Começou bem o Super Bock Super Rock (SBSR), o festival que voltou a ser de Lisboa e do Tejo. Este primeiro dia teve o bálsamo das temperaturas altas que pouco caíram com o pôr-do-sol, sorte estar ali à beira-rio, uma noite quente e sem vento é uma dádiva que favorece o espírito e o bom ambiente – a total ausência de casacos às quatro da madrugada é quase de estranhar. A previsão sugere que assim vai continuar nas próximas noites, com as mínimas acima dos 20ºC.
Depois, confirmou-se no terreno o que apontámos para esta 22ª edição do SBSR: a reorganização do espaço veio trazer mais fluidez na circulação, há mais opção de escolha na restauração e mais locais para comer sentado e para descansar as pernas.
O som do palco que fica por baixo da pala do Pavilhão de Portugal (Palco EDP) está melhor e o do MEO Arena também, as obras de melhoramento acústico parecem ter resultado. Tudo boas notícias. O resto é música e o que se segue foi o que mais nos encheu os ouvidos.
The National
Quantas vezes é que os The National já vieram cá, mesmo? Foram tantas que não deve haver vivalma em Portugal que nunca os tenha visto pelo menos uma vez (passe o exagero). Isso sentiu-se no concerto que a banda norte-americana deu esta noite.
Não é difícil para os The National, que produzem canções tão fortes, criar uma ligação com o público e dar um daqueles espetáculos que deixam a alma cheia, mas houve ali mais qualquer coisa. Notou-se uma intimidade que só é possível quando já se conhece bem com quem se está a lidar. A banda tem em Portugal um público tão fiel que lhe permite voltar ano após ano com um registo semelhante e ser sempre bem recebida.
Como já era de esperar, o concerto reuniu os maiores sucessos da banda, que já não edita um álbum desde 2013. Foram visitados temas de quase toda a discografia, que inclui seis álbuns e dois EPs. Ao primeiro tema, “Don’t Swallow the Cap”, o público ficou agarrado. Seguiu-se “I Should in Salt”, também do álbum Trouble Will Find Me e já não havia como escapar.
Matt Berninger nunca cantou sozinho, ou não estivesse ele entre amigos. Mas foram talvez os temas “Mr. November”, a única canção do álbum Alligator (2005) que se ouviu durante a noite, “Bloodbuzz Ohio” e “Terrible Love” que mais entusiasmaram a audiência. Ou pelo menos assim foi até à canção que encerrou o espetáculo “Vanderlyle Crybaby Geeks” (de High Violet, 2010). Nem se ouviu a voz de Matt Berninger, já que o público tomou as rédeas da canção. Enquanto faziam o seu trabalho, o vocalista desceu até ao fosso e fez crowdsurfing.
Houve também espaço para três temas novos. “I’m Gonna Keep You” foi apresentada em primeira mão em Portugal. A música, explicou Berninger, foi pensada para um baile de finalistas. As novas canções não pareceram entusiasmar o público, mas no meio de um concerto que se quer familiar não é fácil lidar bem com intrusos.
É difícil compreender que uma banda consiga trazer tantas vezes o mesmo registo e ainda assim continuar a encontrar o mesmo público, sempre ávido por mais do mesmo. Até que se vê um concerto dos The National. Aí não restam dúvidas de que a uma grande banda tudo é permitido. [ILD]
Kurt Vile
Há alguma coisa na música de Kurt Vile que não parece deste mundo, deste tempo. Quando o ouvimos tocar ao banjo, como esta noite, uma canção como “I’m An Outlaw”, misturando num caldeirão as origens do blues com o movimento outlaw country dos 70, fazendo dali sair uma música que parece antigamente nova, que parece que só por coincidência nunca chegou a existir em décadas passadas, é essa a sensação que fica: que Kurt Vile ficou a meio caminho entre o passado e o presente (o das máquinas, da eletrónica, da “pop” vitalizada) e a música fá-la perdido nesse mesmo espaço sem tempo, mas com um lugar físico evidente: o da América profunda, misteriosa, inatingível.
Foi por volta das 21h25 (ou seja, com cerca de 10 a 15 minutos de atraso) que o músico de Filadélfia subiu ao palco EDP com três dos The Violators (a banda de apoio que toca há vários anos nos espetáculos ao vivo). Deu um belo concerto: arriscando como sempre, tocando os temas que já conhecemos de uma forma sempre diferente, a um ritmo nunca igual, com as palavras a serem cantadas (ou arrancadas — e arrastadas — a custo para acompanhar a melodia que lhe sai daquele maravilhoso dedilhado na guitarra) sempre com entrada incerta, dificultando muito a tarefa a quem procura trautear as canções.
Kurt Vile abriu com a magnífica (e irónica) “Dust Bunnies”, onde, sob um fundo de rock arrastado mas bem poderoso, desafia os ouvintes com um humor que lhe cai muito bem: “We’ll take a puff on a cigarrette and see what we get / And invigorating fix and a black lung”. Foi passando por temas do seu último álbum, como “Pretty Pimpin” (a que mais entusiasmo causou no público), tocou a mais solarenga (feita para espreguiçar por estes dias de verão) “Wakin on a Pretty Day”, a belíssima “Jesus Fever” (“a song about Jesus Christ”) e atacou com a fúria que um tipo que se move a gasóleo nunca chega verdadeiramente a ter, a massa sonora distorcida que é a paranoia rock “Freak Train”, por exemplo. E ainda lhe ouvimos uma canção que nunca tínhamos ouvido mas que soou bem (por editar? perdida por EPs antigos? a viver discretamente sob o manto do Bandcamp?).
Depois de uma carreira a solo que se encaminha já para os dez anos (o primeiro disco a solo lançou-o em 2008, no mesmo ano em que editou, com os The War on Drugs de Adam Gradunciel — banda de que fez parte — o álbum Wagonwheel Blues), Kurt Vile chegou a Lisboa “no ponto”: já não é propriamente uma novidade a quem antecipamos o futuro nem é um tipo a colher os louros do mérito passado. Chegou-nos, através do Super Bock Super Rock, no momento em que está no pico do seu reconhecimento como músico que nunca fará rock de estádio mas que enfeitiça quem o ouve. O público respondeu bem e ele, como sempre, não se fez rogado. [GC]
Samuel Úria
Samuel Úria tinha esta noite uma tarefa ingrata: tocar ao mesmo tempo que os The National, os grandes cabeças de cartaz da noite. Na plateia do palco Antena 3, estavam apenas algumas dezenas de pessoas. As que foram assistiram àquele que foi (desde já, seguramente), um dos melhores concertos desta edição do Super Bock Super Rock.
Que o trovador de Tondela é um dos nomes maiores da música portuguesa já começa a ser aceite: afinal, desde Nem lhe tocava (de 2009) que vai conquistando crítica e fãs. E esta noite, para não variar, deu um grande show. Mandou vários “siiiiim” à Ronaldo, piadas constantes e conversas com membros do público (chegou a chamar ao palco uma jovem para integrar o coro).
À parte disso, o concerto foi sempre a abrir, com a sua big band (sete elementos, a contar com ele, para não falar dos muitos coristas que o acompanharam em alguns dos temas). O músico surpreendeu-se com a reação do público a “Lenço Enxuto”, tocou as vitaminadas “Repressão” e “Não Arrastes o Meu Caixão” e temas mais delicados como as magníficas “Barbarella e Barba Rala” e “É preciso que eu me diminua” (do seu novo disco, Carga de Ombro).
O público pedia encore e Samuel Úria voltou com a banda. Disse que ia tocar dois temas e, perante pedidos para tocar três, reencaminhou as reclamações para o “senhor Super Bock”. Acabou mesmo a tocar três: “Pequeno Mundo”, “Teimoso” e “Tigre Dentes de Sabre”. Ao todo, o que deu foi uma lição de que um músico não tem de ser monótono e pode tocar desde baladas cuidadas a rock cheio de nervo e distorção, quase próximo do punk. Quem foi e não o conhecia ao vivo ficou com uma certeza: não é apenas um grande escritor de canções, é um “animal de palco” como há poucos, hoje, na música portuguesa. [GC]
Jamie xx
O sucesso dos The xx foi explosivo e colossal, com o álbum de estreia xx (2009) a conquistar prémios, a crítica e o público. Muito do mérito tem de ser dado a Jamie Smith, o homem por detrás das máquinas.
Agora a solo (mas acompanhado, em disco, pelos companheiros da banda), apresentou-se esta noite em formato DJ set, percorreu os principais sucessos do álbum de estreia Colours (2015), brincou como bem lhe apeteceu com as flutuações rítmicas dos originais, sem nunca deixar cair o fio condutor do ritmo de dança – ainda que com uma ou outra “martelada” nas passagens, como se diz na gíria da discoteca.
Foram muitos os que não perderam o momento, (os The National tocavam ao mesmo tempo no palco principal), a pala do Pavilhão de Portugal esteve à pinha. O que ali se assistiu tem um resumo: o fenómeno The xx ainda não passou de moda nem vai passar tão cedo, porque Jamie Smith continua a aproveitar-se disso, são duas cruzes que carrega às costas. Siga a dança, enquanto der. [PE]
DJ Shadow
Joshua Davis é, desde a década de 1990, um dos nomes mais importantes da música eletrónica. Esta noite apresentou-se na primeira pessoa, sem manias, com o dom das palavras simples. Pediu braços no ar com os dedos indicador e médio em forma de V, porque o mundo precisa de paz e a música é um ponto de união (seguramente uma atitude precipitada pelas tristes notícias que chegaram de Nice, esta noite).
Depois da voz, a música. Abriu com o tema título do novo álbum, ainda fresco, The Mountain Will Fall (2016), com o som sub-grave a fazer abanar a roupa do corpo. O cenário era simples, feito com painéis em forma de tríptico onde foram sendo projetadas imagens a remeter para o espaço sideral, para a mecânica e para a vertigem do mundo moderno, cheio de perigos e ameaças (a guerra, o nuclear, a natureza, o precipício da morte). A “montanha a cair”, basicamente.
DJ Shadow está escuro e pesado, continua cheio de nuances hip hop mas está mais experimental. Trouxe pouca dança, foram mais vibrações e sons introspetivos para fazer abanar o corpo, que o experimentalismo sempre foi coisa difícil de entrar. É outra maneira de ser rock. [PE]
O único detalhe negativo e relevante neste primeiro dia foram os sucessivos atrasos no início dos espetáculos, praticamente desde o começo do festival, que foram gerando um efeito de cascata que atrapalhou muitas agendas. Esta foi uma das notas que marcámos ao longo do dia, mas acompanhámos muitos outros momentos (de ambiente e música), que ficaram devidamente registados no nosso liveblog e na fotogaleria que pode ver acima.
Mais logo estaremos de novo em direto do Parque das Nações, para acompanhar o segundo dia da 22ª edição do Super Bock Super Rock. Saiba o que pode esperar.