Um tapete mudou a vida de Inês Schertel. Estava enrolado no canto da Galleria Rossana Orlandi, em Milão, mas a artista brasileira reparou imediatamente nele. Disseram-lhe que tinha sido feito por 15 homens no Quirguistão, através de uma técnica milenar de feltragem de lã, e fez-se luz. Há cerca de 10 anos que a também cenógrafa se perguntava o que poderia fazer com a lã proveniente da tosquia do rebanho de ovelhas da sua propriedade no Rio Grande do Sul. “Não sei costurar nem fazer tricô, por isso fiquei encantada”, diz.

Entre o tapete enrolado numa galeria italiana e as peças que a designer apresenta pela primeira vez em Lisboa, na exposição que inaugura esta quarta-feira no Espaço Espelho de Água, passaram-se cinco anos de muitas viagens e outros tantos estudos. Depois de cursos em Itália e na Holanda, a artista de 59 anos, com uma formação em arquitetura, foi diretamente ao Quirguistão para aprimorar a técnica feita há mais de três milénios.

Inês Schertel ao lado das peças que expõe agora em Lisboa. © André Marques/Observador

“O feltro artesanal é o tecido mais antigo surgido na humanidade”, diz Inês Schertel ao Observador na sala luminosa do Espaço Espelho de Água, quase em cima do Tejo. “É proveniente dos povos nómadas da Ásia Central e consiste no atrito e massagem das fibras da lã, que a dado momento encolhem e se agarram, formando o feltro. Esta técnica surgiu antes de inventarem o fio e o tear e antigamente todas as peças eram feitas assim, com a lã prensada à mão.”

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O processo é exatamente o mesmo que usa hoje em dia para construir cestos, candeeiros (que chama de luminárias), bancos e até lenços em que a lã é trabalhada juntamente com seda, tule e jersey, sem qualquer costura. Em Lisboa estarão 20 dessas peças, mais uma instalação de sete bonecas, todas feitas à mão e tingidas naturalmente através da técnica “eco-print”, também chamada de tingimento botânico, e que consiste em amarrar galhos, folhas ou outros elementos da natureza nas peças, “cozinhar no vapor umas três horas e deixar descansar uma semana”. Ao desamarrar e retirar os elementos, o galho ou a folha permanecem impressos na lã. Um processo demorado que levou a artista a batizar a sua exposição — e todo o seu trabalho — de “Slow Design”.

Os tons de verde que se veem neste banco foram tingidos com carqueja. Os pés são de tauarí, uma madeira de reflorestamento © André Marques/Observador

“As peças podem demorar muito tempo, até é difícil dizer quanto porque temos de contar desde a tosquia da ovelha”, diz Inês Schertel. No início é preciso lavar e cardar a lã, isto é, “pentear o tecido, para as fibras ficarem soltas”. Só depois entra a água, o sabão e o processo de prensagem manual, que vai depender do que a artista quer obter. “É um ritual que tem muitas fases”, resume Inês. E não pode haver pressa.

“As minhas ovelhas são criadas num campo nativo, melhorado, e eu acompanho todas as partes do processo. Por isso chamo o meu trabalho de slow design, o que vai um pouco contra o mundo rápido e de alta tecnologia em que vivemos. Não é que eu não goste de tecnologia, mas acho que o olhar humano sente necessidade desse olhar orgânico, irregular. O meu pelo menos sente.”

Inês Schertel começou por fazer tapetes pequenos mas rapidamente percebeu que queria trabalhar peças mais tridimensionais. Aí apareceram os cestos, os candeeiros, os bancos e as bonecas, como a que se vê na imagem. © André Marques/Observador

Familiarizada com os conceitos de slow living, slow food e slow fashion, Inês Schertel diz que se identifica, em todos os casos, com a “preocupação com o ecossistema e de que maneira a gente interfere com a natureza”. Depois de 30 anos a viver em São Paulo, a artista mudou-se definitivamente para o campo há três anos, para a propriedade no Rio Grande do Sul onde tem a criação de ovelhas. É aí, com vista para a matéria-prima e uma mata de araucárias, que trabalha e se inspira diariamente, vendendo as suas peças em galerias (como agora), ou lojas de design e de moda que encomendam as suas coleções. “A minha inspiração é um misto de intuição com as possibilidades que a lã me proporciona”, conclui. Tudo sem pressa nenhuma.

O quê? ​Exposição “​Slow Design”, de Inês Schertel
Quando? De 13 de abril a 29 de maio, das 11h às 00h
Onde? Espaço Espelho D’Agua: Av. Brasília, 210, Belém (Lisboa)
Quanto? Entrada livre