A antropóloga Rita Ávila Cachado conheceu Bina Achoca em 2000. E depressa se deixou impressionar pelos dotes culinários desta. “Muitas vezes vi a Bina cozinhar e muitas vezes ela partilhou comigo as suas refeições. Qualquer coisa simples que fazia, estava sempre maravilhoso”, recorda. Os momentos passados na cozinha e à mesa foram tantos e tão bons que uma ideia surgida por brincadeira entre as duas amigas — “Fomos dizendo uma à outra que qualquer dia escrevíamos um livro com as receitas da Bina” — foi ficando cada vez mais séria. Tão séria ficou que acabou por ganhar pernas e material para andar. “Fui recolhendo num caderninho as suas receitas; houve várias vezes que a recolha era acompanhada da própria confeção e às tantas tínhamos material para fazer um livro.”, conta Rita.

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“Coentros & Garam Masala” foi editado pela Marcador e custa 18,95€.

A esse livro, Bina e Rita deram o nome de “Coentros & Garam Masala”. Lançado em novembro, reúne, ao longo de 155 páginas, uma série de receitas da cozinha indiana-gujarati — a designação refere-se à província do Gujarate, no noroeste da Índia. É dessa região que vêm as raízes familiares de Bina, que nasceu em Maputo, e são essas receitas que adotou como suas desde muito cedo: aos 10 anos já sabia fazer caril de feijão ou batata e até o próprio roti, um pão redondo e achatado típico do Sul da Índia.

Tendo crescido numa família vegetariana, a autora só começou a cozinhar carne e peixe depois de casar e vir para Portugal. Só que hoje em dia fá-lo tão naturalmente que ao livro nem sequer falta uma receita de moelas com tempero gujarati. Mas a mais aguardada será a das chamuças, que faz frequentemente para fora, a pedido, e que os seus amigos consideram ser as melhores de Lisboa. Ei-la aqui em baixo.

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Chamuças de legumes, por Bina Achoca

“Coentros & Garam Masala”, um título-mandamento

O título do livro deve-se a uma frase repetida constantemente pela cozinheira durante a recolha das receitas, recordada por Rita: “No final de descrever a confeção, a Bina acabava sempre a conversa a dizer ‘no fim, antes de apagar o tacho, pões um molho de coentros frescos e um pouco de garam masala.'” E se os coentros não suscitarão grandes dúvidas, afinal o que é isso do garam masala? Resumidadmente, trata-se de uma mistura de especiarias essencial para elevar a fasquia de qualquer prato indiano e que, segundo a autora, “devia substituir o ‘caril’ que se compra nos supermercados comuns, que parece não levar mais do que cominhos e açafrão-da-índia.” O que levou à pergunta seguinte:

Bina, há truques para conseguir fazer o Garam Masala perfeito?
Não sei se há um garam masala perfeito [Rita diz que sim com a cabeça, rindo], mas leva noz-moscada, anis, pimenta preta, louro, cardamomo, pó de coentros e cominhos e cravinho da Índia. No máximo deve ficar guardado até seis meses. Garam Masala quer dizer mistura de especiarias “quente”, por isso é uma boa mistura para utilizar nos pratos de inverno, sobretudo. Como agora! Não se pode utilizar muito – para quatro pessoas não se deve pôr mais do que uma colher de café cheia, para não se sobrepor aos outros ingredientes, mas dá um toque especial.

Será que consigo?

A ideia de tentar reproduzir uma cozinha tão rica em sabores pode assustar à partida. Mas o livro ajuda a ganhar coragem: inclui uma introdução explicativa, com glossário, e um conveniente guia de compras essenciais, que indica o que se encontra em supermercados convencionais e/ou asiáticos. Além disso, Rita Ávila Cachado assegura que nem sempre o que parece complicado acaba por sê-lo:

Ao ver a Bina cozinhar, reparei que parecia mais simples do que imaginava o que seria a cozinha indiana. Separava tudo em pratinhos antes de cozinhar, e os pratos que eu achava difíceis, afinal demoravam pouco a fazer”

Outro mito que importa desfazer prende-se com a questão do picante, presença habitual e temida em grande parte das receitas indianas. Será este um livro apenas para quem gosta de sentir a boca a arder? Nada disso. “A cozinha indiana pode ser feita sem picante. O sabor mantém-se através dos outros ingredientes e da forma de cozinhar. Podemos substituir o piripiri por pimentão em pó”, explica Bina Achoca, antes de enumerar alguns truques para acalmar os seus efeitos: “Uma coisa que ajuda a cortar no picante é pôr umas gotas de sumo de limão no final da confeção. E outra coisa é acompanhar a refeição com lassi ou fazer um molho de iogurte, o raita.

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Bina Achoca aprendeu a cozinhar com apenas 10 anos, ainda em Moçambique. Aos 18 veio para Portugal e juntou ao seu portfólio receitas com peixe e carne, já que até aí fazia apenas pratos vegetarianos. (foto: © Gonçalo F. Santos)

O livro inclui cerca de 50 receitas, das entradas às sobremesas, com bebidas incluídas, como chá ou lassi. Ainda assim, houve algumas que Bina lamenta ter deixado de fora. “Por exemplo, ficou de fora o Chana Masala que é um caril de grão muito apreciado pelos portugueses; também há várias formas de fazer o pão, e no livro temos apenas duas (o roti e o puri), mas o nan que se come nos restaurantes tem uma receita simples e era interessante juntar. Não pusemos, pois idealmente deve fazer-se num forno de lenha, e em casa não há normalmente.”

E será este livro a antecâmara de um restaurante com Bina na cozinha? A autora não põe de parte a hipótese, mas antes disso tem outros planos: “Um dia, quem sabe… Mas antes de abrir um restaurante, o que eu mais gostava era de dar aulas de cozinha, fazer workshops, porque o meu maior sonho é ensinar estes pratos ao maior número de pessoas possível.” Foi um belo começo.