O ex-diretor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) garantiu, esta terça-feira, nunca ter sido pressionado pelo antigo ministro da Administração Interna, Miguel Macedo e que o telefonema que lhe fez quando surgiram as primeiras notícias foi feito por engano. “Nunca me senti pressionado por este ministro”, afirmou Manuel Jarmela Palos esta manhã, no âmbito do processo dos Vistos Gold, em que está acusado de dois crimes de corrupção passiva para ato ilícito e um crime de prevaricação.
No segundo dia do julgamento, cujo processo conta com 21 arguidos, entre os quais Miguel Macedo, ex-ministro do Governo PSD/CDS, e António Figueiredo, antigo presidente do Instituto de Registos e Notariado (IRN), Manuel Palos afirmou que a sua relação com Miguel Macedo apenas começou em 2011, quando o social-democrata tomou posse do cargo de ministro da Administração Interna, e só ao fim de diversas reuniões, nas quais participou o antigo presidente do IRN, se apercebeu do “tratamento próximo” entre ambos, algo que disse não o ter espantado, já que Macedo tinha sido secretário de Estado da Justiça.
O ex-diretor do SEF falou num telefonema que fez ao governante na altura em que surgiram as primeiras notícias relativamente a irregularidades na atribuição de vistos gold. Chamada essa que, segundo Palos, foi feita acidentalmente. “Sem querer devo ter marcado o seu número de telemóvel. Não foi minha intenção ligar ao ministro, mas uma vez que estava em contacto, aproveitei e falei com ele [sobre as notícias]”, acrescentou, garantindo, contudo, que as notícias não foram o cerne da conversa.
Ainda sobre Miguel Macedo, o ex-dirigente do SEF disse ter recebido uma chamada do antigo governante a perguntar-lhe se “teria disponibilidade” para receber “o representante de uma empresa” que queria implementar um programa para receber doentes líbios em Portugal. Esse representante era Jaime Gomes, amigo pessoal e parceiro de negócios de Macedo, e ainda consultor da Intelligent Life Solution (ILS), empresa gerida por Paulo Lalanda e Castro. Palos disse ter-se reunido com Jaime Gomes três vezes, sempre no âmbito do programa.
Dois envelopes com 200 euros deixados por Figueiredo no SEF
Entretanto voltou a ser tema no interrogatório os alegados presentes deixados por António Figueiredo no SEF: as duas garrafas de vinho que ontem já tinham sido alvo de perguntas; e dois envelopes, cada um com 100 euros, também deixados pelo antigo presidente do IRN.
Questionado pelo procurador, Palos explicou que não se encontrava no SEF nessa altura e que tomou conhecimento da situação através de uma chamada feita por uma das suas secretárias, tendo-lhe dito para deixar esses envelopes na sua secretária e que trataria do assunto quando regressasse das suas férias de Natal.
Os envelopes, de acordo com ex-diretor do SEF, foram colocados nos cofres do organismo e entregues a António Figueiredo posteriormente. Na altura da devolução dos envelopes, o ex-presidente do IRN afirmou que se tratava de dinheiro para as duas secretárias de Palos comprarem perfumes, e terá justificado a devolução a António Figueiredo com o argumento de que “desconhecia a marca utilizada” por ambas.
Outros dois dos arguidos do processo são os empresários Zhu Xhiadong e Zhu Baoe. Questionado pelo procurador, Manuel Palos afirmou ter jantado em casa do casal Zhu, a convite de António Figueiredo. Apesar de se ter sentido constrangido, o ex-responsável do SEF disse ter ficado para jantar por uma questão de educação e passou a noite à conversa com um outro casal, na altura a estudar no Reino Unido. “[Quando saí] disse alguns palavrões por ter sido colocado naquela situação”, afirmou Palos.
“Sei que é com isto que vou ter de viver o resto da vida”
A questão das garrafas e dos envelopes foi novamente abordada por Rogério Alves, advogado de defesa de António Figueiredo. Manuel Palos adiantou que os envelopes tinham sido entregues na portaria, mas que a sua secretária nunca falou nas garrafas de vinho. Questionado sobre se os envelopes viriam da parte de António Rodrigues ou de Zhu Xhiadong, Palos disse desconhecer a origem dos mesmos. “Não era uma situação cómoda, não desenvolvi o assunto [com António Figueiredo]”, esclareceu.
Esta pergunta surgiu no âmbito de uma referência feita anteriormente pelo procurador relativamente a escutas nas quais o empresário chinês surge a afirmar que “se devia dar alguma coisa” a Manuel Palos.
“Fiquei indignado quando vi isso no processo. Nunca António Figueiredo insinuou alguma coisa sobre essa matéria”, garantiu o antigo dirigente do SEF.
Palos afirmou ainda “ter dedicado uma vida inteira” ao cumprimento da lei, lamentando o facto de este processo marcar a sua carreira. “Sei que é com isto que vou ter de viver o resto da vida. Isto deixa-me indignado, toda a minha vida, tudo o que consegui foi à custa de trabalho e dedicação”.
