No início do mês, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) anunciou que a campanha eleitoral para as eleições de agosto será conduzida por João Lourenço, vice-presidente do partido e atual ministro da Defesa. Aprovado como cabeça de lista a 2 de dezembro, Lourenço foi anunciado oficialmente a 3 de fevereiro pelo presidente José Eduardo dos Santos, que não irá integrar qualquer lista candidata. Presidente de Angola desde 1975, José Eduardo dos Santos anunciou no ano passado que se iria retirar da vida política em 2018.

Na primeira declaração pública depois do anúncio da candidatura, o ministro da Defesa angolano admitiu estar “preparado para assumir” o “desafio” que, apesar de difícil, não é impossível. “E quem vai conseguir não é o cidadão ou o militante João Lourenço, mas quem vai conseguir é o próprio MPLA que é uma verdadeira máquina. Sinto-me suficientemente respaldado para fazer frente a este desafio”, disse, citado pelo Jornal de Angola.

Apesar de já ter exercido vários cargos dentro do MPLA, Lourenço não é propriamente uma figura conhecida entre os angolanos. Na mesma declaração pública depois do anúncio da sua candidatura, João Lourenço considerou que não será para sempre “um eterno desconhecido”. “Sou quadro do partido há muitos anos e desempenhei muitas funções. Já fui secretário-geral do partido e nessa condição andei muito pelo país. Penso que o meu rosto é conhecido e sete meses são suficientes”, afirmou.

De modo a dar a conhecer o cabeça de lista, o partido tem vindo a organizar várias iniciativas um pouco por todo o país. Este sábado, Lourenço irá estar na cidade de Lubango, capital da província de Huíla, no sul do país, onde irá participar no primeiro comício de pré-campanha. Depois de Luanda, Huíla é o segundo maior círculo eleitoral de Angola.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A Constituição de Angola, aprovada em 2010, prevê a realização de eleições gerais a cada cinco anos, durante as quais são eleitos 130 deputados pelo círculo nacional e mais cinco pelos círculos eleitorais de cada uma das 18 províncias angolanas (num total de 90). Ainda não foi marcada uma data para as eleições, mas estas deverão acontecer em agosto.

O cabeça de lista do círculo nacional do partido ou coligação de partidos mais votado é automaticamente eleito Presidente da República e chefe do Executivo, conforme define a Constituição, moldes em que já decorreram as eleições de 2012 que deram mais uma vez a vitória a José Eduardo dos Santos, presidente desde 1979, cargo que assumiu após a morte de Agostinho Neto, o primeiro presidente de Angola.

Militar na reserva, amante de cavalos e jogador de xadrez

João Lourenço nasceu a 5 de março de 1954 em Lobito, na província de Benguela, filho de um enfermeiro e de uma costureira. Estudou no Instituto Industrial de Luanda e, depois do 25 de Abril, participou na luta de libertação nacional em Ponta Negra, em agosto de 1974. Com formação em artilharia pesada, exerceu funções de Comissário Político em diversos escalões, antes de se mudar para a Rússia onde, entre 1978 e 1982, estudou na Academia Superior Lénine. Aí recebeu formação militar e concluiu um mestrado em Ciências Históricas.

Uma vez regressado a Angola, participou em várias operações militares no centro do país e, ao longo dos anos 80 e 90, ocupou vários cargos militares e políticos. Segundo uma biografia disponível no site do Ministério da Defesa de Angola, desempenhou funções como Comissário Provincial do Moxico pelo MPLA, foi presidente do Conselho Militar Regional da 3ª Região Política Militar e 1º Secretário do Partido e ainda Comissário Provincial de Benguela. Foi também Chefe da Direção Política Nacional das FAPLA, depois da saída de Francisco Magalhães Paiva N’Vunda para o Ministério do Interior.

Ao longo dos anos, ocupou também várias posições dentro do MPLA, incluindo a de presidente da Bancada Parlamentar e de Secretário da Informação. General de três estrelas na reserva, ocupa atualmente o cargo de ministro da Defesa de Angola desde 2014. Em agosto do ano passado, foi nomeado vice-presidente do MPLA, transformando-se no principal candidato a substituir José Eduardo dos Santos.

Pai de seis filhos, Lourenço é casado com Ana Afonso Dias Lourenço, deputada do MPLA e antiga ministra do Planeamento, que ocupou um cargo no Banco Mundial em Washington até outubro de 2016, de acordo com o Rede de Angola. Amante do desporto, Lourenço joga futebol, karaté xadrez e equitação. Homem reservado e de poucas palavras (e às vezes até descrito como de poucos amigos), apesar da sua longa carreira ao serviço do Estado, João Lourenço é praticamente um desconhecido para a maioria dos angolanos. A par das muitas divisões que existem no seio do MPLA, esse será uma das principais dificuldades que terá de enfrentar durante a campanha eleitoral.

Ao Rede Angola, um membro do partido da oposição, que não foi identificado, frisou exatamente isso: “Ele tem pouco apoio das bases do partido e, ao mesmo tempo, precisa de trabalhar fortemente nas zonas peri-urbanas urbanas e rurais porque as pessoas não o conhecem bem”, afirmou. Para um jornalista contactado pelo site angolano, o que torna João Lourenço diferente dos outros militares “é o facto de ter passado pela administração do Estado como governador, primeiro em Moxico e depois em Benguela”. “Penso que mesmo tratando-se de uma experiência feita no contexto da guerra, deu-lhe conhecimento sobre os meandros da atuação política, o que faz com que não seja mais um militar entre vários”, salientou.

De acordo com o jornal Público, João Lourenço tem algumas ligações ao sector privado, sendo acionista do Banco Sol, o que o junta a um dos maiores investidores angolanos em Portugal, António Mosquito. O Rede de Angola descreve-o ainda como um crítico das teorias capitalistas mais radicais.

Indigitação de João Lourenço contestada pela oposição

A maior oposição à indigitação de João Lourenço como cabeça de lista do MPLA parece ter vindo da oposição. Para a UNITA, o presidente José Eduardo dos Santos “decidiu sair sem sair” ao anunciar o nome do ministro da Defesa como candidato. “Sobre a pseudo-sucessão de José Eduardo dos Santos por João Lourenço, a nossa posição é clara: o senhor presidente do MPLA decidiu sair sem sair. Continua a dirigir o MPLA na sua lógica de que é o partido que inspira a ação do Governo”, afirmou o secretário-geral da UNITA, Franco Marcolino Nhany, citado pela Agência Lusa.

Para Marcolino Nhany, a indicação do atual ministro da Defesa enquadra-se na lista de candidatos a deputados do MPLA mas “não na presidência do MPLA e muito menos na presidência da República”. “Nas repúblicas não há sucessões, há eleições e as eleições em Angola serão em agosto de 2017”, afirmou durante uma conferência de imprensa que decorreu na semana passada em Luanda.

O secretário-geral do MPLA considerou ainda que a candidatura de Lourenço foi imposta por José Eduardo dos Santos, que “continua a impor, a todo o custo, a sua vontade”. “Quem executa a sua vontade passa a ser uma outra pessoa, que não foi eleita por sufrágio direto e secreto. Esta pessoa que foi imposta chama-se João Lourenço.”