No relvado, a luta pela vitória era renhida. Além de desportiva, era também uma questão política. No Campeonato do Mundo de Futebol de 1966, a já famosa seleção soviética, dirigida pelo Aranha Negra, como era conhecido o guarda-redes Lev Yashin, lutou com todas as forças para derrotar o a seleção surpresa dos “magriços” e ficar em terceiro lugar da competição. Mas a vida nos bastidores era bem mais pacífica e com gestos inesperados de amizade. Desportivos e políticos.
Na véspera do dia em que se assinala os 50 anos do jogo de futebol entre Portugal e a URSS, em que a seleção dos “magriços” acabou mesmo por arrecadar o terceiro lugar, uma das glórias do futebol soviético, o médio Georgij Sichinava, recordou alguns momentos curiosos.
Numa entrevista ao diário desportivo russo Sport Express, Sichinava [então jogador do Dínamo de Tbilissi] conta como a polícia política soviética do KGB (Comité de Defesa do Estado) não arredava pé de junto dos futebolistas, e como Eusébio a conseguia “fintar” e “pagar uns copos” aos colegas soviéticos.
“Na delegação da seleção da URSS, as pessoas estavam divididas em duas partes: nós, os jogadores, e depois os funcionários do KGB, que tinham como função tomar conta da equipa. Essa ‘delegação’ era chefiada pelo general do KGB Kolmykov”, recordou o futebolista, acrescentando: “Claro que nos preveniam para evitarmos antros de vícios, provocações. Diziam que não puséssemos o nariz nos bordéis, pois limpar-nos-iam até ao tutano”.
Uma das funções do KGB era também impedir que atletas soviéticos fugissem do “paraíso terrestre socialista” para o “inferno capitalista”.
Porém, os futebolistas soviéticos encontravam brechas na segurança e era aí que contavam com a habilidade de Eusébio, que então se tornou mundialmente famoso, nomeadamente na União Soviética.
A lenda do futebol português, sabendo do hotel onde os seus colegas soviéticos estavam hospedados, deixava dinheiro aos empregados do bar para lhes oferecer umas bebidas.
“Voronin [então médio do Torpedo de Moscovo] tinha boas relações com Eusébio e este, no hotel onde vivíamos, deixava ao empregado do balcão uma certa importância para que Voronin e os seus amigos pudessem beber um copo. Às vezes recorríamos a isso. Mas sabíamos a medida, o tempo e o local”, sublinha Sichinava.
Um jogo de tão grande importância para ambas as seleções não podia passar sem elementos “místicos”. A dois dias do jogo, o médio Murtaz Khrutsilava, que repartia o quarto com Sichina, contou-lhe que durante um sonho teria visto que iria provocar um penálti a favor de Portugal. Entre os futebolistas havia muitos supersticiosos e a história chegou aos ouvidos de Yashin que começou a gritar de indignação, tendo os seus colegas feito grandes esforços para o acalmar.
Aos 13 minutos da primeira parte, Khrutsilava cometeu de facto uma falta, o árbitro assinalou grande penalidade e Eusébio não perdoou. Mas Malafeev igualou a partida a dois minutos do intervalo. Na segunda parte, o jogo foi muito equilibrado e a vitória podia ter caído para qualquer lado. Todavia, a dois minutos do fim, Torres bateu Yashin e garantiu a melhor classificação de Portugal num Mundial de Futebol.
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