A editora Quetzal vai publicar, a partir de setembro, uma nova tradução da Bíblia, da autoria do romancista, poeta e tradutor Frederico Lourenço. Composta por 80 livros (em vez de 73), distribuídos por seis volumes, esta nova edição será a primeira do género a ser lançada em Portugal e “a mais completa jamais publicada em português”, assegura o editor.
A 23 de setembro sai o primeiro dos seis volumes, dois dedicados ao Novo Testamento, 4 para o Antigo. O último volume será publicado no início de 2019. E fica o aviso: não está prevista edição digital em e-book. Francisco José Viegas, na apresentação desta nova edição, afirmou que “é o sonho de qualquer editor publicar uma nova versão da Bíblia, um texto que nos ultrapassa em todas as dimensões e que é a invenção do romance moderno”.
A edição, que a Quetzal apresentou esta quarta-feira na Cinemateca em Lisboa, foi feita a partir da chamada Bíblia Grega, também conhecida por Septuaginta ou Bíblia dos Setenta. Mais extensa do que as edições convencionais, é composta por mais sete livros do que o cânone católico: os terceiro e quarto Livro dos Macabeus, Salmos de Salomão, Odes, Livro de Susana, Bel e o Dragão e Epístola de Jeremias, que fazem parte do Antigo Testamento.
A edição da Quetzal será também mais extensa do que as Bíblias protestantes — incluirá mais 14 livros. Esta última não inclui nenhum Livro dos Macabeus, por exemplo, enquanto a católica inclui apenas os dois primeiros.”
Sobre o trabalho de tradução, Francisco José Viegas garante que é resultado de “uma enorme coragem do Frederico [Lourenço], que transformou um sopro num relâmpago”. Acrescentou ainda que “este não é o trabalho de uma equipa, é o trabalho de um homem solitário”.
Estes sete livros, assim como os 27 que compõem o Novo Testamento (iguais para as edições católicas e protestantes), foram traduzidos diretamente do grego clássico por Frederico Lourenço, que procurou “restituir ao texto a sua beleza original”. “O texto não foi modificado com vista a ser religiosamente correto”, explicou ao Observador Francisco José Viegas, editor da Quetzal, o que permite deixar a descoberto alguns pormenores que as outras edições ocultaram.
A edição canónica da Bíblica é composta por 73 livros — 46 do Antigo Testamento e 27 do Novo Testamento.
A preocupação com a linguagem, que será visível nas centenas de notas de rodapé que esta edição incluirá, permitiu criar uma edição que, na opinião de Francisco José Viegas, é “duplamente literária”. “É literária porque respeita o grego — não foi feita para se encontrar nela uma revelação. É literal porque é um texto que é belo no grego e que agora é belo no português.”
Os seis volumes da nova tradução serão publicados “mais ou menos” de seis em seis meses numa ordem diferente do convencional, que pretende ajudar os leitores a compreenderem melhor a Bíblia.
“Concentração e entrega”
Frederico Lourenço comprou uma edição do Novo Testamento em grego na Feira do Livro de Lisboa, em 1984 e leu-a várias vezes. “Tive até de a fotocopiar porque estava cheia de apontamentos, feitos ao longo dos anos”. “O Novo testamento em grego dá a sensação de ser uma coisa nova, seja hoje ou amanhã. É intemporal”, acrescentou.
A mesma versão da segunda parte da Bíblia foi lida por Oscar Wilde, enquanto o escritor britânico esteve preso. Frederico Lourenço admite que já foi um “católico crente e praticante”, que hoje já não é “tanto” e que se interessa por “mais coisas”. Mas não tem dúvidas: “Sei que há qualquer coisa acima de nós, mas não sei dizer o que é ou quem é”.
Sobre este trabalho de tradução, diz que surgiu depois de ter descoberto que não existia uma versão completa da Bíblia grega disponível em português. Foi incentivado por amigos padres e fazê-lo. “E os amigos padres vão aumentando de ano para ano, não entendo muito bem porquê.” “Concentração e entrega” são os ingredientes fundamentais para esta empreitada, a mesma que o levou a recusar todos os trabalhos que lhe foram propostos entretanto.