A ginástica artística é uma das disciplinas estrelas do Rio 2016. O génio da jovem norte-americana Simone Biles, que ganha medalhas literalmente como quem estica as pernas, sobra para tornar a modalidade interessante. Mas há mais.

Oksana Chusovitina também está em competição. É a sétima vez que participa nuns jogos olímpicos. A ginasta nasceu em 1975 no que é hoje o Uzbequistão e começou a praticar ginástica como uma das disciplinas do rígido sistema educativo da ex-URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). A uzbeque de 41 anos começou a competir há mais de 25 anos. Ganhou a sua primeira competição, o campeonato nacional de juniores da URSS em 1988, com apenas 13 anos. E no Rio de Janeiro vai tentar levar esta tarde o ouro para o país onde nasceu, pela primeira vez.

Mesmo que não leve uma medalha para casa já bateu um recorde: é a mulher mais velha de sempre a competir. Quando Simone Biles nasceu em 1997, Oksana Chusovitina já tinha ganho cinco campeonatos do mundo e uma medalha de ouro. Em 1991, no primeiro campeonato mundial em que participou, ganhou três medalhas. Uma delas foi conquistada no solo, graças a um movimento tão difícil que ganhou o seu nome (igualmente antes da jovem estrela nascer e muito antes de vir a ter um movimento “seu”). Aliás, a dificuldade do movimento (grau de dificuldade H — 0.8 pontos) é tal que um portento de nome Simone Biles também o usa na “coreografia” que faz no solo, no primeiro salto acrobático. A atleta uzbeque já nomeou quatro movimentos em três variantes diferentes (paralelas assimétricas, salto de cavalo e solo).

Chusovitina é detentora do recorde de medalhas individuais em campeonatos mundiais numa única variante — nove, no cavalo. Não é a atleta que soma o maior número de participações olímpicas de sempre. Esse recorde pertence ao cavaleiro canadiano Ian Millar, que competiu em dez — as disciplinas com maior número de participações olímpicas consecutivas (seis ou mais) são a esgrima, salto a cavalo, tiro ou vela.

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Mas competir sete vezes numa disciplina tão fisicamente exigente como a ginástica artística, não é para todos. E Oksana Chusovitina fê-lo e representando três bandeiras diferentes, a da Equipa Unificada em 1992 (composta por estados independentes das antigas repúblicas da União Soviética), a Alemanha em 2008 (Pequim) e 2012 (Londres) e Uzbequistão em 1996 (Atlanta), 2000 (Sidney), 2004 (Atenas) e 2016 (Rio de Janeiro). Ganhou a medalha de ouro em 1992, em Barcelona, na sua variante preferida, o cavalo. Tinha 17 anos e representava a união das antigas repúblicas soviéticas.

Voltou a ganhar uma medalha olímpica (prata) nos jogos de 2008, em Pequim. Tinha 33 anos e vestia a camisola da Alemanha. A mudança de bandeira e de país aconteceu por motivos de força maior e trazia outro “quase recorde” embrulhado. Oksana Chusovitina foi uma das quatro ginastas a voltar à alta competição depois de ter sido mãe. Foi pelo filho Alisher, que nasceu em 1999, fruto do casamento com o lutador Bakhodir Kurpanov (que também foi atleta olímpico, de luta greco-romana), que mudou de país.

Alta competição pelo filho

Em 2002, foi diagnosticada uma forma grave de leucemia a Alisher — que tinha apenas três anos — e que dificilmente poderia receber o tratamento adequado através do sistema de saúde uzbeque. Oksana e o marido mudaram-se para Colónia, na Alemanha na sequência de um convite do casal Brüggemann (ambos treinadores de um clube local). Não tinham dinheiro para pagar o tratamento experimental de que Alisher precisava e pediram ajuda (através de uma recolha de donativos internacional). Alisher começou a receber tratamento no Hospital de Universitário de Colónia e Oksana foi treinar com a equipa alemã.

“O Uzbequistão deu-me permissão para competir pela equipa alemã, mas o governo alemão exige que eu viva na Alemanha por três anos antes de poder competir por eles. Gostaria de competir pela Alemanha para mostrar a minha gratidão por todo o apoio que recebi no tratamento do meu filho, mas isso não é possível neste momento”, disse Chusovitina na altura, em 2003.

Germany's Oksana Aleksandrovna Chusovitina displays her silver medal during he medal ceremony of the women's vault final of the artistic gymnastics event of the Beijing 2008 Olympic Games in Beijing on August 17, 2008. North Korea's Un Jong Hong won the gold, Germany's Oksana Aleksandrovna Chusovitina the silver and China's Fei Cheng the bronze. AFP PHOTO / LLUIS GENE (Photo credit should read LLUIS GENE/AFP/Getty Images)

Oksana Chusovitina com a prata que ganhou em Pequim, em 2008

A ginasta tinha pensado abandonar a alta competição, mas viu-se forçada a continuar por causa do filho. Precisava do dinheiro das provas para o tratamento da leucemia e para manter a família — que teve de vender a casa no Uzbequistão quando mudou de país.

O filho curou-se e Oksana pagou a promessa de gratidão à Alemanha. Tornou-se cidadã alemã em 2006 e adiou o sonho de poder a vir ganhar uma medalha olímpica pelo país onde nasceu. Em 2009, um ano depois da prata em Pequim, anunciou que se ia retirar depois dos campeonatos do mundo desse ano. Mas voltou a competir nos campeonatos da Europa e do Mundo em 2011 e no campeonato europeu de 2012. Daí aos Jogos Olímpicos de Londres foi um salto. Era a sua sexta participação e na altura já era considerada “uma lenda”. Tinha 37 anos e continuava a ser vista como uma rival de peso.

“Sou velha? Não me sinto velha”, considerou a ginasta há quatro anos. “Não estou a fazer nada de especial, sou apenas mais uma”, reforçou. Voltou a dizer que se retiraria e voltou a retirar o que disse.

“Disse que me retirava, e no dia seguinte acordei, estava deitada na minha cama e pensei ‘não consegui fazer tudo o queria e sinto que ainda posso fazer um pouco mais'”, considerou. Era dia para começar a treinar para a viagem ao Rio de Janeiro.

O segredo da longevidade

Oksana Chusovitina passou os últimos quatro anos a preparar-se para o Rio 2106. Uma rotina de treino diferente das rivais, com menos 20 anos que ela. Svetlana Boginskaya, bielorussa que foi colega Oksana na Equipa Unificada dos jogos de 1992, não queria acreditar quando viu que continuava a competir a nível olímpico, oito anos depois.

“Quando eu a vi [competir] nos Jogos Olímpicos de Sydney [em 2000], pensei: a minha filha nasceu em 1999, o filho dela também nasceu em 1999. Como é possível?” lembrou Boginskaya em entrevista, sobre a ex-colega de quem se tornou amiga. Voltar a treinar depois da maternidade era uma não-questão para Oksana.

A atleta voltou a fazer o que sempre fez. Mais tarde, Chusovitina convidou Boginskaya para ser uma das suas treinadoras. A ex-ginasta diz que a uzbeque nunca deixará o ginásio, embora precise cada vez menos de lá ir.

“Não precisa de fazer muitas repetições. Ela tem memória muscular acumulada desde 1992“, explica Svetlana Boginskaya.

“Nesta altura já não preciso de tanto treino físico”, admitiu a ginasta, que também foi bafejada pela sorte e nunca teve uma lesão grave que a obrigasse a pôr fim à carreira. Atualmente, precisa mais de força anímica do que física. “Faço muito treino mental. Tenho uma memória muscular que o meu corpo desenvolveu ao longo dos anos. Normalmente, só treino duas a duas horas e meia no ginásio”, explicou à ESPN.

Mas isso não significa preguiça. Oksana adora treinar e isso vê-se no corpo. Tem pouco mais de 1,5 metros, pesa cerca de 44 quilos e músculos bem desenhados por anos a fio de alta competição.

Germany's gymnast Oksana Chusovitina performs on the beam during the women's qualification of the artistic gymnastics event of the London Olympic Games on July 29, 2012 at the 02 North Greenwich Arena in London. AFP PHOTO / THOMAS COEX (Photo credit should read THOMAS COEX/AFP/GettyImages)

Oksana Chusovitina na performance na barra, nos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012

“Não tenho dores, nem problemas. O mais difícil para mim é esperar até ao próximo treino”, admite . Para além da paixão pelo que faz, Chusovitina não consegue explicar a sua longevidade competitiva. Mas dá pistas: a razão pode ser genética. “Não sei como consigo manter-me em forma, terá de perguntar à minha mãe”, respondeu numa das inúmeras vezes que lhe colocaram a questão.

A competição é a sua vida, mas não é uma vida fácil. “As coisas não são fáceis. As regras mudam sempre. Algumas coisas são muito difíceis de aprender”, confessou à BBC. Mas Oksana Chusovitina aprende à velocidade que salta no cavalo: depressa. No domingo passado somou 14,999 pontos e qualificou-se para a final este domingo. O sonho de ganhar uma medalha olímpica com a bandeira do Uzbequistão ao peito está mais perto. E se não for desta… talvez da próxima. “Acho que ela nunca se vai retirar”, diz Michael Fabig, o treinador alemão da ginasta.