O conflito na Síria tornou-se um “cancro à escala global” e António Guterres tem “esperança” de que possa, enquanto secretário-geral das Nações Unidas, contribuir para “estender pontes” e “superar relações de desconfiança” entre os principais intervenientes no processo. “Se aqueles que têm influência sobre a situação decidirem acabar com o conflito, os sírios propriamente ditos não tem condições para continuá-lo eternamente”, disse à SIC o ex-primeiro-ministro português que vai liderar a ONU a partir de 1 de janeiro, com um mandato de cinco anos.

As declarações de Guterres surgem no âmbito da primeira entrevista que concedeu após a eleição de outubro.

Se fosse sírio, Guterres sentiria uma “profunda revolta” em relação à ONU, pela forma como a população tem sofrido com o braço de ferro entre rebeldes e forças governamentais.

Para Guterres, é hoje claro que, “sem apoios externos, o conflito não seria possível“. O futuro secretário-geral das Nações Unidas considera que “há uma consciência crescente de que isto se transformou num cancro à escala global“. Já não é o “sofrimento” sírio, “horrendo”, que está em questão. O conflito na síria tem um “impacto extremamente negativo para a estabilidade regional” e provocou ondas de choque que afetam a Europa no seu coração.

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Os ataques terroristas são a face mais visível e imediata desse impacto, mas não a única. A imagem de uma multidão a “entrar pelas fronteiras” europeias, como se de um movimento “caótico” se tratasse, a juntar à “incapacidade de a Europa se unir” acabou por dar origem a esse movimento encarado com receio. E isso “acabou por aproveitar aos populismos“, que vivem da exploração das “ansiedades” e “medos” das populações, analisa Guterres.

Em Portugal isso não se passou. “Tivemos duas campanhas eleitorais muito fortes”, presidenciais e legislativas, em que se viveu um “clima político bastante tenso” mas em que ninguém levantou a questão dos imigrantes.

Em Portugal, ninguém ganhou votos com o ódio e a intolerância“, sublinha o próximo secretário-geral das Nações Unidas, confessando o “orgulho em ser português”.

Guterres entra em funções este domingo. E, se é certo que já se encontrou com Vladimir Putin depois da eleição — “tivemos uma excelente reunião de trabalho” –, a verdade é que ainda não se reuniu com o presidente eleito norte-americano, Donald Trump. “Terei maior interesse em visitar Trump, logo que seja possível”, garante.

Mesmo quando, tudo indica, a relação com Washington não vá ser fácil no que toca ao combate às alterações climáticas. “Haverá, seguramente, por parte do governo, uma posição diferente da do anterior”, mas essa eventual mudança contará com uma “posição na sociedade americana muito interessante”, com “enormes inovações em matéria de indústria e energia” favoráveis ao respeito pelo acordo de Paris.