O Dia Mundial do Pão celebra-se anualmente a 16 de outubro. Mas para o portuense Mário Rolando, de 47 anos, todos os dias são dia do pão. É assim há quase década e meia, desde o primeiro contacto que teve com aquele a que chama “o papa do pão”, o Engº Vítor Moreira. “Foi o meu grande mestre, bastou uma aula com ele para perceber que queria ser padeiro”, recorda.
O Engº Vítor Moreira ensinou-me a olhar para o pão com respeito e cabeça de cientista, fez-me vê-lo e entendê-lo do seu ponto de vista técnico e científico.”
A epifania deu-lhe um rumo. Mário era advogado, trabalhava na área do Direito da Família e Proteção de Menores, mas há muito que tinha consciência de que aquela carreira não era para ele. “Soube logo no primeiro exame da faculdade que não era aquilo.” Ainda explorou outras áreas, como a Filosofia ou a História da Arte, mas foi preciso mudar de vida e inscrever-se na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril para encontrar a sua verdadeira vocação. E até já estivera perto dela, em tempos: “Tinha uma bisavó algarvia com quem passava férias e sempre que estava com ela amassávamos e cozíamos pão uma vez por semana.”
A história do pão na Humanidade é como Mário: tem barbas. E bem grandes. “Há 6000 anos que fazemos e comemos pão. É o primeiro dos alimentos”, explica. Então porque é que há tanta gente a crucificá-lo e a riscá-lo das dietas atualmente? “A condição essencial para ter pão bom e saudável é tempo. Só que hoje vivemos num mundo vocacionado para o consumo imediato, e a maior parte do pão que é consumido vem de panificadoras que estão carregadas de matéria-prima industrial.”
Porque é melhor e mais saudável este pão?
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A utilização de uma massa-mãe e a subsequente fermentação lenta e natural do pão, permite-lhe ganhar sabor, poder de conservação e, importante, torná-lo de muito mais fácil digestão, permitindo ainda uma absorção mais imediata dos respetivos nutrientes. Se não se der ao pão o devido tempo de fermentação este vai acabar por completar esse processo dentro do nosso organismo, podendo causar o tal inchaço e mal-estar que muita gente associa ao consumo de pão.
O pão que Mário Rolando defende, produz e ensina a produzir é o contrário desse. É pão bão, expressão que adotou como página de Facebook onde vai dando a conhecer o seu trabalho. É pão feito à antiga, recuperando métodos e princípios que se desaprenderam com o tempo. E pela falta dele. “Uso grãos de farinha acabados de moer em mós de pedra, fermentações de longa duração e massas-mãe selvagens, que dão sabor ao pão”, revela. Essas massas-mãe, também conhecidas por isco — os ingleses, por exemplo, chamam-lhe starter –, são a base desta filosofia do pão: trata-se de uma levedura natural que qualquer pessoa pode fazer em casa e que, bem cuidada, pode durar uma vida.
Mário é formador há já alguns anos na Associação de Cozinheiros Profissionais de Portugal (ACPP) e no Centro de Formação Profissional para o Setor Alimentar (CFPSA) da Pontinha, além de também dar cursos por conta própria, que faz questão que aconteçam em ambiente de padaria. Nos últimos tempos tem ainda marcado presença em diversos jantares e festivais, como o Sangue na Guelra ou o Peixe em Lisboa, onde argumentou, por palavras e atos, a favor desta forma de confecionar e, como gosta de dizer, “dignificar o pão”.
A experiência que tem tido leva-o a afirmar, sem reservas, que ao longo do próximo ano “vão rebentar que nem cogumelos as padarias de fermentação longa, no Porto e em Lisboa.” Já quem quiser provar os seus pães deverá estar especialmente atento, porque deverão surgir novidades neste campo muito em breve. “Ainda estamos em testes”, vai adiantando Mário. Aguardemos de faca na mão. Porque se o bom pão exige bom grão, como diz o ditado, também exige muita paciência.