Jogos de tabuleiro clássicos, livros (alguns ainda em tecido), puzzles didáticos feitos de cubos, letras móveis, dominós e cartas com referências etnográficas. O universo infantil da Majora aqui tão perto, como se nada tivesse mudado entre a criação da marca e a sua reinvenção, 77 anos depois. Mas mudou: a empresa que Mário José de Oliveira viu nascer em 1939 numa cave portuense foi condenada a morte certa em 2013 e ressuscitada dois anos depois pelo The Edge Group, após um investimento de 600 mil euros. E a celebrar o tão antecipado regresso está uma exposição no Espaço Amoreiras, em Lisboa.
As peças expostas — que remetem de imediato para brincadeiras de outros tempos — irão ser mostradas ao público a partir de dia 7 de junho e correspondem a 2% do espólio original deixado pela marca que marcou gerações e que regressa à vida dos portugueses já no natal. A Majora, cujo stock elevado lhe garantiu sempre presença no mercado, “volta” agora com um novo logótipo, cujas diferenças são praticamente impercetíveis dadas as cores e formas semelhantes, e com uma nova promessa: o objetivo é lançar ainda este ano 33 produtos (dos três aos 99 anos), 11 dos quais são os jogos tradicionais a que a marca já nos habituou, ainda que com uma nova roupagem. Entre eles constam o mágico Sabichão, o Jogo da Glória, o Loto e as Damas.
“Dentro deste portefólio vamos ter jogos que criámos e outros que, no fundo, resultam de parcerias que fizemos com editoras internacionais”, conta ao Observador Catarina Jervell, CEO da Majora. Em causa está a introdução de brinquedos inéditos em solo nacional, uma iniciativa que faz parte de uma jogada ainda maior: a internacionalização, uma vez que a ideia passa por levar os brinquedos Majora além-fronteiras. Mas as parcerias também se fazem em bom português e prova disso é que, para fazer regressar o muito acarinhado Sabichão, que este natal vem acompanhado de “uma nova turma de amigos”, a marca contou com o contributo da Ordem dos Biólogos, da Fundação Calouste Gulbenkian e do Planetário, entre outras entidades, para redigir as tão desafiantes perguntas que o mágico de chapéu pontiagudo sabe sempre responder.
Destes 33 jogos e brinquedos (dos 8 aos 29 euros), nenhum é digital — essa aposta só está prevista acontecer mais tarde e terá em conta os valores da marca, garante a CEO. Mais, entre os brinquedos a chegar ao mercado está uma linha ative, dedicada aos jogos ao ar livre porque “não é só a questão de os miúdos tirarem os olhos do ecrã e de se relacionarem uns com os outros, mas também de saírem à rua em vez de estarem sentados no sofá”, diz Jervell, a mãe de três que em tempos também beneficiou da criatividade da Majora.
“Tenho 41 anos e quando era pequenina nem lojas de roupa havia para crianças. Os jogos que existiam eram da Majora. Passei horas e horas sentada no chão a jogar Mikado com os meus primos”, recorda Catarina Jervell, ao mesmo tempo que enumera as vantagens de um bom jogo de tabuleiro. “Acho que é muito importante a questão de saber esperar pela sua vez, de aprender as regras do jogo, de saber perder. O digital veio para ficar, é como a televisão a cores ou os telemóveis, mas é preciso regressar um pouco às origens.”
Os jogos de tabuleiro são como piqueniques para as cabeças: aproximam as pessoas física e emocionalmente; dão tempo para encher com palavras e brincadeiras e, sobretudo, fazem com que olhemos uns para os outros sem condescendências; como jogadores, com saúde competitiva.” Miguel Esteves Cardoso, Público
A exposição, que pode ser visitada gratuitamente de 7 de junho a 29 de setembro, está organizada por temáticas e pretende ser um regresso à infância, seja pelas edições antigas do Monopólio onde se podia comprar, a título de exemplo, a Rua Sá da Bandeira (a Majora teve licença para comercializar o jogo até 1992) ou pelo muito velhinho e primeiríssimo Pontapé ao Goal.
Na verdade, os brinquedos ali expostos parecem acompanhar a própria evolução da sociedade portuguesa, desde os primeiros jogos de papel com ilustrações coladas, criados no estoirar da Segunda Guerra Mundial e num período em que a produção de brinquedos em Portugal era escassa, aos jogos como a Volta ao Mundo em Avião ou o Dominó de Bandeiras, que surgem num mundo pós-guerra e global que vai buscar referências internacionais. A par disso, a exposição revela o desenvolvimento dos brinquedos, considerando os materiais que eram usados na sua confeção e a forma como se foi jogando ao longo dos anos, entre 1950 e 1980.
A oportunidade de visitar as brincadeiras de outros tempos é, de facto, uma oportunidade. Isto porque a ideia de inaugurar um museu, apesar de estar em cima da mesa, está demorada. “Ainda não há data para a criação de um museu, mas o ideal seria em 2018. O museu está efetivamente nos planos e, ao que tudo indica, será em Lisboa”, explica a CEO, não sem antes admitir o desejo de fazer exposições itinerantes para que a Majora “chegue a todos os portugueses”.
Mas será que as crianças ainda jogam com tabuleiros? “Sim”, responde a CEO da Majora. “É como ler. É como perguntar se ainda há crianças que leem.”
Os brinquedos que vieram da cave de um sonhador
Para contar a história da Majora é preciso recuar à Invicta de 1939, quando Mário José António de Oliveira (de onde vem o nome da marca) começou por criar brinquedos na cave dos pais. A inspiração, essa, veio da Alemanha, depois de o portuense ter visitado o país e aí ter descoberto os jogos de tabuleiro. Da iniciativa à prática: o primeiro jogo a sair da cave foi o Pontapé ao Goal, que facilmente caiu na graça dos mais pequenos e perdurou durante anos no catálogo da marca. O sucesso foi tal que o fundador — que deixara o cargo de escriturário numa fábrica local — convidou o irmão a investir.
Assim nasceria a Majora para encanto de muitos, marca e empresa que foi pioneira na produção de brinquedos em Portugal. Prova disso é a aposta que fez, nos anos 1950, na criação de jogos didáticos. Falamos dos cubos da Carochinha, do Rapa o Tacho e da Roda Sorte, que invadiram o mercado numa altura e num país em que poucas crianças sabiam ler e escrever. E por falar em ler, “Um Homem que Vale por Sete”, “Letras e Letrinhas” ou “O Rouxinol Encantado” são alguns dos exemplos, em papel ou em pano, que faziam parte do reportório literário da empresa, igualmente focada no mundo mágico dos contos.
Na década de 1960 viria o Sabichão, que já conta com 54 anos de vida e ainda se prova capaz de entreter a miudagem. Tantos anos depois, em 2012, houve uma tentativa de o modernizar ao criar-se uma aplicação digital referente ao jogo e que ainda hoje está disponível na App Store por 0,99 euros.
Ao longo de 77 anos (74 em atividade), a Majora foi responsável por mais de 300 jogos, sendo que o Mikado, o Loto e o Jogo da Glória chegaram a totalizar, individualmente falando, mais de 1,5 milhões de unidades vendidas. Em tempos mais recentes, a empresa rendeu-se, através de licenças, a personagens como o Ruca, o Noddy ou o Panda, mas a fábrica que detinha no Porto viria a fechar as portas em março de 2013. A unidade fabril continua encerrada, é certo, mas a Majora acorda agora para uma segunda e renovada vida.