Martin McGuinness, antigo vice-primeiro-ministro e histórico líder do grupo separatista IRA – e, por isso, também uma das figuras centrais no processo de paz na Irlanda do Norte -, morreu esta terça-feira aos 66 anos, cerca de dois meses depois de abandonar a política ativa. Segundo a imprensa britânica, o ex-governante sofria de uma rara doença genética, causada por depósitos anormais de proteínas nos tecidos e órgãos.
A notícia foi confirmada por Gerry Adams, deputado, presidente do partido Sinn Féin e amigo próximo. “Ao longo da sua vida, Martin mostrou grande determinação, dignidade e humildade, e não foi diferente durante a sua curta doença”, afirmou, num comunicado publicado no site do partido irlandês. “Era um republicano apaixonado que trabalhou incansavelmente pela paz, reconciliação e pela reunificação do seu país.”
Ex-líder do IRA – grupo separatista que usava o nome de Exército Revolucionário Irlandês -, Martin McGuinness acabou por se tornar no principal negociador do Sin Féinn no processo de paz na Irlanda do Norte, que levou à assinatura a 10 de abril de 1998 do Acordo de Belfast (também conhecido como Acordo da Sexta-feira Santa) pelos governos britânico e irlandês, pondo assim fim ao conflito sangrento entre nacionalistas e unionistas. Em 2007, tornou-se vice-primeiro-ministro da Irlanda do Norte, durante o governo de Ian Paisley, do Partido Democrático Unionista, mantendo-se no cargo nos dois governos seguintes (de Peter Robinson e Arlene Foster).
Demitiu-se a 9 de janeiro, depois de Foster se ter recusado a afastar-se temporariamente na sequência de um inquérito a um escândalo de energia pública. A sua demissão levou ao colapso do governo de coligação irlandês e à realização de novas eleições, às quais já tinha admitido que não iria concorrer.
“O meu trabalho enquanto líder político é evitar a guerra”
James Martin Pacelli McGuinness nasceu a 23 de maio de 1950, em Derry, a segunda maior cidade da Irlanda do Norte. Foi na adolescência que se começou a envolver politicamente, depois de ter visto as imagens do deputado Gerry Fitt coberto de sangue durante uma manifestação pelos direitos civis em 1968. Alistou-se no Exército Republicano Irlandês (IRA) e, numa questão de meses, chegou a número dois na Brigada de Derry. Era esse o cargo que ocupava a 30 de janeiro de 1972, o Domingo Sangrento. Nesse dia, um regimento de soldados britânicos matou a tiro 13 católicos desarmados, durante uma manifestação em Derry.
Em março desse ano, o primeiro-ministro do Reino Unido, Edward Heath, suspendeu o governo irlandês e Martin McGuinness foi enviado para Inglaterra, juntamente com Gerry Adams, para iniciar negociações com o Secretário de Estado da Irlanda do Norte, Willie Whitelaw, em nome do IRA. Adams e McGuinness não eram completos desconhecidos, mas foi durante essa viagem que nasceu a amizade estreita e parceria política que mantiveram até ao fim.
McGuinness deixou o IRA em 1974, depois de ter sido condenado a um ano a duas penas de prisão — uma por ter sido apanhado com um carro cheio de explosivos e outra por pertencer à organização irlandesa. Foi nessa altura — com a entrada para o Sinn Féin — que o ex-primeiro-ministro entrou definitivamente na política, tornando-se numa das figuras centrais na defesa da paz na Irlanda do Norte. Foi também um período em que enfrentou fortes críticas pelo seu ativismo enquanto líder do IRA e a oposição de outros políticos que se recusavam, inclusivamente, a cumprimentá-lo. Daí que o momento em que a Rainha Isabel II e Martin McGuinness deram um aperto de mãos, em Belfast, em 2012, tenha ficado na história.
McGuiness era um dos responsáveis do IRA quando o grupo organizou um atentado bombista em 1979 que matou Lord Mountbatten, primo da monarca britânica. O cumprimento, impensável durante anos, acabou assim por selar um acordo de paz e foi comentado por McGuinness numa entrevista que pode rever aqui:
Nos anos que se seguiram, foi ganhando cada vez mais destaque dentro do partido, ocupando vários cargos políticos. Um dos principais responsáveis pela negociação do processo de paz, que levou à assinatura do Acordo de Belfast em 1998, foi membro do parlamento irlandês entre 1997 e 2013, ministro da Educação entre 1999 e 2002 e vice-primeiro-ministro desde 2007 até à sua demissão em janeiro deste ano, afirmando que não voltaria à vida política por motivos de saúde. Recentemente, admitiu que a sua guerra “tinha acabado”. “O meu trabalho enquanto líder político é evitar a guerra.”