José Sócrates tinha o hábito de anunciar “boas notícias” a Cavaco Silva quando se deslocava ao Palácio de Belém para as reuniões semanais com o Presidente da República. Mas, com o tempo, os dados que o então primeiro-ministro comunicava ao Chefe de Estado começaram a deixar de o impressionar favoravelmente. “Demorou pouco tempo até eu perceber que se tratava de uma tática de abertura do diálogo. Frequentemente, as palavras não se conformavam à realidade dos factos e passei a olhar desconfiado para as palavras do primeiro-ministro”, escreve o antigo Presidente da República no livro que será publicado na próxima quinta-feira e que regista as memórias de Cavaco durante o período em que ocupou o cargo.

Na pré-publicação, que pode ser lida [paywall] na edição deste sábado do semanário Expresso, Cavaco Silva revela que o antigo primeiro-ministro se apresentava, “em geral”, preparado para as reuniões, que se realizavam às quintas-feiras. “Notava-se que tinha pensado” naquilo que queria dizer e evidenciava preocupação em antecipar as questões que o Presidente teria a intenção de lhe colocar, adianta o ex-Presidente.

A pontualidade de José Sócrates não era o seu ponto forte e esta tendência para chegar atrasado aos encontros em Belém chegou a ser motivo para, numa das 188 ocasiões em que se reuniram, Cavaco Silva ter comunicado a Sócrates que não o receberia. O diálogo entre os dois políticos, que por vezes se prolongava por mais de uma hora, era “vivo e intenso”, facto que leva o ex-Presidente a sublinhar o contraste com as conversas que manteve com Mário Soares, durante o período em que desempenhou o cargo de primeiro-ministro: “eram geralmente breves e sonolentas, dado o seu [de Soares] desinteresse pelas questões económicas e sociais”.

Sobre a relação com Pedro Passos Coelho, que sucedeu a José Sócrates em 2011, Cavaco realça a pontualidade e revela que se apresentava “geralmente sem uma preparação específica”. Entregava a iniciativa do diálogo ao ex-Presidente e “tinha tendência para se alargar nas respostas, o que levava à tendência para que as audiências fossem mais demoradas do que com o seu antecessor”. Passos, sublinha o antigo Presidente e ex-primeiro-ministro, revelava uma “preocupação de rigor e de verdade e, quando não tinha conhecimento completo do assunto, dizia-o abertamente”. O ainda líder do PSD era, em comparação com José Sócrates, mais controlado: “nunca alterava o tom de voz, exibia uma permanente tranquilidade e era diligente no envio da informação que lhe solicitava”.

O livro, intitulado “Quinta-feira e Outros Dias”, tem 29 capítulos, num total de 52, dedicados a casos ocorridos enquanto durou a coabitação entre Cavaco Silva e José Sócrates, que já ocupava o cargo de primeiro-ministro quando o antigo líder do PSD foi eleito, pela primeira vez, em 2006, para a Presidência da República. O lançamento do livro vai decorrer no Centro Cutural de Belém, em Lisboa, obra que foi concluída durante o período em que Cavaco esteve à frente do Governo.

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