A ex-presidente argentina Cristina Kirchner e membros do seu Governo vão ser investigados pelo alegado encobrimento de iranianos suspeitos de um atentado que fez 85 mortos em 1994, após um recurso ter levado à reabertura do caso. A resolução judicial foi anunciada na quinta-feira, quase dois anos depois de o procurador Alberto Nisman ter sido encontrado morto quatro dias após ter denunciado que um acordo assinado entre a Argentina e o Irão tentou encobrir os supostos responsáveis pelo ataque contra a seguradora judaica AMIA de Buenos Aires, com o fim de melhorar as relações comerciais bilaterais.

O caso foi reaberto na sequência de um recurso apresentado pela Delegação de Associações Israelitas Argentinas (DAIA), braço político da comunidade judia local.

Além disso, tal como foi requerido, o tribunal aceitou a DAIA como queixosa e afastou os juízes que intervieram até agora neste caso, para garantir a imparcialidade.

“Agora acusam-me de encobrir o atentado da AMIA ocorrido há… 22 anos e meio! Só falta acusarem-me da morte de [John] Kennedy”, escreveu Cristina Kirchner nas redes sociais, numa referência ao ex-presidente dos Estados Unidos assassinado em 1963.

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Em declarações ao canal TN, o presidente da DAIA, Ariel Cohen Sabban, afirmou que neste caso houve “muitos indeferimentos e recursos judiciais”, mas que a entidade que lidera “vai continuar com a batalha judicial até às últimas consequências”.

Em 2013, durante o Governo de Cristina Kirchner (2007-2015), a Argentina assinou com o Irão um memorando de entendimento para tentar clarificar o atentado, atribuído ao grupo terrorista Hezbollah.

O acordo estabelecia a criação de uma comissão de especialistas para rever o processo judicial e o envio do juiz responsável pelo caso a Teerão, para interrogar os suspeitos.

Contudo, o memorando foi declarado inconstitucional na Argentina e nunca foi ratificado pelo Irão.

Nismam, procurador especial a cargo da investigação, considerava que esse pacto era um instrumento para encobrir os iranianos suspeitos do ataque, entre os quais o ex-Presidente Ali Akbar Rafsanjani, e apresentou, a 14 de janeiro de 2015, a sua denúncia à Presidente, ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Héctor Timerman, e ao deputado Andrés Larroque.

“Como representantes das filhas do procurador, estamos convencidos de que foi assassinado como consequência desta denúncia”, afirmou na quinta-feira o advogado Romero Victorica.

Nisman, que morreu um dia antes de expor a sua denúncia ao Congresso, disse ter provas, recolhidas através de escutas telefónicas, das manobras do Governo para “limpar o Irão do caso AMIA”.

“Decidiu fabricar a inocência do Irão”, disse Nisman sobre Cristina Kirchner no documento de denúncia, em que afirmava que as negociações com Teerão começaram em 2011, quando a Presidente decidiu aproximar-se para “restabelecer relações comerciais plenas” e superar “a crise energética argentina mediante um intercâmbio de petróleo por cereais”.

Kirchner, cujo mandato terminou em dezembro de 2015, afirmou, após a morte de Nisman, que o caso era uma conspiração para desestabilizar o seu Governo, negando as acusações. Reiterou na quinta-feira ser vítima de uma perseguição política e judicial.

O atentando contra a AMIA foi o segundo contra judeus na Argentina, depois de 29 pessoas terem morrido em 1992 na explosão de uma bomba em frente à embaixada de Israel em Buenos Aires, um caso que também continua por esclarecer.