Portugal já não é uma coisa estranha para Gregório Duvivier, o homem do Porta dos Fundos que não tem vergonha em admitir que adora de fugir “do registo da comédia”. Passou por cá em 2014 e voltou em 2015 — para participar no Festival Literário da Madeira, no FOLIO — Festival Literário Internacional de Óbidos, para apresentar o seu último livro, Caviar é uma Ova, e para a peça Uma Noite na Lua, que irá levar mais uma vez por esse Portugal fora, entre maio e junho.
Seguindo uma espécie de tradição, voltámos a recebê-lo no Observador para um desafio diferente, em que lhe pedimos para comentar uma lista de diferentes palavras (umas relacionadas, outras não). No final, houve ainda tempo para uma pequena conversa. Falou-se de teatro, de humor e do Brasil. E de Uma Noite na Lua, claro. A peça, escrita por João Falcão (pai de Clarice Falcão, com quem Duvivier foi casado), estreou nos anos 90 no Brasil, e foi recuperada pelo ator em 2012. Desde então, já subiu ao palco dezenas de vezes, sempre com grandes elogios.
Ao Observador, o Gregório Duvivier explicou que Uma Noite na Lua, sobre um homem isolado, abandonado pela mulher, que se vê obrigado a escrever uma peça de “um dia para a noite”, é “um monólogo cómico, dramático, poético, épico, sentimental — é um mix de géneros”. “A peça fala de criatividade, mas também de amor. Fala de obsessão amorosa, de abandono, de solidão. E tudo isso com humor — aquele humor triste, característico das minhas comédias preferidas. Aquele humor em que você ri da tragédia. O espectador que a for ver vai rir, mas talvez também chore. Eu choro sempre em cena.”
Pode parecer um pouco dramático para um ator habituado a fazer comédia, mas Duvivier admite que adora fugir do registo habitual. “Acho que a comédia se dá muito bem com outros géneros”, confessou. “Adoro comédia política, por exemplo, que não é o caso desta peça. Adoro comédia poética, que é o caso desta peça, ou quando a comédia flerta com o terror. Também acho divertido. Ou quando ela flerta com suspense. Adoro quando a gente pega a comédia, o humor e joga nessa mistura uma pitada de outros géneros. Acho que funciona muito bem.”
Além disso, é do teatro que “comove” de que gosta mais. Embora eu seja comediante, o que mais me move a fazer teatro é a possibilidade de comover uma plateia, de trazê-la junto comigo para algum sentimento, para algum lugar. ” Um gosto que costuma surpreender quem vai ver as suas peças.
A maioria dos comediantes faz stand up comedy. Eu gosto, mas não se trata de stand up. É uma peça com história, com conflito, que fala de amor, coisas densas e sérias. E é o que eu mais gosto na peça — é esse fator surpresa que as pessoas não esperam.”
Apesar de já ter visitado várias vezes Portugal, o ator não parece estar farto. “Fico muito, muito feliz por voltar a Portugal”, admitiu. “O público português é muito acolhedor. É muito legal para a gente, que é do Porta dos Fundos, atravessar o oceano, chegar aqui e ver um público que nos acolhe como se fossemos amigos íntimos. Sinto que aqui é como se fosse uma nova família. As pessoas sabem todos os sketches de cor e, no final da peça, ficam. Assino livros e converso com elas. Sinto-me muito querido aqui. Quando estou com problemas de autoestima venho para cá.”
Numa altura em que “o Brasil se está afundando num golpe”, Duvivier vem para Portugal “quase exilado, pelo menos efetivamente”. Apesar de a política em Portugal não ser “muito melhor”, o ator admite que, pelo menos, em solo português se sente mais aberto ao diálogo. “Porque no Brasil a gente está num momento onde não há diálogo, há brigas. Um lado acha que o outro é golpista, então não há conversa possível. Você acha que o outro é responsável pela miséria do país. Aqui não — aqui eu consigo dialogar, ouvir tudo.”
“É um ministério medieval. Ele próprio é um sujeito medieval”
Gregório Duvivier, não vê com bons olhos a recente eleição de Michel Temer para a presidência do Brasil. Se com Dilma as coisas não estavam bem, agora também não ficarão muito melhores. “Agora que Michel Temer assumiu, a gente tem garantia que as coisas não vão melhor por um bom tempo”, disse Duvivier. “É um sujeito retrógrado, que acabou de nomear 24 ministério dos quais oito ministros estão no ‘Lava Jato’. Eram réus, mas agora não são mais porque têm foro privilegiado. É um sujeito que acabou de extinguir o Ministério da Cultura, o Ministério das Comunicações.”
Mas não só. Para o Ministério da Justiça, Temer escolheu um antigo secretário de segurança pública da cidade de São Paulo, Alexandre de Moraes, “responsável por uma chacina”. Para além de ter como cliente no seu escritório de advogados a empresa Transcooper, que foi investigada em 2015 por suspeitas de lavagem de dinheiro, Moraes esteve envolvido na polémica investigação a uma série de chacinas em São Paulo. De acordo com o jornal Globo, quatro jovens que trabalhavam numa pizaria foram mortos por polícias no ano passado depois de estes terem roubado a carteira à mulher de um deles. A cena do crime foi alterada para atrapalhar as investigações.
“Está na Justiça, agora”, salientou o ator. “E [Temer] botou o Coronel Telhada, que é outro genocida, nos Direitos Humanos.” Atual deputado estatal, Telhada foi indicado por Michel Temer para compor a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Segundo o Brasil 24, o antigo vereador tem no seu curriculum 36 mortes em operações policiais. Atualmente, está a ser alvo de 29 processos por homicídio.
“É um ministério medieval”, garantiu Gregório Duvivier. “Ele próprio é um sujeito medieval. É um sujeito que nunca seria eleito por voto popular. Só virou presidente graças a uma eleição indireta. Acho muito difícil que este governo, sem legitimidade, garante ao Brasil um futuro melhor.”
“Uma Noite na Lua” está em Lisboa, no teatro Tivoli BBVA até dia 22; no Coliseu do Porto a 26; dia 28 no Cine-teatro Municipal de Ourém; e em Sintra, no Centro Cultural Olga Cadaval, a 2 de junho