A anterior ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, sabia mais do que disse; o Banco de Portugal não fez o que seria de esperar; Bruxelas dificultou toda e qualquer solução; e a gestão do Banif não estava coordenada. Ricardo Mourinho Félix, secretário de Estado do Tesouro e Finanças, respondeu esta quarta-feira perante a comissão parlamentar de inquérito à venda do Banif e não poupou ninguém, à exceção do atual Executivo. Só nas primeiras duas horas de audição lançou quatro farpas.

O anterior Governo ocultou informação

Ricardo Mourinho Félix garantiu aos deputados que a primeira vez que lhe foi comunicado, por fontes oficiais, que o Banif tinha um problema foi numa reunião que decorreu “logo após as eleições”, a 12 de outubro. Nessa altura, Mourinho Félix, bem como Mário Centeno, atual ministro das Finanças, encontraram-se com Maria Luís Albuquerque, que ainda era titular da pasta, e com a sua equipa de secretários de Estado, para falar de cenários macroeconómicos e das projeções que os partidos tinham usado durante a campanha eleitoral.

“No final da reunião a Maria Luís diz que há um conjunto de informação que nos queria comunicar”, relata Mourinho Félix. A então ministra quis falar sobre a TAP, e sobre o Banif. “É dito na altura que a situação é bastante grave, que vai ter de ser resolvida até ao final do ano e que deixar passar para 2016 seria muito grave”, conta o atual braço-direito de Mário Centeno. Mas, “não é feita referência ao processo de venda voluntária”, garante.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mais tarde, na transição de pastas do anterior Governo para o Executivo liderado por António Costa, num encontro que decorreu no dia 26 de novembro, também “não se fala do processo de venda voluntária”, assegura. E atira a primeira farpa: “Nesta altura estariam a ser assinados os acordos de confidencialidade.” Implícita fica a ideia de que o anterior Governo tinha mais informação do que aquela que partilhou.

Além disso, as declarações de Mourinho Félix contradizem as de Maria Luís Albuquerque na comissão de inquérito. Segundo a atual deputada do PSD, só a 12 de novembro terá tomado conhecimento de que o problema do banco teria de ser resolvido até ao final do ano. Ora, Mourinho Félix garante que naquela reunião o problema do Banif foi apresentado como “iminente” em outubro.

Por fim, o governante assegura que o anterior Executivo teve “claramente a intenção de nada fazer durante o ano de 2015, até às eleições”. E descreve uma série de cartas onde se pede adiamento de prazos, sendo que a última é de agosto “e a [então] ministra pede um adiamento de três meses, que vai parar a novembro, portanto, depois das eleições”.

O Banco de Portugal não fez o que seria de esperar

“O banco de transição esteve em cima da mesa. Só desaparece na sequência da comunicação por email do Banco de Portugal ao ministro das Finanças, [com a justificação de que] o Mecanismo Único de Supervisão com elevada probabilidade se iria opor” — é assim que Mourinho Félix arruma a questão do banco de transição e, de caminho, também o governador Carlos Costa.

O secretário de Estado assume que foi só na semana passada, com a presença do vice-governador Carlos Albuquerque, diretor de supervisão prudencial do banco, na comissão parlamentar de inquérito, que ficou a saber que “o banco de transição não foi rejeitado, porque não foi proposto”.

“Erroneamente pressupus que tinha sido levada uma proposta, mas que tinha sido recusada. Não me passaria pela cabeça que nem sequer fosse apresentada uma proposta. Nem me foi transmitido que que não chegou a ser proposto”, sublinha.

Bruxelas deixou poucas alternativas

Mourinho Félix descreve a atuação das autoridades europeias como muito limitante das escolhas em cima da mesa. Diz que a Comissão Europeia desconfiava da informação do Banif e que não acreditava na viabilidade do banco, a menos que este restringisse a sua atividade às ilhas.

O secretário de Estado acusa as autoridades comunitárias de não quererem sequer aquilo a que chamou o “processo sequencial”, que correspondia a primeiro tentar uma venda do banco, com propostas a serem entregues até 18 de dezembro, mesmo que a probabilidade de chegarem a bom porto fosse limitada. Mourinho Félix explica que a ideia seria sobretudo “identificar” os potenciais interessados caso se concretizasse o destino mais provável, a resolução do banco. Mourinho Félix garante que o Governo bateu o pé à direção-geral da Concorrência (DGComp) e exigiu a solução sequencial.

Mas esta não foi a única farpa atirada a Bruxelas: segundo o governante, as autoridades comunitárias colocaram exigências tais aos bancos que participariam na compra da atividade do Banif que retirou da corrida a maior parte das instituições financeiras. A DGComp colocou três condições: “O banco tem de ser comercial, tem de ter uma dimensão relevante em Portugal e o seu balanço tem de ser três vezes o do Banif, devendo o Banif deixar de existir como entidade autónoma”, revelou Mourinho Félix.

Perante estes dados, só havia dois bancos: o Montepio Geral e o Santander. O governante diz que o Governo “escalou a questão para o nível político” e exigiu uma reunião com a comissária da Concorrência, Margrethe Vestager. Depois de uma conversa, o Executivo conseguiu que fossem aceites propostas de todos os bancos, sendo depois analisadas e validadas individualmente.

Gestão do Banif não estava coordenada

O banco é descrito por Mourinho Félix como uma instituição muito pouco credível, que enviava tabelas descritivas dos créditos concedidos de onde desapareciam umas operações e apareciam outras. Além disso, o próprio conselho de administração não estava alinhado. Enquanto Miguel Barbosa, o administrador não executivo nomeado pelo Estado para o Banif, defendia a proposta da consultora N+1, Jorge Tomé, que liderou a instituição entre 2012 e 2015, e Luís Amado, o presidente não executivo de 2012 até à resolução, “não estavam totalmente alinhados e empenhados neste processo.”

E descreve: “Estavam também à procura de compradores, referiram contactos com o Banco Popular, mas quando falaram do N+1 havia ali uma grande desconfiança. Havia um sentimento sobretudo do Jorge Tomé de que o processo do N+1 dependia da boa vontade da DGComp e que por isso dificilmente chegaria a bom porto.”