Uma ligação entre Ricardo Salgado e João Rendeiro. Esta é uma das novas revelações dos Panama Papers, esta noite divulgada pela TVI e o Expresso, os meios de comunicação social portugueses que fazem parte do consórcio internacional de jornalistas que está a investigar o caso. Rendeiro, ex-presidente do Banco Privado Português (BPP), adquiriu parte da sua casa na luxuosa Quinta Patiño, no Estoril, através de uma offshore criada pela Mossak Fonseca para o Grupo Espírito Santo.

“É matéria que será investigada em tribunal, por isso não posso dizer mais nada”, afirmou João Rendeiro à TVI.

25 de Abril de 1997. É nesta data que é criada nas Ilhas Virgens Britânicas uma offshore do Grupo Espírito Santo: a Penn Plaza Management. Mais de um ano depois, conta a TVI, em dezembro de 1998, é passada uma procuração a um administrador do BES para contratar empréstimos e abrir contas bancárias em nome da Penn Plaza.

É através desse representante que a Penn Plaza, a 4 de dezembro, firma um contrato-promessa para comprar o lote 80 da Quinta Patiño, em Cascais. Lote esse onde fica a moradia de João Rendeiro – a casa no lote 81, o jardim no lote 80.

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Os documentos a que o Expresso e a TVI tiveram acesso no âmbito do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICJP) revelam que pelo menos no lote 80 houve um envolvimento direto de Ricardo Salgado, na altura presidente do Banco Espírito Santo (BES), na aquisição. Numa carta de 23 de julho de 2002, a Penn Plaza pede ao BES das Ilhas Caimão o “bloqueio dos montantes e valores existentes na conta em favor da Compagnie Bancaire Espírito Santo SA, Lausanne, para cobrir as garantias que o Senhor Ricardo Espírito Santo Silva Salgado tomou ou poderia tomar no futuro para com o referido banco, até ao montante de 750 mil francos suíços ”, ou seja, quase 690 mil euros.

No ano seguinte, a 16 de dezembro de 2003, a Penn Plaza Management é transferida das Ilhas Virgens Britânicas para o Nevada, nos Estados Unidos. Os Panama Papers revelam que depois dessa transferência, a 6 de julho de 2005 é emitida uma procuração que confere os poderes de movimentação das contas bancárias da Penn Plaza ao BPP. Ficam autorizados a mexer nesta offshore os administradores Salvador Fezas Vital, António Guichard Alves e Fernando Lopes Lima.

A procuração não faz qualquer referência ao nome de João Rendeiro. Mas foi precisamente nessa altura que o então presidente do conselho de administração do BPP fez obras no jardim da sua casa do Estoril, o tal lote 80 da Quinta Patiño. Entre maio de 2005 a julho de 2006, o gabinete de arquitetura ACB trabalhou naquele meio hectare de terreno comprado pela offshore do Grupo Espírito Santo.

O Departamento Central de Investigação e Ação Penal emitiu um despacho em janeiro no qual acusava João Rendeiro (e outros três administradores) de branqueamento de capitais e fraude fiscal, por alegadamente terem desviado quase 30 milhões de euros do BPP em prémios e outros benefícios para si, usando veículos offshore.

Os investigadores do Ministério Público concluíram, também, que João Rendeiro controla a casa da Quinta do Patiño a partir de uma offshore.”A Corbes é uma sociedade sedeada no Delaware, nos Estados Unidos da América, da qual o arguido João Oliveira Rendeiro e mulher são os beneficiários efetivos, tendo o arguido utilizado esta sociedade para adquirir a casa onde vive, na Quinta Patino, lote 81, em Cascais, bem como o seu recheio, apresentando-se como mero arrendatário”, lê-se no despacho de acusação, que acrescenta, sem margem para dúvidas: “A Penn Plaza é uma sociedade “da qual o arguido João Oliveira Rendeiro é o beneficiário efetivo, tendo o arguido utilizado esta sociedade para adquirir o lote 80 da Quinta Patino, em Cascais”.

Em maio de 2015, a casa de João Rendeiro, no lote 81, e o jardim de meio hectare que ocupa o lote 80, foram arrestados pela Justiça.

O nome que liga o GES à Operação Marquês

Outro dos nomes que surge nas revelações desta sexta-feira é o de Helder Bataglia, que também aparece nas investigações do caso Sócrates. Mas esta não é a primeira vez que o nome do empresário é relacionado com offshores, já que a Escom (GES) foi criada em 1993 através de uma caixa postal nas Ilhas Virgens Britânicas. Helder Bataglia está a ser investigado pelo Ministério Público no âmbito da Operação Marquês. Carlos Santos Silva, amigo de José Sócrates terá recebido mais de mais 5,4 milhões de Bataglia, que transferiu um total de 17,9 milhões de euros para amigo do ex-primeiro-ministro.

Outro dos factores de envolvimento do antigo administrador em Angola da Escom nos Panamá Papers surge através da Markwell, uma das empresas sediada no Panamá da qual é proprietário. O elo entre esta offshore e a a Angola Natural Resources (ANR), uma das offshores do Grupo Espírito Santo (GES) foi revelado no Expresso deste sábado através da jornalista sul-africana Khadija Sharife, que também faz parte do ICIJ e investiga a obtenção de licenças de exploração de petróleo em Angola. O processo envolve Hélder Bataglia e também implica Manuel Vicente, vice-presidente de Angola e antigo homem-forte da Sonangol e o General “Kopelipa”, ministro de Estado e Chefe da Casa Militar de José Eduardo dos Santos.

O que já se sabe dos Panama Papers?

Luís Portela, presidente não executivo da farmacêutica Bial, Manuel Vilarinho, empresário e ex-presidente do Benfica, e Ilídio Pinho, industrial do Norte, foram os primeiros nomes (entre os portugueses mais sonantes) envolvidos no caso Panama Papers, revelaram na última sexta-feira o Expresso e a TVI, os media portugueses que fazem parte do consórcio internacional que investiga o escândalo.

No total, serão 240 as figuras nacionais que surgem nos documentos como clientes da empresa de advogados do Panamá especializada em offshores.

Também o “saco azul” do GES — as contas paralelas do grupo gerido na altura por Ricardo Salgado — surge nos documentos revelados pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação ICIJ. Este “saco azul” do GES assentaria em 300 offshores. Pela Espírito Santo Enterprises terão passado mais de 300 milhões de euros em 21 anos.

A lista dos 240 portugueses que aparecem nos Panama Papers é extensa e muito diversa. Dela fazem parte, por exemplo, um ourives do Porto, donos de empreendimentos turísticos do Algarve e um empresário ligado ao futebol, nenhum deles ainda identificado. Os documentos incluem ainda (pelo menos) 13 escritórios de advogados, muitos empresários ligados ao imobiliário e empresas de comércio internacional.

Do total de ligações portuguesas identificadas na investigação à empresa do Panamá Mossak Fonseca, que vem desde 1977, há 43 offshores ainda ativas que tiveram intermediários portugueses. Mas muitos dos nomes que fazem parte dos documentos agora revelados naquela que já é considerada a maior fuga de informação de sempre surgem ligados a offshores que entretanto foram encerradas.

O relacionamento dos nomes portugueses com as offshores criadas pela empresa de advogados Mossak Fonseca é contudo muito diferente. Há, alegadamente, casos de acionistas diretos, donos indiretos, representantes legais ou meros pontos de contacto com aqueles que são os beneficiários finais.

Notícia atualizada às 1h15m.