A jornalista Catarina Marques Rodrigues venceu o prémio Arco-Íris 2016 com o trabalho A vida no Colégio Militar: “Parece um Big Brother” publicado no dia 1 de abril de 2016 no Observador. Além de retratar o dia a dia na instituição, a reportagem denunciou a existência de situações de discriminação em relação a alunos homossexuais.

“Nós temos três tabus no colégio: drogas, homossexualidade e roubos”. A tríade é apontada por Tomás Bastos. O n.º 192 já soma seis anos a estudar, a viver e a dormir no Colégio Militar. Sabe o certo e o errado dentro daquelas paredes. “Homossexualidade aqui não é aceitável”, reitera. E se um amigo lhe disser que é homossexual? Aqui, Tomás hesita. “Isso é um bocadinho complicado porque nunca aconteceu… Deve ser muito difícil para um homossexual estar a dormir todos os dias com rapazes. É como um homem e uma mulher, ele vai acabar por apaixonar-se. Ele vai mostrar algum afeto”.

O diretor defende que “essas situações têm de ser tratadas com algum cuidado”. Lembra que “aqui há uns anos, no Exército, era motivo para expulsão direta, quer do quadro permanente, quer contratados”. Mas o Colégio Militar não é um conjunto de mini-tropas e, aqui, “as situações têm de ser tratadas com os pais”. Mas garante: “Não expulsamos ninguém por ser homossexual”.

Questionado sobre se a homossexualidade é ou não realmente um tabu, o subdiretor faz alguns segundos de silêncio. Está a medir as palavras, está a elaborar uma resposta. “Hummm… Como é lógico, a sexualidade é um tema aberto na sociedade e a homossexualidade é aceite legalmente. Podemos dizer que [haver esse tabu] é uma maneira de salvaguarda do são relacionamento entre eles no internato. Repare, eles não se cobrem para nada, não se escondem para nada, não têm armários fechados… para poderem viver como irmãos que são. E na salvaguarda desse relacionamento, é bom que não haja afetos”.

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Mas esta tríade de tabus é passada para eles? “Não é passada para eles. É deles. Sempre que ocorre qualquer situação dessas, sabemo-lo imediatamente. Eles próprios se encarregam disso“. Mas o plano de ação não é o mesmo para quem rouba, para quem consome drogas ou para quem é homossexual. “Nas situações de furto e de droga é transferência imediata de escola. Nas situações de afetos [homossexuais], obviamente não podemos fazer transferência de escola. Falamos com o encarregado de educação para que percebam que o filho acabou de perder espaço de convivência interna e a partir daí vai ter grandes dificuldades de relacionamento com os pares. Porque é o que se verifica. São excluídos”, garante o responsável.

Depois destas declarações, a reações surgiram em catadupa, com o ministro da Defesa a considerar inaceitável que tal pudesse acontecer dentro do Colégio Militar e a pedir a abertura de um inquérito. Seguiu-se também a condenação por parte da Associação Nacional de Sargentos. O Chefe de Estado Maior do Exército pediu a exoneração, que foi prontamente aceite por Marcelo Rebelo de Sousa, e o diretor do Colégio acabou por ser substituído. A 5 de outubro, ficou escrito no regulamento interno do Colégio Militar que os alunos não podem ser discriminados em razão da orientação sexual, saúde e identidade de género.

No texto que anuncia a entrega do prémio ao trabalho do Observador, a ILGA Portugal afirma:

Ouvindo estudantes e dirigentes, Catarina Marques Rodrigues recolheu as suas perceções sobre a homossexualidade, mostrando um “tabu” passado entre gerações e sobretudo as práticas discriminatórias de exclusão, do silenciamento dos alegados “afetos” até ao convite dissimulado à expulsão ou transferência de alunas e alunos homossexuais.
A onda de indignação com base na peça desta jornalista levou a uma posição forte do Ministro da Defesa condenando a discriminação, seguindo-se demissões quer do Chefe do Estado-Maior do Exército quer no Colégio Militar. Mais: esta peça abriu espaço para que ex-alunos e alunas pudessem falar abertamente sobre a violência que sentiram nesta e noutras instituições de ensino, cuja responsabilidade é também a de proibir a discriminação e garantir a inclusão de todas as pessoas.
Catarina Marques Rodrigues é uma jornalista bem atenta às questões sobre a discriminação das pessoas LGBT e continuará certamente a lembrar-nos que ainda há mesmo muito por fazer para garantir o fim da discriminação. O contributo do seu trabalho este ano foi ímpar e celebramo-lo, por isso, com o nosso forte aplauso.

O prémio será entregue numa cerimónia no dia 14 de janeiro às 21h30 no Mercado da Ribeira, em Lisboa. A ILGA Portugal atribui anualmente os Prémios Arco-Íris como forma de reconhecimento e incentivo a personalidades e a instituições que, com o seu trabalho, se distinguiram na luta contra a discriminação com base na orientação sexual e na identidade de género.