António Carlos Vieira da Silva Júnior foi detido a 22 março no Recife (capital do Estado de Pernambuco) no âmbito da 26.ª fase da Operação Lava Jato, denominada “Xepa”, tendo sido conduzido à sede da Polícia Federal para prestar esclarecimentos sobre o seu alegado envolvimento no caso judicial que está a abalar o Brasil.
Referido no relatório da Polícia Federal (PF), a que o Observador teve acesso, António Carlos foi alvo de um mandado de condução coerciva emitido pelo juiz Sérgio Moro por suspeitas de estar envolvido na receção de cerca de 3 milhões de reais (cerca de 752,8 mil euros) em numerário com origem na Odebrecht. Na prática, esteve sob detenção durante algumas horas para ser questionado pela principal polícia criminal do Brasil.
António Carlos é irmão e sócio de André Gustavo Vieira da Silva — diretor de campanha do PSD nas legislativas de 2011 e de 2015 — na empresa Arcos Propaganda.
De acordo com o relatório da PF relativa à 26.ª etapa da Operação Lava Jato, o Ministério Público (MP) Federal do Brasil tem fortes indícios de que a empresa construtora Odebrecht tinha uma contabilidade paralela que atesta o pagamento regular de alegadas “propinas” (subornos) a titulares de cargos políticos e públicos.
Tal contabilidade paralela era organizada e gerida pelo Setor de Operações Estruturadas da holding da construtora Odebrecht e tinha um sistema informático próprio.
Tal sistema informático chegou ao conhecimento do MP Federal através da colaboração de uma secretária chamada Maria Lúcia, que era responsável pela organização da contabilidade. Após realizar um acordo de delação premiada com as autoridades judiciais brasileiras, o que lhe permite atenuar consideravelmente a sua pena, a funcionária da Odebrecht que também fazia parte do Sector de Operações Estruturadas, ajudou os investigadores a decifrarem e a perceberem em pormenor como funcionava a contabilidade paralela da empresa brasileira, assim como a terem acesso a nova documentação que reforçou os indícios recolhidos e o testemunho de Maria Lúcia.
Segundo o relatório da PF, o Sector de Operações Estruturadas geria seis contas bancárias. Uma delas, com o nome de código de “Paulistinha”, terá originado levantamentos em numerário superiores a 60 milhões de reais.
A conta bancária denominada de “Paulistinha” foi igualmente identificada na Operação Lava Jato como tendo sido a conta que originou seis transferências monetárias para Portugal, que estarão relacionadas com a barragem do Baixo Sabor, em Trás-os-Montes. Tais débitos terão sido transferidos entre 25 de março e 9 de abril de 2015 para Portugal, como o Observador já noticiou.
De acordo com o mesmo documento, existem registos documentais na contabilidade paralela da Odebrecht que comprovarão a entrega de três tranches de dinheiro em numerário, no total de 3 milhões de reais (752, 8 mil euros), que terão sido feitas entre 17 de junho e 1 de julho de 2015 por Marcelo Marques Casimiro (nome de código “Cobra”) num apartamento na rua Sampaio Viana, em São Paulo. As referidas entregas de dinheiro vivo terão sido ordenadas por Fernando Reis, diretor da Odebrecht Ambiente.
Segundo o relatório da PF, cerca de 14 executivos de outros setores da Odebrecht, assim como o presidente da empresa (Marcelo Odebrecht) que se encontra detido, terão ordenado o mesmo tipo de pagamentos para outros destinatários. Segundo os investigadores, tais executivos foram transferidos para o exterior do Brasil após o início da Operação Lava Jato.
Segundo informação recolhida pelos investigadores da PF junto do condomínio referente à morada onde Marcelo Marques Casimiro terá entregue 3 milhões de reais em numerário, o imóvel esteve alugado entre 22 de abril de 2014 e 22 de abril de 2016 a António Carlos Vieira da Silva Júnior.
No relatório da PF, António Carlos é referido como sendo “diretor superintendente da empresa Arcos Comunicação, Lda”, sendo que esta empresa (que, na realidade, chama-se Arcos Propaganda), é referida da seguinte forma:
Em consultas a fontes abertas, a Arcos Comunicação é mencionada por sua atuação, na pessoa de André Gustavo Vieira da Silva (filho de António Carlos), em campanha eleitoral em Portugal. André Gustavo foi aparentemente convocado para a CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] do BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento], em agosto/2015, visando a prestar esclarecimentos quanto ao contrato entre BNDES e a Arcos Comunicação e seu possível vínculo com Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT [Partido dos Trabalhadores], condenado no [caso] Mensalão”, lê-se no relatório da Polícia Federal.
Delúbio Soares, que antes de cair em desgraça com o caso Mensalão foi uma das principais figuras do PT, terá sido padrinho de casamento de André Gustavo. Já o BNDES é um banco de fomento detido pelo Estado brasileiro. O relatório da PF menciona que André Gustavo é filho de António Carlos mas, na realidade, os dois são irmãos.
O relatório da PF foi homologado pelo juiz Sérgio Moro que, no despacho onde ordenou as buscas e detenções na 26.ª etapa da Operação Lava Jato, considerou que as suspeitas que lhe foram apresentadas representavam “causa fundada para realizar buscas e apreensões (…) as provas são no sentido de que o Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht estaria envolvido na realização de pagamento ilícitos, propinas [subornos] aos dirigentes da Petrobrás, quiçá propinas [subornos] a outros agentes públicos e financiamento político partidário ilícito. Embora seja possível que alguns pagamentos tenham sido feitos a beneficiários de boa fé, é necessário esclarecer a causa e as circunstâncias das transações, não sendo comum a realização de elevadas transações em espécie, com a entrega fisica de centenas de milhares de reais ou mesmo de milhões de reais.”
Neste sentido, o juiz Sérgio Moro ordenou que, entre outros detidos, António Carlos Vieira da Silva Júnior fosse conduzido de forma coerciva pela PF, de modo a prestar os referidos esclarecimentos.
André Gustavo diz que irmão nada sabe
Contactado pelo Observador para esclarecer o envolvimento do seu irmão e da empresa Arcos Propaganda na Operação Lava Jato, André Gustavo afirmou que “as referências foram ao meu irmão e sócio António Carlos Vieira da Silva Jr e não à Arcos”, sendo que António Carlos “foi levado a prestar esclarecimentos a fatos desconhecidos pelo mesmo”, tendo sido dispensado em “40 minutos após prestar os devidos esclarecimentos “.
“A Arcos Propaganda não foi citada, convocada ou investigada em nenhum momento em relação à ‘Operação Lava Jato’ nem nenhum dos seus outros quatro sócios”, assegurou André Gustavo. O principal sócio da Arcos frisou ainda que a empresa tem 38 anos de atuação no mercado nacional, sem nunca ter sido chamada a prestar qualquer tipo de esclarecimento sobre qualquer operação/investigação. E que opera há 38 anos com o mesmo número de contribuinte, sem ter ou registar problemas fiscais, tributários, trabalhistas, previdenciários ou bancários”, afirmou.
Sobre as referências à campanha que realizou em Portugal (onde destaca que “só tem ou trabalhou para um único cliente: o PSD”) no relatório da PF, André Gustavo desvaloriza a questão: “Quanto às ‘consultas a fontes abertas’, são informações sem qualquer procedência. Uma vez que nunca fui ou a Arcos foi alvo, como já falei, de qualquer convite a prestar mínimos esclarecimentos”, concluiu.
Ministério Público Federal diz que investigação está no Supremo
O Observador contactou igualmente a Procuradoria da República do Estado do Paraná, onde a Operação Lava Jato está concentrada, tentando perceber se tinha sido emitida alguma carta rogatória para Portugal sobre este tema e o atual estado das investigações da 26.ª etapa da Lava Jato.
Fonte oficial da Procuradoria da República do Paraná afirmou que “a 26.ª fase da Operação Lava Jato, denominada de `Xepa´ (e todas as suas investigações), foi remetida pelo juiz Sérgio Moro para o Supremo Tribunal Federal (STF) por ter conexão com a 23.ª fase, `Acarajé´. Essa decisão ocorreu no dia 28 de março”.
As razões para a decisão de Moro prende-se com o fato de a documentação da contabilidade paralela da Odebrecht (que no Brasil é conhecida como “super planilha”) conter nomes de titulares de cargos políticos “com foro privilegiado [especial], portanto só podem ser investigadas por instâncias superiores”. Desde então, as investigações não tiveram mais desenvolvimentos. “E, enquanto não houver uma decisão do ministro [juiz conselheiro] Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, no sentido de remeter novamente todas as investigações para a primeira instância, ou seja, para a 13.ª Vara Federal de Curitiba, ou desmembrar parte das investigações, nenhum procurador da força-tarefa Lava Jato em Curitiba está falando sobre o assunto”, lê-se na resposta enviada por escrito para o Observador por fonte oficial da Procuradoria da República do Paraná.
O jornal Público noticiou ao início da noite desta quarta-feira que as autoridades judiciais brasileiras solicitaram informação por carta rogatória à Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o publicitário André Gustavo Vieira da Silva. Fonte oficial da PGR é citada pelo Público como afirmando que “[a PGR] recebeu, das autoridades brasileiras, três cartas rogatórias inseridas no âmbito da designada Operação Lava Jato. Uma já foi devolvida. As restantes encontram-se em execução”, mas fonte oficial da PGR adiantou que “não revela o teor dos pedidos de cooperação”.
Ao que o Observador apurou, o Ministério Público não recebeu nenhum pedido de cooperação judiciária internacional do Brasil relacionada com a Operação Lava Jato que mencione o nome de André Gustavo ou do seu irmão António Carlos. O que não quer dizer que não venha a acontecer, assim que o Supremo Tribunal Federal brasileiro decidir o que fazer à 23.ª fase e à 26.ª fase da Operação Lava Jato.
A 23.ª fase consistiu na detenção de João Santana, homem das campanhas do Partido dos Trabalhadores que levou Dilma Rousseff a vitória nas presidenciais, e da sua mulher, Mónica Moura. Ambos foram detidos por suspeitas de terem recebido cerca de 22,5 milhões de reais (5,6 milhões de euros) da Odebrecht no Brasil e 7,5 milhões de dólares (6,6 milhões de euros) na Suíça.