É de pôr um sorriso no rosto. Há mais de quatro décadas que o povo dinamarquês é considerado, praticamente todos os anos, o mais feliz do mundo. O rótulo certamente invejável leva a assinatura da OCDE (Organização para a Cooperação Económica e o Desenvolvimento) desde 1973 e até o World Happiness Report, recentemente lançado pelas Nações Unidas, diz o mesmo. O mistério de tanta felicidade já foi alvo de interesse de vários jornalistas, com direito a reportagens emitidas pelo 60 Minutes e protagonizadas pela incontornável Oprah. Os motivos podem ser vários, mas o livro Pais à Maneira Dinamarquesa reclama que a solução está na forma como estes homens e mulheres são criados.

As autoras do livro que chega a 21 de setembro às livrarias portuguesas — a cronista norte-americana Jessica Joelle Alexander e a psicoterapeuta e terapeuta familiar dinamarquesa Iben Dissing Sandahl — defendem que a busca pela felicidade começa na infância e entregam aos pais a chave do sucesso que passa por deixar as crianças brincar, pela comunicação autêntica e pelo estímulo da empatia. A teoria em causa, essa, resulta de “mais de 13 anos de experiência, pesquisa, estudos de base e factos acerca da cultura e vida diária dinamarquesa”.

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O livro chega às livrarias nacionais a 21 de setembro. De momento está em pré-venda nos sites da Fnac, Bertrand e Wook, por 15,50€.

Mas como são, então, os pais dinamarqueses?

Os pais dinamarqueses apostam na brincadeira livre

As autoras começam por contrariar a tendência (bem intencionada) de alguns pais, que enchem as agendas dos filhos com atividades extracurriculares, incluindo vários desportos. A ideia defendida é a de que os mais novos devem pura e simplesmente brincar — isto é, serem deixados sozinhos ou na companhia de amigos para brincar exatamente como lhes apetecer. Aqui, brincar não é o mesmo que praticar um desporto ou participar numa atividade organizada por um adulto, e o ato não deve ser encarado como um desperdício de tempo:

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Com frequência, sentimos que estamos a ser melhores pais quando lhes ensinamos alguma coisa ou os envolvemos num desporto, ou oferecemos aos seus pequenos cérebros algum ‘input’. Brincar parece ser um desperdício de tempo de aprendizagem valioso. Mas será mesmo?” (Pais à Maneira Dinamarquesa, p. 31)

Brincar em dinamarquês

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Lembra-se do Lego, daqueles blocos coloridos que se encaixavam uns nos outros? É provável que sim, que em tempos já tenha brincado ou visto brincar com aquele que foi considerado pela revista norte-americana Fortune, no início do milénio, “o brinquedo do século”. Pois bem, o Lego teve origem na Dinamarca, em 1932. Outra curiosidade é o facto de o principal fornecedor de parques de recreio no mundo ser também dinamarquês.

Acontece que a brincadeira livre ensina as crianças a serem menos ansiosas, mais resilientes e a lidar melhor com o stress. Para explicarem o quão importante a brincadeira é para a sociedade dinamarquesa, Jessica e Iben relatam que durante muitos anos as crianças a viver no país não começavam a escola antes dos sete anos (em Portugal o ensino obrigatório começa aos seis anos de idade; pode iniciar-se aos cinco salvo algumas exceções), e que atualmente as crianças com menos de 10 anos terminam as aulas às duas da tarde.

Brincar é tão central na visão dinamarquesa da infância que muitas escolas têm programas que promovem a aprendizagem através do desporto, da brincadeira e do exercício para todos os alunos.” (Pais à Maneira Dinamarquesa, p. 43)

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Têm cuidado com os elogios

Os filmes dinamarqueses têm muitas vezes finais sombrios e tristes, muito aquém do tradicional happy ending de uma longa-metragem de domingo à tarde. Aliás, e a título de curiosidade, no conto “A Pequena Sereia”, do também dinamarquês Hans Christian Andersen, a jovem não fica com o príncipe ao contrário do que a Disney nos leva a crer. Escrevem as autoras, baseando-se num estudo da Universidade de Ohio, que “ao contrário da crença popular, ver filmes trágicos ou tristes torna, na verdade, as pessoas mais felizes, chamando a sua atenção para alguns aspetos mais positivos das suas próprias vidas“.

Nesta lógica de pensamento, as autoras defendem que as crianças precisam de “honestidade emocional” e que agir com autenticidade é o primeiro passo para ensinar os mais novos a serem verdadeiros consigo mesmos e com os outros. Porque reconhecer e aceitar as emoções boas e más é muito importante e o oposto do autoengano, que pode levar a decisões tomadas com base em influências externas. A isso acrescenta-se a importância de elogiar a tarefa desempenhada em detrimento da criança em si, o que “ajuda a direcionar a atenção para o trabalho envolvido, mas também ensina humildade”.

O elogio está intimamente ligado à forma como as crianças vêm a sua inteligência. Se ouvem louvores constantes por serem naturalmente espertas, talentosas ou dotadas, desenvolvem aquilo a que se chama uma mentalidade ‘fixa’ (a sua inteligência é fixa e eles possuem-na). Por contraste, as crianças a quem é dito que a sua inteligência pode evoluir com o trabalho e educação desenvolvem uma mentalidade de crescimento (podem fazer evoluir as suas capacidades porque trabalham arduamente por isso). (Pais à Maneira Dinamarquesa, p. 57)

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São otimistas e, ao mesmo tempo, realistas

Aqui entra a noção do “otimismo realista”, isto é, a capacidade de reenquadrar uma situação tensa, uma coisa que, afirmam as autoras, os dinamarqueses fazem há bastante tempo. “Eles ensinam aos seus filhos esta valiosa competência, e aprender a reenquadrar desde cedo ajuda-os a crescer para se tornarem naturalmente melhores a fazê-lo em adultos”, escrevem Jessica e Iben. A ideia não passa por ser-se extremamente otimista, antes prático, no sentido em que se dá destaque a um lado alternativo de uma mesma história — é uma questão de perspetiva. Referindo um conjunto de estudos, as autoras argumentam que o reenquadramento ajuda na forma como o medo, a dor e a ansiedade são interpretados, afirmando que esta capacidade está diretamente relacionada com a linguagem que é usada.

A nossa linguagem é uma escolha, e é fundamental porque forma o enquadramento através do qual vemos o mundo.” (Pais à Maneira Dinamarquesa, p. 76)

Levam a empatia muito a sério

Por empatia entende-se a capacidade de reconhecer e compreender os sentimentos dos outros, uma ferramenta que parece estar cada vez mais em desuso entre os mais novos. Exemplo disso é um estudo da Universidade do Michigan, nos EUA, que mostrou que atualmente o estudantes universitários têm menos 40% de empatia que os estudantes da década de 1980 e 1990. Em contrapartida, dizem as autoras da obra em questão, o narcisismo aumentou significativamente. Mas porque é que é a empatia é tão importante? Eis a resposta:

A empatia facilita a nossa ligação com outros. Desenvolve-se na infância através da relação com a figura de afeto. Uma criança aprende, em primeiro lugar, a sintonizar-se com as emoções e estados de espírito da sua mãe e, mais tarde, com as de outras pessoas. É por isso que o contacto visual, as expressões faciais, o tom de voz e outras atitudes, são tão importantes no início de vida”. (Pais à Maneira Dinamarquesa, p. 103)

Os dinamarqueses levam a empatia tão a sério que esta é considerada uma espécie de disciplina, com direito a ocupar uma hora por semana do calendário escolar, tendo em conta crianças dos seis aos 16 anos.

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Fazem do “Hygge” uma forma de vida

Hygge, que se pronuncia “huga”, significa aconchego e para os dinamarqueses é uma forma de estar na vida. É, na sua essência, um conceito que promove a proximidade entre amigos e familiares, que envolve uma atmosfera acolhedora, a entreajuda de todos e o deixar o drama e os desejos individuais de parte em nome da união de grupo, sem telefones ou tablets por perto.

Aprendendo o hygge podemos melhorar as reuniões familiares para as tornar experiências mais agradáveis e memoráveis para os nossos filhos. Deixando o ‘eu’ à porta e concentrando-nos no ‘nós’, podemos eliminar muito do drama e negativismo desnecessários por vezes associados às reuniões familiares. Famílias felizes e um forte apoio social geral crianças mais felizes. (Pais à Maneira Dinamarquesa, p. 168)

E como é em Portugal?

Qualquer comparação é injusta, convenhamos, mas importa tentar perceber porque é que, à partida, os pais dinamarqueses podem ser diferentes dos portugueses. Certo que um recente estudo internacional sobre mobilidade infantil colocou Portugal no fim da lista e classificou os pais portugueses como sendo dos mais protetores no mundo. Mas até dados resultantes de uma pesquisa global devem ser contextualizados, assegura Maria Filomena Gaspar, docente na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade de Coimbra.

“A parentalidade em português é a parentalidade em Portugal. Não é apenas o resultado das relações pai e filho, mas também o resultado das expetativas sociais que os pais têm de enfrentar”, diz a também terapeuta e mediadora familiar, que assegura que a sociedade portuguesa tem um discurso dúbio — por um lado responsabiliza os pais, por outro carece na oferta de condições para uma “parentalidade positiva”. Maria Filomena Gaspar fala nos horários de trabalho reduzido dos dinamarqueses, quando há crianças pequenas à mistura, e também na licença de maternidade que naquele país pode chegar às 52 semanas (sim, um ano).

Fala ainda da conjuntura económica e também das questões culturais, lembrando que até 1974 a maioria dos portugueses não tinha acesso à escolaridade. Mais, segundo a própria, “as escolas discriminam as famílias, pagamos aos professores [tendo em conta as explicações] quando os nossos filhos têm insucesso escolar, enquanto na Dinamarca a função da escola é conseguir que todos os alunos consigam atingir aquilo que é o seu nível de competência”.

E quanto aos pais protetores, a docente comenta que até 1970 muitos portugueses viviam na aldeia, onde todos se conheciam e o perigo seria diminuto, realidade que se veio a alterar drasticamente. “Começámos a trazer pessoas para a urbe e começámos a assistir a novos tipos de famílias. Isso criou a necessidade de proteger os filhos de perigos com os quais os pais não sabiam lidar.”

As sociedades devem estruturar-se para dar autonomia às crianças, assegura Maria Filomena Gaspar. “Tem de ser uma missão da sociedade, não só da família.”