Durante dois anos e meio dedicou-se quase obsessivamente a traduzir a obra lírica de Bob Dylan. Quatrocentas canções depois, Pedro Serrano teria dado o Nobel da Literatura a Leonard Cohen, que é “um poeta mais perfeito”.

“A partir do momento em que vamos premiar alguém que fez algo pela poesia na música popular, eu não teria escolhido Bob Dylan, teria escolhido Leonard Cohen”, disse o médico, escritor e tradutor em entrevista à Lusa.

Bob Dylan foi distinguido com o Prémio Nobel da Literatura 2016 por “ter criado uma nova expressão poética dentro da grande tradição da canção norte-americana”, segundo a Academia Sueca.

No sábado, o músico não estará em Estocolmo para receber o prémio, porque tem “outros compromissos”, algo que não surpreende os fãs e conhecedores, habituados à sua imprevisibilidade.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

No entanto, já agradeceu a distinção e enviou um discurso que será lido durante a cerimónia de entrega de prémios, na qual a norte-americana Patti Smith, admiradora de Bob Dylan, vai interpretar uma das suas canções, “A Hard Rain’s A-Gonna Fall”.

Em entrevista à Lusa após ser conhecida a atribuição do Nobel a Dylan, Pedro Serrano, tradutor, juntamente com Angelina Barbosa, de Canções, a obra lírica de Dylan, mostrou-se surpreendido, “como toda a gente”, em primeiro lugar por o Nobel “ter ‘descido’ à música popular”. Recordou que Bob Dylan foi o primeiro que “injetou na música a literatura”.

“Até à altura em que ele apareceu (1962), as letras da música popular, do rock, da pop, da folk (…) eram umas letras primárias e um bocadinhos infantis, baseadas em relações amorosas de adolescentes. As letras dele são completamente diferentes, são complexas, contam histórias com uma linguagem complexa”, afirmou.

Por ter sido o primeiro e por ter aberto um caminho que mudou tudo o que se faria daí para a frente, o Nobel de Dylan “é totalmente merecido”.

No entanto, considerando tudo o que se fez desde então, Pedro Serrano não escolheria Dylan para o Nobel da Literatura, mas sim Leonard Cohen.

“Antes de ser músico, ele era um poeta e tem obra publicada de poesia. A sua poesia é uma poesia que se aguenta muito melhor sem a música do que a do Bob Dylan. O Bob Dylan é um poeta muito mais imperfeito”, afirmou.

Com o conhecimento de quem traduziu cerca de 400 canções, escritas por Dylan entre 1962 e 2001, Pedro Serrano diz que Dylan “tem coisas com uma qualidade literária boa e outras com uma qualidade literária medíocre”.

Questionado sobre o que mudou na sua visão sobre Dylan após a tradução de Canções, o médico disse que não passou a admirá-lo mais.

“Até pode ter sido um processo levemente inverso, porque o Dylan é desigual em termos da qualidade poética. Tem alguns discos em que, quer as letras, quer as músicas, são uma desilusão”, diz, lembrando como “uma desgraça” a fase após o músico se converter ao cristianismo.

“O que me surpreendeu no Dylan foi essa irregularidade na qualidade do que faz, que não se encontra tanto no Leonard Cohen, que não tem fases más”.