(Artigo atualizado às 20:31 com mais informação)
O ministro das Finanças admite que o investimento de 2.700 milhões de euros do Estado na Caixa Geral de Depósitos (CGD) vai obrigar a redesenhar o perfil da dívida pública, mas garante que este facto será positivo para o Estado e para a economia. Mário Centeno explicou, em conferência de imprensa realizada nesta quarta-feira, os contornos da recapitalização da Caixa, que envolve um esforço público total de 4.160 milhões de euros, mais uma emissão de dívida a colocar junto de investidores privados no valor de mil milhões de euros. O reforço total de capital, incluindo operações de reestruturação financeira, chega aos 5.160 milhões de euros.
Os valores agora aprovados pela Comissão Europeia são o limite máximo. A recapitalização final da Caixa pode ficar abaixo destes montantes e só ficará definida depois de uma auditoria promovida pela nova administração liderada por António Domingues que irá entrar a 31 de agosto. O acordo obtido junto da DG Com, a direção-geral da Concorrência europeia, incide sobre as linhas gerais de recapitalização que ainda têm de ser concretizadas num plano concreto a aprovar pelo conselho de comissários. Centeno destacou a natureza inovadora desta operação num banco público e a rapidez do processo negocial: a primeira abordagem foi em abril, a apresentação forma foi em junho e a aprovação em agosto.
Se a operação for concretizada em 2016, será necessário um Orçamento Retificativo, admitiu o ministro, uma vez que, como todos os investimentos públicos, também este tem de ser financiado com recurso a endividamento. A perspetiva de Mário Centeno é a de que a recapitalização seja realizada ainda este ano.
O Governo tem de avançar com uma alteração ao Orçamento porque a injeção de capital na Caixa representa uma despesa que não está prevista. Se a operação implicar um maior endividamento do Estado, também o teto de endividamento do Estado terá de subir.
O ministro ainda não explicou se a operação terá impacto no défice público. Mário Centeno disse apenas que o Governo está a trabalhar com a Comissão Europeia para que a operação não tenha reflexo nas contas públicas, sendo que o essencial é que não seja considerada uma ajuda do Estado, o que foi garantido para já.
“As implicações para o défice desta operação podem ser complexas, mas neste momento o que este Governo está a criar é todas as condições passo a passo para que essa contingência não se venha a concretizar”, disse o governante, que não esclareceu, no entanto, apesar de questionado sobre o tema, que impacto pode ter nas contas públicas o próprio financiamento da operação, seja direto, através do custo do dinheiro de uma eventual emissão de dívida ou do custo de oportunidade da eliminação de empréstimos antecipadamente que já estavam previstos, como é o caso dos empréstimos do FMI.
Privados têm de investir 500 milhões em simultâneo ao aumento de capital
Mário Centeno assegurou que a Caixa ficará totalmente na esfera do Estado, apesar da participação de investidores privados nesta recapitalização. A emissão de dívida subordinada de mil milhões de euros será feita em duas tranches, a primeira das quais de 500 milhões de euros terá de ser realizada na altura em que for efetuado o aumento de capital do Estado.
O ministro não revelou que instrumentos estão em causa, nem qual é o perfil dos investidores. Centeno referiu, apenas, que os investidores da emissão têm de ser não relacionados com o Estado, portanto privados. Os participantes na emissão de dívida subordinada correm o risco de assumir perdas em caso de bail-in, um resgate com assunção de perdas por parte dos credores da Caixa. No entanto, como estão excluídas obrigações convertíveis, que colocariam em causa a propriedade pública da Caixa, esta emissão não deverá contar para o reforço do rácio de capital principal, o Core Tier 1, do banco.
Dimensão dos cortes de custos e saída de trabalhadores por conhecer
O plano estratégico para o banco público assenta, também, numa racionalização profunda dos custos, como o Governo e a Comissão já tinham anunciado durante a manhã/início de tarde. O que nenhuma autoridade fez, até agora, foi explicar o que isto quer dizer. Confrontado com o tema, Mário Centeno quis passar uma “mensagem de confiança e tranquilidade” aos trabalhadores e dizer que “é sobretudo neles que assenta o sucesso da instituição”.
O que quer isto dizer? Que o número de trabalhadores será reduzido através de “rescisões por mútuo acordo e reformas antecipadas”, mas tudo isto num ambiente de cooperação social. Nada de novo em relação ao que o Governo tem vindo a dizer. O compromisso é o de que não haverá despedimentos, mas que terão de sair trabalhadores. Quantos? O ministro não esclareceu. Quais as condições para as rescisões e reformas antecipadas, também não. E fica por conhecer, também, o que acontece se não saírem trabalhadores suficientes para a Caixa atingir as metas acordadas com Bruxelas.
Centeno remeteu para o novo conselho de administração a execução deste plano, salientando que o processo será orientado no sentido das novas tecnologias e da digitalização. No passado, o governo já admitiu a saída de até 2.500 colaboradores até 2020, afastando sempre despedimentos.
A administração da Caixa Geral de Depósitos vai ter uma política de remunerações decidida pelo Governo, com base nas recomendações da comissão de remunerações do banco, que vai impor tetos máximos aos salários de quem irá gerir a Caixa Geral de Depósitos, algo que não existia no passado, já que um gestor podia optar pelo salário que recebia no seu trabalho anterior, sem limite. O ministro das Finanças repetiu argumentos já usados para justificar as mudanças ao estatuto do gestor público para acomodar as remunerações mais elevadas dos novos gestores do banco do Estado.
Lei que limita número de gestores afinal já não vai mudar
Foi uma das primeiras coisas que o Governo garantiu que ia fazer assim que se conheceu a decisão do Banco Central Europeu (BCE) de não aceitar todos os gestores que o Governo queria na CGD, num total de 19. Os oito que ficaram de fora, entre eles Leonor Beleza, acumulam cargos noutras entidades que, juntando à CGD, ultrapassam o limite que a lei permite.
O secretário de Estado do Tesouro e Finanças, em declarações a vários órgãos de comunicação social, explicou que a lei iria ser alterada para permitir que esses gestores pudessem fazer parte da administração da Caixa (alguns já terão recusado novo processo, como é o caso de Leonor Beleza). Mas a oposição pública dos parceiros de acordo parlamentar – Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português -, para além de uma alegada oposição do Presidente da República noticiada na imprensa, terão feito o Governo recuar.
Mário Centeno admitiu que a alteração à lei não vai para a frente, mas defendeu sempre que era necessária uma lei que permitisse aos bancos serem tão competitivos com os seus parceiros na Europa, argumentando sempre que a lei portuguesa é mais restritiva. No final, o consenso com os parceiros de coligação parlamentar terá falado mais alto — e a oposição que terá sido manifestada pelo Presidente da República — mas o ministro não parece disposto a desistir de fazer valer o seu ponto de vista, mesmo que a lei não mude.
“Este é um Governo de diálogo, de compromissos, de obtenção de consensos, a experiência demonstra exatamente isto que lhes estou a dizer. Foram necessários inúmeros consensos desde 26 de novembro. O processo que estamos hoje aqui numa fase importante a concluir é, mais uma vez, o espelho disso”, disse, acrescentando que mantém a “desejabilidade de o quadro legal português permitir que os bancos portugueses sejam competitivos e concorrenciais face aos seus congéneres em outras legislações”. O Governo entende que a lei portuguesa vai mais longe do que a transposição da diretiva europeia a que diz respeito e é, assim, mais restritiva do que nos restantes países.
Uma garantia ficou. O Governo não desistiu do número de administradores, algo que continua a discutir com os supervisores – Banco de Portugal e Banco Central Europeu -, que quer que sejam pelo menos 17. Mário Centeno manifestou-se otimista de que este será o desfecho dessas conversas.
Anterior Governo sempre na mira
A culpa da situação da Caixa Geral de Depósitos é da crise financeira e económica que afetou toda a Europa, disse o ministro. As exigências mais elevadas dos supervisores relativamente aos rácios de solvabilidade dos bancos, que têm sido apertadas desde a crise, também contribuíram para este desfecho.
Mesmo com esta explicação, Mário Centeno não quis deixar de dar uma alfinetada ao anterior Governo, usando para isso uma alusão ao processo do Banif, uma das armas de arremesso dos últimos meses, para garantir que o plano foi aprovado na integra e à primeira (no caso do Banif, os sucessivos planos de recapitalização terão sido chumbados pelas autoridades europeias).