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"Se há alguém perto de ser gémeo do Michael Jordan, é o Kobe"

Este artigo tem mais de 5 anos

Carlos Barroca passou 25 anos a comentar jogos da NBA em Portugal. É amigo do pai de Kobe Bryant e falou várias vezes do jogador que esta quinta se retira, aos 37 anos. O Observador falou com ele.

Um a começar e o outro a aproximar-se do final. Kobe Bryant chegou a defrontar Michael Jordan, o homem que muita gente considera o melhor jogador de sempre da NBA
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Um a começar e o outro a aproximar-se do final. Kobe Bryant chegou a defrontar Michael Jordan, o homem que muita gente considera o melhor jogador de sempre da NBA

VINCENT LAFORET/AFP/Getty Images

Um a começar e o outro a aproximar-se do final. Kobe Bryant chegou a defrontar Michael Jordan, o homem que muita gente considera o melhor jogador de sempre da NBA

VINCENT LAFORET/AFP/Getty Images

Acaba a ir buscar a ironia, já no fim da conversa. “Não foi muito tempo, foram só 25”, diz, antes de soltar um ligeiro riso. Carlos Barroca acaba de nos precisar os anos — “mágicos”, como os classifica — que passou a narrar e comentar jogos da NBA, em Portugal. É por isso mesmo que lhe telefonamos, porque durante 18 desses anos viu jogar muitas vezes o senhor que, na madrugada desta quinta-feira (às 3h30 de Portugal Continental), entrará pela última vez num court de basquetebol como jogador profissional. Kobe Bryant vai dizer adeus.

Quando Kobe Bryant começou a jogar (1996) já Carlos Barroca levava alguns anos a falar sobre tudo o que via nos jogos da NBA (começou em 1989). Antes de se deslumbrar com as coisas com que Kobe o “silenciava”, o português já conhecia o pai Bryant, que também fora jogador de basquete e cuja carreira o levara até Itália, onde a família passou uns anos. Daí que, nas vezes em que trocou conversas com Kobe, a família fosse sempre tema. “Havia sorrisos e cedências de uma pessoa muito especial. Não é alguém que se abre facilmente com pessoas com quem não tem uma relação profunda, no dia-a-dia”, resume. Carlos Barroca é hoje diretor de operações da NBA na Índia, onde já lhe “veio uma lágrima ao canto do olho” quando estava a “ler coisas” sobre a carreira de Kobe Bryant.

Já está com saudades do Kobe?

Confesso que sim. Amanhã de madrugada, aqui na Índia, vamos ter um especial na televisão sobre o Kobe Bryant e vamos transmitir o último jogo dele, dos LA Lakers contra os Utah Jazz. Como fazia sempre quando comentava jogos, gosto de ler e ver coisas antes. Sou uma pessoa muito emotiva e, enquanto me preparava, dei comigo com uma lágrima no canto do olho.

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Isso diz tudo, não é?

Expressa bem o que é falar da carreira do Kobe. Para mim, quem gosta de basquetebol tem de gostar e de aplaudir a carreira do Kobe Bryant.

Houve alguma memória que lhe veio logo à cabeça?

Tenho a felicidade de o conhecer, já estive várias vezes com ele. O Kobe é, de facto, uma máquina de produzir resultados. Foi feito para ganhar. Há uns anos houve um livro do Rick Pitino, chamado “Born to Coach” (“Nascido para Treinar”, em tradução literal), e acho que se escrevesse um livro sobre o Kobe, teria de se intitular “Born to Win” (Nascido para Ganhar). Qualquer coisa que não seja ganhar, para ele, não serve. É uma máquina feita para ganhar. A sua determinação, inteligência e vontade sempre fez dele uma pessoa amada, ou odiada. Ele nunca parava de procurar melhores resultados, de exigir mais dos colegas e de exigir mais de si mesmo.

Talvez por isso tenha tido aquelas lesões graves.

Teve três lesões que acabam com a carreira de um atleta. Mas recuperou sempre, contra todos os prognósticos de que já não iria regressar. E voltou sempre a jogar ao mais alto nível. Na NBA existem dezenas de jogadores em todas as gerações que têm os seus momentos. O Kobe não teve momentos, foi sempre bom. E foi-o durante 20 anos ao serviço da mesma equipa, nunca tinha acontecido na história da NBA. Ele não foi escolhido pelos LA Lakers, mas pelos Charlotte Hornets, com 17 anos.

Ainda estava na escola secundária.

Saltou diretamente do high school para a NBA. Depois, a carreira dele foram sucessos atrás de sucessos. São medalhas olímpicas, títulos mundiais, títulos da NBA, os MVP’s [prémios de melhor jogador], os concursos de afundanços, tudo isso são detalhes. O que fez dele um vencedor foi o seu espírito, a sua atitude e a vontade permanente de vencer. É um campeão.

Nas vezes em que esteve com o Kobe, falaram sobre o quê?

Normalmente, falávamos sobre família. O pai do Kobe também foi jogador de basquete e tive o privilégio de ser amigo dele e de o ter defrontado há muitos anos. Por isso, as conversas com o Kobe começavam sempre nele. “Kobe, how is your father?” [Como está o teu pai?]. Mais tarde, quando ele já era casado e pai de filhas, também passava por isso. Depois havia sorrisos e cedências de uma pessoa muito especial. Não é alguém que se abre facilmente com pessoas com quem não tem uma relação profunda, no dia-a-dia. Falei com ele várias vezes, em circunstâncias diferentes que teve ao longo da carreira.

Chegou a ver o Kobe jogar, quando era muito miúdo, graças à amizade com Joe Bryant, o pai?

Não, nessa altura ele ainda estava em Itália. Só mais tarde, quando já estava na NBA. Mesmo durante o high school o Kobe estava em Filadélfia. Mas é daqueles jogadores que não enganava.

Houve alguma jogada, lançamento ou momento do qual nunca mais se esqueceu?

Recordo um, salvo erro no play-off com os Phoenix Suns, não me lembro do ano, em que os Phoenix tinham jogadores como o Steve Nash e Amar’e Stoudmire. O play-off estava a ser dominado por ele e, num jogo, os Lakers estavam a perder por três pontos nos últimos segundos. Precisavam de um triplo para empatarem. O Kobe, na reposição de bola, marcou um triplo mesmo sobre o apito. Nessa altura, conseguiram empatar a série, e acabariam por ganhá-la e serem campeões.

Depois houve aquele jogo dos 81 pontos.

Claro, foi um jogo fantástico em que ele marca 81 pontos. Foi uma sucessão de momentos fantásticos, como sempre. Até em jogos em que os Lakers perdiam ele fazia sempre algo fantástico. Em Londres, durante os Jogos Olímpicos, às 7h da manhã de um dia em que a seleção dos EUA tinha folga, um dos adjuntos da equipa, que estava a tomar o pequeno-almoço, viu o Kobe a sair, com o staff atrás. Levantou-se a correr e foi-lhe perguntar se havia algum problema. O Kobe respondeu: “Não, vou só fazer uns lançamentos”. Só voltou às 13h. Num dia em que todos os outros jogadores norte-americanos ficaram a dormir, ele foi treinar lançamentos durante cinco horas. Porquê? Sempre quis ser o melhor do mundo.

Chegou a ficar sem palavras ao narrar um jogo do Kobe?

Hmmm, a comentar jogos acho que nunca tive dificuldades em falar de coisas boas. Sempre tive mais facilidade a fazer elogios do que críticas. O que aconteceu uma quantidade de vezes foi o Kobe silenciar-me, isso sim. Muitas vezes arriscava fazer maus lançamentos — do ponto de vista da escolha, não do lado técnico — e, enquanto a bola estava no ar, eu e o treinador dele estávamos a dizer “oh, no!” e, quando a bola entrava, passámos para o “oh, yeeees!” [a voz muda, instantaneamente, como se estivesse mesmo a relatar uma bola a entrar no cesto]. Isto aconteceu vezes sem conta. Traiu-me com a sua matemática de tentar lançamentos impossíveis para os tornar possíveis.

Desde que anunciou a retirada, não achou estranho o Kobe ser mais aplaudido noutros pavilhões, quando os Lakers jogavam fora de casa?

É curioso. Mas creio que aconteceu, desde logo, porque os Lakers deixaram de ser uma ameaça. A equipa está com um dos piores recordes do ano, mais uma vez. Não havendo essa ameaça do ponto de vista competitivo, as pessoas que antes o assobiavam e detestavam, permitiu que o Kobe fizesse uma espécie de farewell tour desde que anunciou a sua retirada. Embora ele tivesse pedido que não queria despedidas nem cerimónias, a verdade é que lhe prestaram homenagens em todo o lado. Algumas foram lindíssimas, como a dos San Antonio Spurs. Nunca na história da NBA um jogador esteve 20 anos ao serviço da mesma equipa. O Kobe nunca pediu para sair, nem quando a equipa ficou mais fraca. Ele nasceu dos Lakers, é fã dos Lakers e acaba a carreira nos Lakers.

Acha que ele ainda aguentava mais um ano a jogar?

Não, acho que o Kobe fez o que uma pessoa inteligente deve fazer: retirar-se enquanto ainda tem vontade, a cabeça o suporta e o corpo está ativo. Tenho um enorme respeito por ele, porque podia continuar mais três ou quatro épocas e fingir que estava a jogar. Assim não vai enganar ninguém. Podia continuar a fazer dinheiro e a assinar contratos fabulosos, mas o corpo já não consegue dar resposta. Acho que faz bem.

E a pergunta para queijinho: Michael Jordan ou Kobe Bryant?

Well, houve um tempo para cada um. Tive a sorte de apanhar os dois. Fiz três despedidas do Michael Jordan! A primeira, quando abandonou a NBA durante dois anos [para jogar beisebol]. A segunda, depois de voltar e ganhar mais dois títulos. E a terceira, a final, após ter ido jogar para os Washington Wizards. Não creio que vá fazer três despedidas do Kobe Bryant. Costumo recusar fazer comparações entre dois jogadores, porque no desporto procura-se sempre fazer isso. Neste caso, é inevitável comparar Michael Jordan com o Kobe Bryant. Diria que, em termos de jogo, se há alguém perto de ser irmão gémeo do Michael Jordan, é o Kobe.”

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