Vivem dez mil portugueses em Nice. Num dia de festa — esta noite celebrava-se o Dia da Bastilha, o feriado nacional mais importante em França –, muitos assistiam ao fogo de artifício e aos concertos nas praias da Promenade des Anglais, uma região muito turística. Alguns já relataram o ambiente de incerteza e de choque que se vive no que deveria ser uma noite de celebração.

À SIC Notícias, João Ribeiro contou que estava na praia com a mulher e o filho de dois anos e meio a assistir ao fogo de artifício que finalizaria as celebrações do Dia da Bastilha. Quando os foguetes acabaram, viu o camião a cerca de 30 metros de distância e conseguiu, “por puro instinto, não foi por mais nada”, refugiar-se: “começámos a correr até não conseguirmos mais”. De acordo com os relatos de João, o camião que vitimou mais de 70 pessoas (de acordo com os últimos dados) subiu o passeio e a pista de ciclismo e foi aí que começou a atropelar quem estava entre a multidão.”Eles matavam quem aparecesse à frente, foi impressionante. Nunca pensei ver nada assim”. Havia crianças entre as vítimas, “pessoas mortas por todo o lado e deitadas no chão”. João Ribeiro já contactou os amigos portugueses em Nice e todos estavam bem.

Também Miguel Cunha estava nas celebrações quando o ataque ocorreu. Contava que estava do outro lado da rua, de frente para o local dos ataques, quando o camião andou “pelo menos um quilómetro e meio” pela multidão dentro, atropelando dezenas de pessoas. “Vi pessoas a voar. Vi pessoas a voar como moscas, como se fossem bonecos”, descreveu ele à SIC Notícias. Quando parou, “provavelmente por algum problema mecânico, não parecia uma paragem propositada”, vinha a uma velocidade de cerca de 40 km/h. Trinta segundos depois, a polícia chegou e começaram os disparos. Muitas pessoas não se terão apercebido do que acontecia porque confundiram o som dos disparos com o som dos foguetes. Além disso, os gritos da multidão foram abafados pela música dos concertos agendados para esse dia. Quando o camião parou, Miguel escondeu-se dentro do casino, que era o ponto de encontro com os amigos, quatro portugueses e dois espanhóis que assistiam à festa do Dia da Bastilha. Só veio a sair uns minutos mais tarde, quando alguém abriu a porta de emergência do edifício.

A confusão entre tiros e fogo de artifício foi confirmada por André Vaz, outro português em Nice, à TSF. André estava a caminho da zona na Promenade des Anglais onde o camião começou a atropelar dezenas de pessoas entre a multidão em festa. “O que ouvi dizer é que os ataques aconteceram aqui nas praias das redondezas e que, além do camião, também houve disparos dirigidos para a multidão”. As pessoas começaram a fugir, mas muitas não se aperceberam do que acontecia por causa do barulho dos foguetes e dos concertos. Muitos portugueses reuniram-se num restaurante em Nice: “Estão em estado de choque, achamos sempre que acontece longe”. Todos estão a ligar para familiares e amigos, em busca de mais informação sobre o seu paradeiro. “Há portugueses dos quais não tenho notícia”, diz André. Alguns telefones ainda chamam, outros já não tocam: muitos tiveram de fugir e deixar os bens pessoais para trás.

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Fanny Costa é a proprietário de um restaurante onde, até agora, quinze pessoas se abrigaram para fugir a eventuais outros ataques. “Primeiro ouvimos muita gente a gritar e a correr, havia muita gente na rua hoje. Mas agora a cidade está vazia e há dez minutos que não ouvimos mais nada”, descreve a portuguesa residente em Nice. O silêncio é o resultado da ordem de recolher obrigatório dado pela polícia logo a seguir ao ataque, que pediu às pessoas que encontrassem refúgio através das redes sociais. “Estou a ver que vai ser uma noite muito longa”, contou Fanny à TSF.

Fátima Lopes, portuguesa nascida em França, ainda está “muito chocada” horas depois do ataque. “Estava na Promenade des Anglais [quando] vi aquele camião em cima do passeio a levar as pessoas todas à frente. Estava já um senhor morto à minha beira. Estava cheio de mortos (…). Estou muito chocada porque havia muitas crianças mortas”, contou Fátima Lopes, de 50 anos, num relato à agência Lusa.

Descrevendo uma cena “horrível”, recorda o “pânico incrível” que se gerou, com toda a gente a gritar e “a fugir para um lado e para o outro”.

Fátima Lopes estava com o marido quando ocorreu o ataque, que fez pelo menos 84 mortos e mais de uma centena de feridos — 18 dos quais em estado crítico –, de acordo com o mais recente balanço oficial.

Tinham ido jantar com a filha a um restaurante e iam a passar, numa altura em que o fogo-de-artifício estava a acabar, quando viram um camião a seguir a alta velocidade.

“Foi tudo tão depressa, o camião ia a mais de 90 [quilómetros] à hora”, relatou Fátima Lopes, recordando que até comentou com o marido que o condutor do veículo pesado devia ter perdido o controlo ou ter tido problemas nos travões.

“Saímos do carro e começou tudo a parar, a dar assistência às pessoas, a cobri-las com o que tinham, com casacos, sei lá. Eram só mortos, só pedaços de pessoas”, descreveu.

Outros familiares de Fátima Lopes também testemunharam o ataque.

“A minha irmã se não fosse o homem dela puxá-la para trás também estava morta. Os meus sobrinhos, com 10 e 14 anos, também viram os mortos como eu e começaram a chorar”, relatou. Depois foi-lhes dito para que se afastassem e ouviram-se tiros. “O que a gente queria era meter-se num cantinho e não mexer mais”, lembrou. Fátima Lopes também recordou que estavam muitos portugueses no local, pelo que teme que estejam alguns entre as vítimas.