam 12 euros e já estão à venda na Bilheteira Online.