Mãos ao alto em agradecimento pelos tabefes sentimentais. Vá, todos juntos, isso mesmo. Se é para fazer coisas destas, se é para dar ao mundo discos destes, então que venha de lá esse drama, mesmo que acompanhado de ironia. Claro, não é nada connosco, não é a desgraça de quem ouve que é destilada em canções. Mas cada um com os seus males, já dizia o sábio da rua de trás. E a nossa maldição transforma-se em sorte: basta ouvir My Woman uma vez para nunca mais o largarmos. Aquela coisa do “este disco é difícil e estranho e depois de muito o ouvir de repente conseguimos compreendê-lo”? Nada disso. Angel Olsen vai direta ao assunto: dez canções e está feito. E de que maneira.
Angel Olsen não começou agora a fazer canções, não se lembrou de repente que compor e gravar poderia dar bom colo para versos de amor malvado – ou outras tragédias pessoais. O álbum anterior, Burn Your Fire for No Witness, por exemplo, chegou em fevereiro de 2014 e assombrou todo esse ano. Um diário cantado com uma banda sonora abrasiva: Angel, a guitarra e um dedo apontado ao mundo que insiste em tramá-la (e a nós também). Um disco que, nesse campeonato particular, não tinha encontrado concorrência à altura. Até agora.
My Woman continua no mesmo caminho mas com outra cara. Angel Olsen não desistiu de questionar o seu lugar no mundo, resolveu foi fazê-lo de forma ainda mais pessoal e menos filosófica. A sua identidade enquanto apaixonada, enganada, desiludida ou como mulher num mundo de homens – o mundo real e o do rock’n’roll — mesmo que isso seja tão essencial como enganador. Porque My Woman é uma obra escrita no feminino que claramente não quer ficar presa a uma questão de género. E isso torna tudo ainda mais interessante e essencial.
Mas há um twist fundamental para o resultado final do disco: Angel Olsen não quer ser salva nem quer salvar ninguém. Não é um messias nem vai redimir seja quem for. Quer é libertar-se dessa imagem que o disco anterior pode ter deixado. E nunca será mais que os outros só porque tem dores de alma. No máximo, é mais que todos nós porque usa essas dores para tornar a banda sonora do mundo melhor, porque tem o talento e a entrega para o fazer. Não existe aqui um qualquer sentido de missão — “agora tomem lá esta musiquinha a ver se resolvem os vossos problemas”. Há é canções, só isso.
Há indie rock que segue a melhor das escolas elétricas, claro que há: “Shut Up Kiss Me” ou “Give it Up” são perfeitas nessa coisa de enrolar seis cordas à volta do mundo, bem apertadas. Mas também há teclados maravilha, à maneira das fantasias retro do século XXI (“Intern”), pérolas pop como as dos girl groups dos anos 60 que vão alimentar as invejas de Phil Spector (a espantosa “Never Be Mine”), slows melancólicos, doces, muito doces, para dançar sem companhia no fim do baile (“Head Shaped Face”) ou uma espécie rara de R&B, de quem cresceu com a MTV de Mariah Carey (“Those Were the Days”).
Tudo num disco que está dividido em dois, com óbvios lados A e B, cinco faixas para cada lado. Fica cumprido o estereótipo do lado “mais luminoso” e do lado “mais sombrio”, mas até isso para fazer parte do plano maquiavélico de Angel Olsen: levem isto a sério mas não demasiado a sério. É o que ela faz quando decide realizar dois vídeos para dois dos temas do disco. Em “Intern” e “Shut Up and Kiss Me” diz-nos que quer ser mais e melhor, que as coisas não estão bem, que há um coração que procura a mudança. Mas para o fazer usa uma cabeleira brilhante, transpira ironia por todo o lado, anda de patins porque é uma das coisas que mais gosta na vida e seduz o mundo inteiro só com o olhar.
My Woman é genial. Tem tanto de indisciplina como de regras e estruturas fixas; é tão feminino como assexuado, tão confessional como abrangente, tão rock como pop. Tão difícil de fazer e, na mesma medida, tão simples e claro. Não é para todos mas — convenhamos — quem o fez, miss Olsen, tem mesmo Angel como primeiro nome. Nada disto é habitual mas ele há coisas que de facto não acontecem por acaso.
“My Woman” é editado sexta-feira, dia 2 de Setembro