Ao contrário do que Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, disse esta quarta-feira, o caso das sanções ainda não está “arrumado”. É certo que o Governo português conseguiu de Bruxelas uma cedência fundamental: a multa por Portugal não ter tomado medidas efetivas de correção do défice orçamental foi cancelada. Mas a história não acaba aqui. Bruxelas cedeu, mas também exigiu. E explicou porquê.

O que exigiu a Comissão Europeia

1. Medidas adicionais, estruturais

O Governo português já repetiu à exaustão que o défice está sob controlo, que as metas serão cumpridas e que não serão precisas medidas adicionais. Mas para a Comissão Europeia, falar não basta. É preciso agir.

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Na recomendação aprovada esta quarta-feira pelo colégio de comissários, lê-se preto no branco que o Executivo terá de fazer mais do que o previsto no Orçamento do Estado para 2016:

Adicionalmente às poupanças já incluídas nas previsões de primavera da Comissão, Portugal deve adotar e implementar medidas de consolidação orçamental no valor de 0,25% do PIB em 2016.”

E ainda reforça:

Portugal deve complementar essas poupanças com mais medidas de natureza estrutural para atingir o esforço estrutural recomendado.”

Na prática, o que quer isto dizer? Primeiro, que o ministro das Finanças, Mário Centeno, terá mesmo de gerir o Orçamento com mão de ferro e reter as cativações que inclui no Orçamento, no valor de 0,2% do PIB, conforme prometeu na carta que enviou a Valdis Dombrovskis, vice-presidente da Comissão Europeia, e ao comissário Pierre Moscovici.

Se esta medida for implementada com total sucesso, ficam a faltar apenas 0,05% do PIB, o equivalente a 93 milhões de euros. Se os custos com a reposição dos salários aos funcionários públicos forem mesmo mais baixos do que o previsto, como apontou também Centeno na carta, o problema pode ficar resolvido, uma vez que por enquanto o ministro está confiante de que tem aqui uma poupança de 97 milhões de euros.

É por ter já apresentado estas medidas na carta que o Governo discorda que Bruxelas tenha agora exigido medidas “adicionais”, ou “imprevistas”, conforme notou o primeiro-ministro, António Costa, ao Expresso.

2. Um relatório com os resultados das medidas adicionais, até outubro

Repetindo, Bruxelas não quer só conversa — quer resultados. E, por isso, outra das exigências foi um relatório, a apresentar até outubro, com o impacto das medidas adicionais implementadas ao longo deste ano. Este documento deve ser apresentado em paralelo com o Esboço de Orçamento para 2017.

3. Medidas estruturais para estabilizar a banca e as empresas

A Comissão Europeia frisa que um dos motivos pelos quais atende ao pedido de cancelamento da multa por parte do Governo português é o facto de o Executivo se ter comprometido com reformas estruturais “em áreas chave dos desafios existentes, incluindo medidas para estabilizar o sistema bancário”.

Na recomendação, os comissários lembram que “o compromisso de prosseguir com reformas estruturais em políticas económicas chave”, bem como “medidas para estabilizar o sistema bancário”, tal como o Executivo prometeu na carta que enviou a responder ao procedimento das sanções, é “bem-vindo e faz, aliás, parte das recomendações específicas” para Portugal. E fazem questão de sublinhar que nessa carta o Governo inclui um anexo que “refere explicitamente a necessidade de definir um programa para reduzir os créditos malparados”. Por outras palavras, quer dizer que estes compromissos são para levar a sério.

4. Um programa de parceria económica

Foi pedido ao Governo português que apresentasse um programa de parceira económica com a descrição das medidas de política e as reformas estruturais que serão necessárias para assegurar que a correção do défice orçamental é estrutural e duradoura. Este documento deve ser visto como “um desenvolvimento do programa nacional de reformas e do programa de estabilidade” e deve “ter totalmente em conta as recomendações do Conselho sobre a implementação de medidas políticas económicas e de emprego”, lê-se na recomendação aprovada esta quarta-feira pela Comissão.

5. Medidas adicionais de consolidação para 2017

Na carta que enviou aos comissários, o ministro das Finanças comprometeu-se a implementar um esforço de consolidação orçamental de 0,6% do PIB em 2017. Contudo, num esclarecimento aos jornalistas o Ministério das Finanças negou que este compromisso implicasse um esforço acrescido no próximo ano face ao que estava previsto no Programa de Estabilidade (0,4%):

[Da carta] não resulta qualquer alteração relativamente aos compromissos já anteriormente assumidos no Programa de Estabilidade.”

O Governo argumentou que a exigência de 0,6% seria cumprida com um esforço de apenas 0,4%, já que os restantes 0,2% seriam desculpabilizados como margem de flexibilidade.

Ora, Bruxelas deixou esta quarta-feira claro que não é esse o seu entendimento. Frisou que o compromisso de ajustar 0,6% é “uma melhoria comparada com o ajustamento de apenas 0,35% previsto no Programa de Estabilidade para 2017”, apesar de as “medidas específicas estarem ainda por definir”.

Quais foram as cedências dos comissários

1. Multa cancelada

Foi a primeira e mais importante cedência. Todo o procedimento tinha como objetivo multar Portugal por ter falhado as metas de défice em 2015, sem ter razões atendíveis para isso. A atividade económica não sofreu nenhuma degradação imprevista — antes pelo contrário, desde 2013 até começou lentamente a recuperar, tendo registado no ano passado um crescimento de 1,5% — e também não se registou nenhum outro acontecimento extraordinário que pudesse justificar o fracasso no cumprimento das metas.

Apesar disto, os comissários cederam e não aplicaram a multa prevista (de 0,2% do PIB, por defeito), apesar de todo o procedimento estar construído de forma a facilitar a aprovação das sanções (para evitá-las, há que justificar).

2. Meta do défice flexibilizada

A meta do défice para este ano era, de acordo com as recomendações de maio, e que não foram alteradas em junho, de 2,3%. Agora passou para 2,5% do PIB. Esta revisão tem uma importância relativa, já que a meta definida no Orçamento do Estado para este ano já era de 2,2% e o Governo ainda não a reviu oficialmente.

Contudo, conforme reconheceu esta quarta-feira o ministro dos Negócios Estrangeiros, “há riscos” para este objetivo. O Governo até tem preferido sublinhar a importância de colocar o défice abaixo de 3%, o limite previsto para sair do Procedimento por Défices Excessivos.

3. Ajustamento estrutural suavizado

Até maio, o ajustamento estrutural — ou seja, a correção no défice que não conta com os efeitos de medidas extraordinárias nem de variações do ciclo económico — que estava a ser exigido pelas autoridades europeias era de 0,25% do PIB. Agora passa a ser nulo face a 2015:

Como esta decisão do Conselho está a ser adotada na segunda metade do ano, e tendo em consideração as estimativas atuais da Comissão no seu relatório de primavera, justifica-se um saldo estrutural inalterado para 2016, para proporcionar uma margem de segurança suficiente em busca de uma correção duradoura do défice excessivo.”

Mas se Bruxelas está a ceder, por que motivo diz que “Portugal deve complementar essas poupanças com mais medidas de natureza estrutural”? Porque desde a apresentação do Orçamento do Estado para 2016 que o Governo e a Comissão Europeia divergem sobre as estimativas de impacto das medidas previstas para este ano.

Enquanto o Governo prevê que as medidas são suficientes para garantir um ajustamento estrutural na ordem dos 0,3% do PIB, Bruxelas estima que o resultado será uma degradação de 0,25% do PIB. Até maio, a diferença era de quase 0,6% do PIB. Agora, com esta cedência de Bruxelas, passa a ser apenas de 0,25% do PIB.

Além disso, enquanto a Comissão entende o congelamento dos cativos, prometido na carta do Governo a Dombrovskis e Moscovici, como uma medida adicional, o Executivo considera que esta ferramenta já estava prevista no Orçamento do Estado e que, por isso, não é adicional.

Quais foram os argumentos de Bruxelas

A Comissão Europeia analisou a carta de Mário Centeno com os argumentos contra a aplicação de sanções à lupa. Alguns deles foram aceites, outros nem por isso.

1. Esforço do passado foi reconhecido

Os comissários reconheceram que, apesar de Portugal ter falhado a meta do défice em 2015, implementou um esforço de consolidação orçamental “muito significativo”. E frisaram que a redução do défice excluindo medidas extraordinárias foi “superior a 5% do PIB, conduzida por uma melhoria do saldo estrutural de mais de 6%”.

2. Brexit foi tido em conta

A Comissão Europeia reconheceu as especificidades do contexto europeu e internacional:

O Conselho está completamente a par do aumento das incertezas no contexto atual, em particular tendo em conta o resultado do referendo do Reino Unido sobre a sua participação na União Europeia”.

Este foi um dos argumentos que o ministro das Finanças frisou na carta, tendo sublinhado que o Brexit demonstra que há uma parcela crescente da população europeia que não se sente vinculada ao projeto europeu.

3. Impacto da sanção no défice foi desvalorizado

Outro argumento usado pelo Governo português era o de que a aplicação das sanções prejudicaria, em última instância, o cumprimento do objetivo para o défice fixado para este ano. Contudo, os comissários desvalorizaram este leitura, sublinhando que a multa está limitada a 0,2% do PIB e que esta despesa não conta para a meta do ajustamento estrutural.

4. Congelamento dos cativos foi ponto positivo

O compromisso assumido pelo ministro das Finanças de não libertar as cativações adicionais que constituiu no Orçamento do Estado para 2016 foi muito bem recebido. Os comissários reconheceram que a medida se aplica sobre serviços que já têm uma despesa autorizada superior ao executado em 2015 e que, por isso, podem não ter necessidade tampouco de submeter esses pedidos de libertação dos cativos.