A Caixa Geral de Depósitos está a preparar, em conjunto com o governo, um reforço de capitais na região dos quatro mil milhões de euros. Este é o valor que está em cima da mesa de António Domingues, o administrador executivo do BPI que se prepara para suceder a José de Matos ao leme do banco público e que já está a fechar a equipa que o acompanhará, em antecipação à assembleia-geral do próximo dia 25 de maio.
O Observador apurou junto de fontes financeiras que António Domingues está a preparar a entrada no banco público com a intenção de recapitalizar a Caixa Geral de Depósitos em montantes que vão além das necessidades imediatas do banco. É preciso mais capital porque a ordem é para limpar do balanço um conjunto de ativos problemáticos cujo reconhecimento gradual há vários anos penaliza gravemente os resultados da Caixa.
Domingues terá partido dos planos de recapitalização que foram preparados por José de Matos, amigo de António Domingues, ao lado de quem trabalhou no Banco de Portugal. Mas existe uma maior confiança de que, neste momento, o Estado português tem melhores condições do que nos últimos anos para reforçar os capitais da Caixa. Os mercados de financiamento estão mais favoráveis e existe alguma confiança de que as autoridades europeias irão aprovar a injeção de capitais desde que lhes seja apresentado um plano viável e credível. O nível de aumento de capital passa, portanto, também por uma opção política — a tomar por quem tem as rédeas do acionista, o Estado.
Todavia, no que às entidades europeias diz respeito, uma reestruturação operacional mais acelerada é a moeda de troca previsível, para convencer a Concorrência europeia a não considerar esta uma ajuda de Estado indevida. Do banco já saíram mais de 100 pessoas este ano, em termos líquidos (e espera-se que o ritmo acelere no final do primeiro semestre e no final do ano). Também desde o início de 2016 até abril, já foram encerradas mais de 30 agências, apurou o Observador.
Os e-mails que foram divulgados nas últimas semanas pela imprensa, provenientes da Direção-Geral da Concorrência europeia, indicam que as autoridades europeias têm apontado o facto de a Caixa não ter cumprido alguns pontos do plano de reestruturação que ficou acordado, nomeadamente a redução do rácio custos-resultados (cost to income) — missão que ficou mais difícil, desde logo, pelo facto de os resultados terem sido, nos últimos anos, piores do que se previam em 2012.
Limpezas de primavera
A injeção de quatro mil milhões não corresponde, ainda, a um valor definitivo. Fonte próxima da matéria sublinha que este é, ainda, um processo em curso. Mas este é o valor em cima da mesa, incluindo na mente do governo, para que se reforcem os capitais e se consiga colocar uma pedra em cima dos problemas que se acumularam no banco público. Problemas que fizeram da Caixa o “petroleiro” que José de Matos disse ter encontrado quando assumiu a liderança da CGD, em 2011. José de Matos já dizia, em fevereiro, que a “intervenção” do Estado poderia ser necessária no âmbito dessa recapitalização. Esta injeção pública terá, naturalmente, impacto no défice orçamental.
Há muito se sabe que a CGD tem necessidades de capital associadas ao respeito dos rácios regulamentares, cada vez mais exigentes. Por via dos prejuízos apresentados esta quinta-feira, os rácios de capital caíram um pouco para 10% (9,6% se tidas em conta as regras mais exigentes que entram plenamente em vigor nos próximos anos). Não são conhecidos os mínimos exigidos, individualmente, a cada banco, mas este não é um rácio elevado. Além disso, o Banco de Portugal obriga a que a partir de janeiro de 2017 se acumule uma almofada extra de capital que, no caso da Caixa Geral de Depósitos, é de 1% — o que num banco como a Caixa significa, logo aí, mais um valor na ordem dos 600 milhões em capital.
Governo pressiona publicamente as entidades europeias
O Observador contactou António Domingues, que não quis fazer comentários. Fonte oficial da Caixa também não comentou a informação. E fonte do governo remeteu para as declarações de António Costa na conferência promovida pela Associação Portuguesa de Bancos (APB) e pela TVI, na última terça-feira em Lisboa.
António Costa tem sublinhado a necessidade de a Caixa se manter como banco “exclusivamente público” ao serviço da recuperação económica. O primeiro-ministro exclui, assim, um cenário de venda de parte do capital da Caixa a privados, mantendo o controlo. Uma das condicionantes dos níveis de capital da Caixa (e dos outros bancos) será saber se avançará a ideia referida na terça-feira pelo governador do Banco de Portugal — o banco mau, isto é, um “jogo de garantias e contra-garantias” que permita aos bancos nacionais libertarem-se de alguns ativos difíceis de vender a preços próximos dos valores em balanço.
Em fevereiro, naquela que foi a última conferência de imprensa enquanto presidente da comissão executiva da CGD, José de Matos usou a imagem de um “petroleiro” para descrever o banco público. “Quando cheguei cá, há cinco anos, encontrei um petroleiro. Quando um petroleiro quer atracar em Lisboa quando chega ao Cabo de São Vicente já tem de vir a travar”, afirmou José de Matos. O presidente da CGD usou esta imagem para explicar a gradualidade com que o banco do Estado tem vindo a melhorar o balanço nos últimos anos, limpando-o de imparidades em “créditos antigos”, garante o responsável, lembrando que desde que chegou registou mais de 5 mil milhões de euros em imparidades.
Portugal “não pede privilégios”
Sendo certo que o aumento de capital deve vir o mais rapidamente possível, necessariamente este ano, Costa garantiu recentemente a Jerónimo de Sousa, líder do Partido Comunista Português (PCP), que “a CGD deve ser 100% pública e ser capitalizada por recurso a capitais públicos”, e vê a CGD como “o grande pilar de estabilidade do nosso sistema financeiro e garantia essencial da soberania nacional no sistema financeiro”.
Nessa mesma conferência da APB/TVI, porém, o primeiro-ministro abordou aquele que será o grande obstáculo a esta injeção de capital por parte do acionista único da CGD — o Estado português. A operação terá de ser aprovada pelas autoridades europeias, concretamente a Direção-Geral da Concorrência, que se tem mostrado inflexível na possibilidade de injetar mais capital na CGD quando o banco ainda não devolveu a ajuda estatal que recebeu em 2012 (900 milhões de euros).
A nomeação de António Domingues, um vice-presidente do BPI cuja ida para a CGD foi noticiada pelo Expresso em meados de abril, recebeu a bênção não só das autoridades nacionais como, também, das autoridades europeias. Essa bênção das entidades europeias não significa, contudo, na opinião de um especialista na área financeira ouvido pelo Observador, que serão fáceis as negociações com as autoridades europeias para que se possa injetar dinheiro público na CGD sem obrigar a um cenário de resolução. Algo que é visto como um cenário tabu, tratando-se do banco público do Estado português e tendo em conta que o setor financeiro europeu está a viver meses de grande incerteza devido à entrada das novas regras da resolução bancária.
Mas António Costa já disse que não pede “privilégios” quando pede às autoridades europeias para poder recapitalizar a CGD. Uma pressão pública que é um bom sintoma da tensão que se vive neste momento nas negociações entre o governo e as entidades europeias. Dada a importância do problema, a situação da Caixa não terá deixado de ser tema de conversa entre António Costa e a presidente do Mecanismo Único de Supervisão, Daniele Nouy, durante o almoço entre ambos, na terça-feira, noticiado pelo Jornal de Negócios.