O Bloco de Esquerda está unido e reforçado depois do crescimento exponencial que teve nas últimas eleições. Num texto conjunto, que agrega as principais tendências do partido, o BE apresenta-se à convenção de 26 e 27 de junho com exigências ao PS, sob pena de a maioria que sustenta o Governo não sobreviver. A moção desafia o PCP para o diálogo, exige um travão à “chantagem europeia”, e apresenta uma certeza: o BE recusa alianças pré-eleitorais nas autárquicas de 2017. Só depois das eleições, dizem, poderá haver “convergências” com o PS desde que seja para “formar maiorias de transformação à esquerda”.
“O acordo para parar o empobrecimento foi e é determinante para proteger a população, mas é insuficiente para responder pelo emprego, justiça social, e desenvolvimento económico. Sem uma nova estratégia para o país não é possível vencer a austeridade e sustentar o compromisso de recuperação de rendimentos em que assenta a maioria parlamentar. Ainda que tímida, essa recuperação — se não criar nova margem de manobra –, ficará em causa pela pressão externa e pela escassez de recursos”, lê-se no texto da moção bloquista, conhecida esta quarta-feira e intitulada “Força da Esperança – O Bloco à conquista da maioria”.
Ou seja, o BE exige ao PS uma “nova estratégia para o país” porque o que está a ser feito no sentido da recuperação de rendimentos e de travagem do empobrecimento é “tímido” e não chega. O Bloco quer que se faça mais para vencer a austeridade, sob pena de a maioria que apoia o Governo não se aguentar. As condições continuam as mesmas: não haver cortes em salários e pensões, não haver nova carga fiscal sobre rendimentos, “por via direta ou através do agravamento da tributação de bens essenciais”, mas o mero compromisso da não-violação destes termos parece agora não chegar.
O BE tem mesmo já uma ideia concreta daquela que deve ser a nova estratégia, que passa necessariamente por “renegociar a dívida pública e realizar uma intervenção sistémica sobre a banca privada, assumindo o controlo público”, e que assenta em três eixos: primeiro, no controlo do sistema financeiro e o combate à corrupção, depois no investimento na criação de emprego e combater o défice da balança comercial, e por fim na reposição dos direitos laborais e o combate mais assertivo à precariedade.
Portugal não pode ficar à espera da mudança na Europa. Para vencer a austeridade é preciso uma resposta económica e política que garanta um aumento sustentado dos rendimentos do trabalho, com criação de emprego e que seja capaz de aumentar a capacidade produtiva do país e atacar o endividamento externo. O Bloco propõe uma nova estratégia para Portugal, assente em três eixos: 1) controlo do sistema financeiro e combate à corrupção e crime económico para proteger os recursos do Estado e garantir justiça fiscal; 2) investimento na descarbonização da economia, na soberania alimentar e na coesão territorial para criar emprego e combater o défice da balança comercial; 3) reconstrução dos direitos laborais e combate à precariedade para garantir redistribuição da riqueza e justiça social”, lê-se.
Para sustentar este apelo, os bloquistas lembram mesmo a força da matemática e da geometria parlamentar: “O PSD e o CDS/PP não têm maioria, mas o PS não é a força mais votada; o CDS/PP não faz maioria com o PS; o PS precisa do Bloco e do PCP para fazer maioria. Nunca antes esta combinação de resultados se verificou”, lê-se na moção, onde o BE lembra por diversas vezes a importância que tem para o suporte do Governo.
Contra a chantagem europeia e um recado a Marcelo
A par das exigências ao PS, o alvo do BE é claro: lutar contra a “chantagem europeia”, que é “o grande apoio da direita para tentar repor o ciclo de concentração da riqueza e austeridade permanente e assim ameaçar a maioria parlamentar”. Logo, é o alvo a abater.
Para os bloquistas, é sob esse pano de fundo dos ditames europeus que está também a assentar o início do mandato do novo Presidente da República, por isso também para Marcelo vai um recado: “As suas pressões para acordos de regime visam repor as relações históricas e o alinhamento à direita dos partidos da alternância”, dizem, dando a entender que os sucessivos apelos do Presidente para os consensos de regime, entre o PS e o PSD, procuram apenas desviar o Governo do PS do caminho que está a fazer à esquerda para o recentrar no trilho da Europa e das políticas “austeritárias” da direita.
Ao PCP, por outro lado, o BE dá a mão e propõe mais diálogo. “O Bloco de Esquerda valoriza o contributo que o PCP tem dado para uma política de recuperação de rendimentos, direitos e serviços públicos e está disponível para encontrar novas formas de diálogo e cooperação com o PCP para a solução dos problemas dos trabalhadores”. Isto porque “o diálogo à esquerda é um elemento importante para a mobilização social” e “só com uma mobilização alargada poderá a maioria popular contrapor-se eficazmente à chantagem europeia”. Fica aqui também um piscar de olho à CGTP.
Autárquicas sem alianças pré-eleitorais com o PS
À boleia do crescimento exponencial que teve nas últimas eleições legislativas, o BE, que atualmente não tem nenhuma câmara, quer repetir a proeza nas autárquicas e nas eleições regionais nos Açores. Para isso quer fazer uma demonstração de força nas urnas, sem alianças pré-eleitorais. “O Bloco tem como objetivo o aumento da sua representação nos municípios e freguesias”, dizem, lembrando a importância dos movimentos cívicos e independentes que em 2013 marcaram algumas candidaturas autárquicas do BE.
“As eleições regionais de 2016 e as autárquicas de 2017 são importantes para o Bloco, para reforçar a sua intervenção política quotidiana. O Bloco apresentará a sua alternativa nos Açores e nas autarquias, concretizando as maiores convergências locais em torno de programas que ponham as pessoas à frente dos interesses financeiros e imobiliários”, lê-se na moção.
Mas se, por um lado, o BE recusa alianças pré-eleitorais, o mesmo não quer dizer que esteja indisponível para convergências pós-eleitorais. Isso sim, desde que essas convergências sirvam para formar “maiorias de transformação à esquerda”. “Em cada executivo, o Bloco contribuirá para maiorias de transformação à esquerda, nelas estando disponível para todas as responsabilidades, contribuindo para isolar e derrotar a direita nos órgãos autárquicos”, dizem, mostrando que estão disponíveis para assumir funções governativas nas câmaras.
Se na IX convenção do BE, de 2014, o Bloco de Esquerda apareceu mais fraturado do que nunca, correndo rumores sobre o seu eventual desaparecimento do espetro político, o cenário agora é completamente diferente. Começando desde logo pelo facto de a direção do partido se apresentar com uma moção conjunta, que agrega as principais tendências que antes estavam em disputa. Ao lado de Catarina Martins, Jorge Costa e Pedro Soares (anterior moção U), aparecem agora como promotores do texto Pedro Filipe Soares, Joana Mortágua e Mariana Aiveca (da ala mais próxima da Associação UDP que, há dois anos, concorreram à liderança do partido com a moção E). Também os antigos elementos da moção B, Adelino Fortunato, Paulino Ascensão e Helena Figueiredo aparecem aqui incluídos. Só as anteriores moções A e R (de Nuno Moniz e João Carlos Louçã, nomeadamente) ficam de fora.