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Rocha Andrade. Quem é o amigo de António Costa que acaba de cair do governo

Este artigo tem mais de 5 anos

Os amigos descrevem Rocha Andrade como "à prova de bala", mas o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais acaba de cair por causa do Galpgate. Quem é este antigo e leal amigo de Costa?

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MICHAEL M. MATIAS /OBSERVADOR

MICHAEL M. MATIAS /OBSERVADOR

Este perfil foi publicado originalmente a 9 de agosto de 2016 e é republicado agora na sequência da exoneração de Fernando Rocha Andrade.

Uma noite de verão nos tempos da jota, depois de mais uma jornada da Caravana Radical da JS a sul do país, “o Rocha” conduzia cansado, mas também aflito por estar mais do que na reserva do depósito de combustível. Viu um posto de abastecimento e entrou direito a uma bomba, nem reparou que pelo meio estava um estacionamento, galgando o lancil com estrondo. Resultado: dois pneus rebentados. Se recorrermos ao sentido pragmático que os amigos reconhecem a Fernando Rocha Andrade, concluímos: pelo menos encheu o depósito. Também podemos olhar para a situação com o sentido de humor que os seus mais próximos dizem nunca lhe falhar: aceitar os convites da Galp para assistir a jogos da seleção quando é membro do Governo já não é o primeiro problema que tem com uma gasolineira. Talvez a veia humorística não seja a mais latejante por esta altura. O secretário de Estado no olho da polémica “está abalado” e “arrependido”, conta com quem ele falou nos últimos dias.

Da esquerda à direita, “o Rocha” — como os mais próximos lhe chamam — tem amigos em todos os quadrantes políticos e em todos eles se encontram admiradores, sobretudo aqueles que dizem conhecê-lo bem. Em resumo, é assim que definem Fernando António Portela Rocha de Andrade: “brilhante”, “tecnicamente muito habilitado”, “enciclopédico“, “incorruptível”, “à prova de bala“, “arrogante, como acontece a todos os tipos inteligentes”, “anarca na organização”, “bom garfo“, “bon vivant“, “bem-disposto”, “distraído“. O último adjetivo explica o episódio da gasolineira no Algarve. E o da outra gasolineira também, garantem os amigos. Um deles é Afonso Candal, que o conhece “desde sempre”. Eram vizinhos em Aveiro, miúdos da alta burguesia da terra, os pais (Carlos Candal e António Rocha Andrade) eram amigos e colegas de profissão, ambos advogados. Cresceram juntos e foi por lá que Rocha Andrade também conheceu Catarina Martins, hoje líder do Bloco de Esquerda, que é dois anos mais nova, mas cresceu na mesma cidade. Com Afonso, a amizade tornou-se naturalmente mais forte e Candal dispara, mesmo sem conhecer a fundo os pormenores da polémica (está fora do país): “Isso [um convite para um jogo de futebol] não interferirá uma vírgula na decisão dele, seja o que for. Ele fará sempre o que entender ser melhor no exercício das suas funções”.

Um social-democrata que com ele comunga o espírito de Coimbra (fizeram-se amigos no meio académico) aponta-lhe “muita integridade e boa-fé”. “Só um tipo incorruptível interiormente aceitaria um convite destes sem pensar”, garante a mesma fonte sobre o amigo Fernando Rocha Andrade que ainda não falou desde que a polémica das viagens do euro pagas pela Galp — que tem um contencioso com o Governo por se recusar a pagar um imposto lançado ainda pelo anterior Executivo sobre os ativos da empresa e que ultrapassa os 100 milhões de euros — rebentou.

Fotografia publicada por Rocha Andrade no seu facebook, no dia da final do europeu, com o secretário de Estado da Inovação. Viajaram a convite da Galp.

Fotografia publicada por Rocha Andrade no seu facebook, no dia da final do europeu, com o secretário de Estado da Inovação. Viajaram a convite da Galp.

Porque aceitou? “Ingenuidade“, “foi um erro de julgamento, uma tontice”, “não passou pela cabeça ao desgraçado” que pudesse suscitar uma questão, responde de pronto um socialista muito próximo do secretário de Estado. “O Rocha é um tipo impoluto, invulgarmente preparado, devotado à causa pública, às vezes na vida política isto não chega“, acrescenta ao mesmo tempo que vaticina: “Não tem condições para prosseguir numa área política sensível”. António Costa não saiu em sua defesa, está de férias. Foi o número dois do Governo que fez as despesas da casa e viu no governante “todas as condições” para se manter no cargo. Augusto Santos Silva também disse, em declarações ao Expresso, que Rocha Andrade não apresentou a demissão. No PS há quem considere que Costa podia ter feito mais para defender o seu secretário de Estado e também amigo de longa data. Como? Dizer publicamente que o governante quis demitir-se mas que o primeiro-ministro não aceitou, aliviando a carga crítica sobre o secretário de Estado.

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São de gerações diferentes, têm dez anos de diferença (Rocha Andrade tem 45 e Costa 55), mas tornaram-se muito próximos a partir de 1995, quando Costa chega a secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares do Executivo de António Guterres e precisa de gente para o seu gabinete. Sérgio Sousa Pinto era o líder da JS e recomenda-lhe dois jovens quadros que estava na sua direção: Fernando Rocha Andrade (que Sousa Pinto tinha ido buscar à JS de Aveiro e que naquela altura terminara o curso de Direito, em Coimbra) e Marcos Perestrello. Os dois pegam de estaca nos fiéis do costismo e “o Rocha” acaba por chegar a ter mesmo em mãos o primeiro estudo sobre os círculos uninominais de eleição (que coexistiam, nessa proposta, um círculo nacional), era considerado por Costa o jurista mais qualificado do seu gabinete. Foi também nessa qualidade que trabalhou, na mesma fase, de perto com Sousa Pinto, que na altura era deputado e apresentou um projeto para legislar as uniões de facto.

Desde essa experiência num gabinete do Governo, Rocha Andrade acabou por gravitar sempre em torno de António Costa. Seguiu com ele para o Ministério da Justiça em 1999, onde ficou como assessor. Quando o Governo de Guterres acabou, em 2002, Rocha Andrade voltou ao meio académico para dar aulas, na faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, onde se formou em 1995. Em maio de 2002 terminou o mestrado, na área da ciências jurídico-económicas e só já em dezembro 2015, depois de nomeado secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, terminou o doutoramento. Aliás, fechou-se (dentro do possível) nos dias depois das legislativas de 4 de outubro — mesmo entre o caos político em que o PS estava envolvido — para terminar a tese, antes que tivesse de ser chamado a outras funções, o que se perspetivava já durante a campanha eleitoral, tal a confiança que Costa depositava nele. Conseguiu terminar, mas já como secretário de Estado. Naquela noite eleitoral, aliás, não era propriamente um crente numa solução de esquerda, como deixou claro no facebook logo no dia seguinte.

A tese (“Benefícios fiscais – a consideração da despesa do contribuinte na tributação pessoal do rendimento”) foi sobre a importância das deduções por despesa em sede de IRS, do ponto de vista da política fiscal. Conclusão: “A posição académica é que as deduções por despesa são mais negativas do que as deduções fixas na maior parte do tipo de despesas”, explicou Rocha Andrade, citado pelo Económico no final de novembro. No dia em que fez a defesa da tese — e em que teve a avaliação máxima: “Com louvor e distinção” — já estava em funções no Ministério das Finanças e com a faca e (precisamente aquele) queijo na mão, por isso foi obrigado a explicar aos jornalistas que seguiram a prestação de provas de doutoramento, na Universidade de Coimbra: “A tese não é o meu plano, o plano é o programa do Governo”.

Intermitência na política e outras páginas negras

Quem conhece bem Rocha Andrade e António Costa, descreve algumas semelhanças entre os dois: “Têm o mesmo perfil de pensamento, o mesmo estilo de gestão, a mesma anarquia na organização, os mesmos vícios de filho único, a mesma forma de estar à mesa”. São amigos pessoais, mas curiosamente “não se tratam por tu”, nota a mesma fonte. Costa voltou a confiar nele em 2005 quando foi chamado por Sócrates para ministro da Administração Interna, mas aí já lhe dá uma pasta, como seu subsecretário de Estado. “É pragmático”, descreve uma amiga dos tempos da JS, gosta de trabalhar para encontrar soluções e, “sendo cioso das regras jurídicas, não é obstinado, não trata aquilo como se fosse o Santo Graal”. Nos tempos da Administração Interna, Miguel Alves (socialista e presidente da Câmara de Caminha) trabalhou com ele, no mesmo gabinete, e aponta-lhe desde aí “a capacidade grande para resolver problemas. Sempre teve um perfil mais discreto, um operário, que nunca teve problemas em regressar a sua profissão de docente, quando saiu do Governo”.

Foi assim pouco depois de Costa sair para a Câmara. Rocha Andrade ficou no Ministério da Administração Interna (MAI), mas só até 2008, altura em que voltou à academia para se atirar ao doutoramento. Acaba por manter sempre alguma ligação com o amigo António, enquanto este gere Lisboa, com colaborações esporádicas. Mas não ficou por aí, tendo sido também administrador não executivo da Rede Elétrica Nacional (REN) e vogal da Comissão de Auditoria da empresa pública (em 2009 recebeu cerca de 48 mil euros no exercício destas funções). Foi nomeado depois de sair do MAI mas ainda com o PS no Governo, não se livrando do título de “boy”, quando se contabilizaram os nomes deixados pelos socialistas nas empresas públicas (uma prática que tem uma rotatividade coincidente com a dos governos).

Volta em força ao meio político quando Costa toma o PS, no final de 2014, e o chama para a sua direção. Só já parou no Governo, numa pasta central, num Ministério em que o número um (Mário Centeno) era novato na política e onde Costa precisava de ter alguém da sua total confiança. Acertar em Fernando Rocha Andrade é, por tudo isto, tocar num dos nervos de António Costa neste Governo. A proximidade é reconhecida pela oposição que não tem poupado Rocha Andrade nesta polémica, pedindo a sua cabeça e cercando-o de forma mais clara do que os outros dois governantes (também muito próximos de Costa) envolvidos: o secretário de Estado da Inovação, João Vasconcelos, e o da Internacionalização, Jorge Costa Oliveira. No PS fala-se também de aproveitamento da “onda de pelourinho”, sobretudo quando esta polémica surgiu dias depois de outra: a da subida do Imposto Municipal sobre Imóveis para casas bem localizadas e com boa exposição solar — pela qual Rocha Andrade deu a cara. Depois de tudo isto e com o Orçamento do Estado em preparação, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais torna-se num alvo incontornável para a oposição.

As de hoje não são, de resto, as primeiras páginas negras na sua já longa passagem pelos palcos políticos (já lá vão 20 anos desde que os pisou pela primeira vez). As primeiras surgiram com o negócio que o Governo fez para a compra de seis helicópteros Kamov, era Costa ministro da Administração Interna. O negócio de compra dos aparelhos de combate a fogos foi concretizado em 2016, envolvendo 42,1 milhões de euros pagos à Heliportugal, mas foi sempre muito questionado pela oposição e, em 2014, o Tribunal de Contas fez uma auditoria que apontava o dedo ao subsecretário de Estado. “Não acautelou o interesse público”, dizia o relatório sobre o que Rocha Andrade teria feito para garantir o cumprimento dos contratos. A empresa atrasou-se a fornecer os helicópteros e o Tribunal responsabilizou o governante de ter, nessa fase, “aligeirado os requisitos de entrega das aeronaves e flexibilizado as condições de fornecimento e de pagamento” dos aparelhos.

Enciclopédia ambulante e parecenças com o cão

Afonso Candal garante que o “estilo enciclopédico” de Rocha se nota desde cedo, “o Rocha” destacava-se entre os amigos. “Sempre o conheci assim, sabia sobre tudo. Muito mais informado do que a maioria e com uma inteligência e capacidades fora no normal“, uma das quais era a da memória. Candal lembra que o amigo, vizinho e, mais tarde, colega de liceu, debitava uma “lengalenga com toda a história de Portugal” sem se engasgar: “Provavelmente hoje ainda se recorda de partes”. Apesar disso, não era propriamente um cromo das carteiras da primeira fila da sala de aula. “Nunca foi um bicho-do-mato”, garante Afonso Candal. É um “bonacheirão”, descrevem os amigos, “de verbo fácil” e de piada muitas vezes engatilhada. Quando foi nomeado secretário de Estado dos Assuntos Fiscais gozou consigo mesmo na página de facebook, atualizando a fotografia de capa:

rocha andrade fb

“Adora música, conhece tudo. É capaz de falar de tudo, ir até aos clássicos dos anos 50 e 60”, diz outro amigo. “É muito interessante nas conversas, onde está polariza a atenção”. E é duro na discussão, porque gosta de as levar até ao fim. É assim nos encontros a que vai e nos que promove. Gosta de jantaradas, juntar os amigos à volta da mesa. A sua silhueta não deixa margem para dúvidas: não tem grandes pudores quando o assunto é para tratar com faca e garfo. Mas gosta sobretudo do convívio que isso suscita. É descontraído, aliás, chegava a brincar entre amigos, quando teve um cão da raça Bernese Mountain, de temperamento muito parecido com os mais conhecidos e pachorrentos São Bernardo. “Era o único cão que podia ter”, dizia Rocha Andrade, entre risos, aos amigos que o visitavam. Esta semana, o laço de lealdade de 20 anos que une “o Rocha” a Costa foi posto à prova pela primeira vez.

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