Luaty Beirão estava discreto, nas galerias do Parlamento, quando a deputada do PS, Isabel Moreira, subiu ao púlpito para uma declaração — a título individual, sem comprometer o PS — a arrasar o regime angolano, a que chamou de “ditadura brutal“, atirando-se à elite “corrupta” de Luanda. A socialista não foi aplaudida pela maioria do hemiciclo, mas Luaty teve aplausos de deputados de todas as bancadas, à exceção do PCP (embora também tenham sido poucas no “centrão”). O rapper e ativista anti-regime de José Eduardo dos Santos — que esteve 36 dias em cativeiro e em greve de fome, após ter sido detido numa manifestação — agradeceu o gesto.

Isabel Moreira começou precisamente por dizer que a figura regimental que utilizou para o apoio a Luaty apenas a comprometia a si e não à bancada do PS, mas que não poderia “ignorar a presença simbólica de Luaty Beirão hoje aqui no Parlamento.” Isto apesar de, quando estava preso, “Luaty não ter tido boas notícias desta casa” (o Parlamento português não aprovou voto de condenação à prisão do ativista), conseguindo, mesmo assim, uma “vitória da coragem sobre o medo.”

Para Isabel Moreira Luaty desafiou uma ditadura “brutal” e “corrupta”, conseguindo “despir o regime” daqueles que traíram a independência do país, tornado-o numa “colónia privativa”. A deputada do PS lembrou que o país tem uma “cúpula corrupta”, um líder há mais de 40 anos no poder, um Estado que controla “ostensivamente a imprensa, que é um órgão de propaganda do regime” e que o ativista enfrentou tudo isso. “A greve de fome por 36 dias não foi uma decisão banal”, recordou.

Isabel Moreira diz que “numa era que voltamos a falar da banalidade do mal, é importante não banalizarmos a coragem” e assumiu estar ao lado de Luaty nesta luta. “Ele vai até ao fim porque não aceita a amnistia, porque não cometeu nenhum crime.” E deixou um repto: “Conseguiste Luaty, a luta continua. Liberdade já!”

A bancada do Bloco de Esquerda — cuja liderança da bancada recebeu Luaty — aplaudiu de pé, houve também palmas de vários deputados do PS, de alguns deputados do PSD (Duarte Marques foi o mais efusivo e levantou-se para aplaudir o angolano) e do CDS (onde Teresa Caeiro foi a deputada que mais aplaudiu o discurso de Isabel Moreira, tendo sido secundada por Ana Rita Bessa). Na bancada do PCP — que ainda no último congresso elogiou o regime angolano (“Angola vencerá”, gritaram os comunistas entre vivas ao regime de José Eduardo dos Santos) — ninguém se manifestou.

Luaty Beirão utilizou a greve de fome como forma de protesto contra a sua detenção e de mais 13 ativistas que estavam reunidos a debater o livro livro: “Ferramentas para destruir o ditador e evitar nova ditadura — Filosofia política da libertação para Angola”. A obra do jornalista Domingos Cruz é proibida em Angola e só circula na clandestinidade e inspira-se em Gene Sharp, cuja obra defende uma forma de luta pacífica nos conflitos mundiais. Isso não impediu os ativistas de serem acusados de tentativa de atentado contra o presidente angolano. A greve de fome terminou a 26 de outubro de 2015, Luaty foi julgado a 28 de março de 2016 e condenado a cinco anos e seis meses de prisão. Recorreu para o Supremo e, caso não seja aceite o recurso, poderá ser novamente encarcerado, como lembrou esta quarta-feira Isabel Moreira.

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