O Governo está confiante que vai conseguir fechar o ano com um défice de 2,4%, abaixo dos 2,5% exigidos pelos compromissos assumidos com a União Europeia. Ainda assim fica acima dos 2,2% com que se comprometeu no Orçamento deste ano, apurou o Observador. As contas para o próximo ano estão mais difíceis, com a necessidade de conciliar as cedências aos partidos com os quais o PS tem um acordo de incidência parlamentar e a intransigência da Comissão Europeia, mas para já o Governo aponta a um défice de 1,7% em 2017.
António Costa já o tinha dito e será isso mesmo que o Governo irá inscrever no orçamento: um défice abaixo do acordado com Bruxelas, que coloca Portugal fora do procedimento por défice excessivo. O Governo espera conseguir que o défice fique em 2,4% do PIB este ano, número que boa parte das organizações internacionais (e algumas nacionais) considera otimista.
O valor com que o Governo está a trabalhar consegue-se, em parte, devido a uma travagem a fundo nas despesas de investimento, e mesmo em algumas de funcionamento, em áreas como a saúde ou no controlo de gastos com empresas públicas. Os riscos de derrapagem nas contas de 2016 aumentam por a receita fiscal continuar muito abaixo do previsto para a parte final do ano e ainda devido à pressão das despesas com pessoal (apontada pela UTAO).
O Governo lançou também um perdão fiscal praticamente idêntico ao do anterior Executivo em 2013, sensivelmente na mesma altura do ano (o Governo desmente, porém, que seja um perdão fiscal). O perdão de 2013, que tinha o objetivo de se conseguir atingir a meta do défice, chegou a ser criticado até pelo FMI, quando a troika de credores controlava a execução do memorando em Portugal.
A diferença poderá estar na possibilidade de os devedores pagarem a prestações durante até mais de uma década. Segundo o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a medida faz com que a questão da receita extraordinária para este ano (sobre a qual diz não ter estimativas) saia de cima da mesa. Mas os contribuintes podem ser obrigados a pagar pelo menos 8% da sua dívida, logo à cabeça para aceder a este perdão, segundo o Jornal Económico, o que faria as verbas entrarem nas contas já deste ano.
As dificuldades do próximo ano
Mas se o caminho para cumprir a meta do défice deste ano parece ser estreito – como prova o ceticismo de organizações internacionais como o FMI e a Comissão Europeia -, a verdade é que o próximo ano pode trazer mais dificuldades. Para já, o Governo ajustou a meta do Programa de Estabilidade para cima em três décimas, de 1,4% para 1,7%, um valor que ainda pode sofrer alterações dependendo das negociações com os partidos e com Bruxelas.
Em primeiro lugar, o Executivo tem de encontrar medidas para cortar o défice estrutural em 0,6 pontos percentuais do PIB. Ou seja, o esforço orçamental para reduzir o défice – que não através do crescimento económico – terá de ser equivalente a pelo menos 1100 milhões de euros.
No Programa de Estabilidade, o Governo só se comprometia com um ajustamento de 0,35% do PIB, mas a Comissão Europeia fez saber logo em agosto — quando deu mais um ano a Portugal para sair da situação de défice excessivo –, que queria mais 0,25 pontos percentuais de ajustamento, para além dos 0,35 previstos.
Este foi o compromisso do Governo perante Bruxelas que levou a Comissão Europeia a cancelar a multa, e esta já transmitiu ao Governo que não pretende abdicar desse compromisso. Por isso, não só o Governo tem de apresentar medidas para cumprir este objetivo, como estas têm de ser validadas pela Comissão Europeia: têm de ter valor suficiente e ser consideradas de caráter estrutural (ou seja, permanentes).
Caso isso não aconteça, mesmo que o Orçamento não seja chumbado pela Comissão Europeia nas semanas que se seguem à entrega do orçamento (a Comissão tem duas semanas para decidir), a questão das sanções volta a colocar-se. O orçamento vai contar como o relatório que as autoridades europeias exigem a Portugal para que o país comprove que as exigências do Conselho para evitar sanções estão a ser cumpridas.
A Comissão tem ainda avisado publicamente que, apesar de não considerar a suspensão parcial de fundos europeus uma sanção, a verdade é que está a fazer depender o levantamento dessa suspensão às garantias que o Governo colocar no orçamento de que vai cumprir as metas com que se comprometeu.
Os problemas a ultrapassar na “geringonça”
Outra questão é conciliar o esforço exigido com Bruxelas com as exigências que o Bloco de Esquerda e o PCP podem vir a colocar.
Nesta fase, o Governo está a tentar encontrar uma forma de financiar o aumento das pensões que está a ser discutido por proposta tanto do PCP, como do Bloco de Esquerda. O aumento em 10 euros das pensões mais baixas pode custar ao orçamento mais de 400 milhões de euros, um valor que tem de ser encontrado no orçamento e com as restrições acima enunciadas.
A isto acresce que 2017 será o primeiro ano completo com pagamento por inteiro dos salários da Função Pública sem cortes, com o IVA na restauração nos 13% e com o regresso às 35 horas em alguns setores, e com a sobretaxa de IRS completamente eliminada, o que acrescenta mais pressão sobre as contas públicas face ao ano em curso.
Costa na China, Centeno em Washington
As negociações para conseguir um acordo para o Orçamento do Estado do próximo ano vão continuar com os partidos até à próxima semana, altura em que o Governo tem de apresentar o documento na Assembleia da República, mas por uns dias terão de sobreviver sem o primeiro-ministro e sem o ministro das Finanças.
António Costa estará na China estará fora do país entre esta sexta-feira e, pelo menos, a próxima quarta-feira, onde realiza uma visita oficial a Pequim, Xangai e Macau. Mário Centeno estará em Washington esta sexta-feira a participar nos encontros anuais do Fundo Monetário Internacional, mas voltará de seguida para continuar o trabalho na semana decisiva do orçamento. O secretário de Estado do Tesouro, Ricardo Mourinho Félix, ficará para o segundo dia de reuniões em representação do ministro.