Cinco horas, 13 minutos e 35 segundos é muito tempo, não é? Imagine agora cinco horas, 13 minutos e 35 segundos em cima de uma bicicleta a andar para a frente na perspetiva de acabar uma etapa. Já está? Cansa, não cansa? Pois, agora imagine cinco horas, 13 minutos e 35 segundos em cima de uma bicicleta na perspetiva de acabar a etapa à frente dos outros. Já está? Sim? Então chama-se Lukas Pöstlberger. Só pode.

É ele o primeiro camisola rosa da 100.ª edição da Volta à Itália, a primeira grande competição do ciclismo internacional antes de Tour (de 1 a 23 julho) e Vuelta (19 agosto-10 setembro), transmitida diariamente em direto na Eurosport, com os comentários alternativos de Olivier Bonamici, Luís Piçarra e Paulo Martins. Entre os 195 corredores, há três ilustres portugueses: Rui Costa (UAE Team Emirates), José Mendes (Bora Hansgrohe) e José Gonçalves (Katusha-Alpecin).

Algum deles chegará ao nível de Acácio da Silva? Este senhor nascido em Montalegre tem agora 56 anos e é o único ciclista português a vencer etapas do Giro. Cinco, ao todo. E é o único português a vestir a camisola rosa. Por dois dias. Ambos em 1989, ano em que também veste de amarelo no Tour, por quatro etapas. Chi-ça, Acácio da Silva é o rei.

Para chegar à fala com Acácio da Silva, temos de ter o indicativo do Luxemburgo. Fácil, é o número seguinte ao nosso: 352. É assim há muito, muuuuito tempo. Desde 1968. “Vivi em Montalegre até aos sete anos e depois fui para aqui, com os meus pais e irmãos.”

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Então é aí que começa a pedalar?
Comecei aos 17 anos, nos juniores, porque os meus irmãos corriam num clube daqui, o CC Dudelange.

Só aos 17 anos?
Antes, andava atrás dos meus irmãos ciclistas: cuidava-lhes da bicicletas, via-lhes o óleo, mudava-lhes os pneus.

O que fazia nessa altura?
Era latoeiro, fazia telhados de cobre e zinco. Fiz isso até aos 21 anos.

Até que?
Até que o meu patrão, um luxemburguês simpático, com gosto pelo desporto, sobretudo o basquetebol, ofereceu-me uma bicicleta. Levou-me a uma loja e disse-me para escolher.

E o Acácio?
Escolhi a Colnago, igual à do Merckx.

Já que fala do Merckx, com quem é que o Acácio corre?
Joaquim Agostinho, serve?

Uauuu. Onde?
Na Volta à Suíça, em 1983. Acabei em 7.º e ele em 13.º. Era um homem excelente, que ainda me deu umas boas indicações.

Mais, mais?
Lance Armstrong.

Nãããããã.
Sim, sim, na Volta ao Colorado e no Tour. Como ele começou muito cedo, antes dos 20 anos, apanhei-o no final da carreira.

E quem é o melhor?
Quer que lhe diga a verdade?

Sempre.
O mais impressionante de todos é o Sean Kelly. Foi meu chefe de fila durante cinco anos e ganhámos uma Vuelta, além de Voltas à Suíça e algumas clássicos. Era um craque da cabeça aos pés. Cuidava-se como mais ninguém e ainda hoje falamos muito por telefone. Quando o Tour passa no Luxemburgo, ou perto, ligo-lhe e encontramo-nos para ver a caravana passar.

Acácio ri-se com gosto, enquanto vê a primeira etapa do Giro em direto. “Tenho aqui a minha bicicleta e ainda dou umas voltas, mas poucas, pouquíssimas vezes.”

E a camisola rosa?
Está aqui também, ao lado da amarela do Tour.

Que recordações tem da camisola rosa?
Vesti-a duas vezes na mesma Volta a Itália, no segundo dia, em Etna, a terra do vulcão, e na nona etapa, em Perugia.

Quanto se ganha por cada vitória em etapa?
Uns 15 mil francos, não mais.

Isso dá o quê?
Máximo, 2.500 euros.

Hoje, é mais que o triplo (8.000). Acácio fala de cor e salteado. “Saquei a rosa em Etna. Lembro-me perfeitamente. Foi uma chegada em pelotão, todos juntos, muito juntos. Nos últimos 10 quilómetros, havia uma subida de 6% de inclinação. Depois, a 400 metros da meta, havia uma curva. Quando faço a curva, já fui com o propósito de arrancar decidido. E lá fui. Acabei com duas bicicletas de avanço, à frente do Herrera [colombiano], Rominger [suíço], Ivanov [soviético] e Lejarreta [espanhol]. Estava forte, no máximo das minhas capacidades. Regra geral, atingimos o pico aos 26, 27, 28 anos. A seguir aos 25, vá. Na altura, tinha 28 e sentia-me mesmo bem. Já para não falar na experiência acumulada na Volta a Itália. A primeira que corri foi com 21 anos. Sete anos depois, finalmente a camisola rosa.” E com uma curiosidade. “No mesmo quarto de hotel, eu contemplava a rosa e o meu colega Mario Chiesa olhava a preta, depois de ter acabado em último lugar. Caricato, aquele quarto: o melhor e o pior, juntos. Ainda me lembro do ar dele, completamente abalado pelo seu resultado. A verdade é que toda a equipa lhe deu força e até fez um bom Giro até final.”

Sete dias depois, Acácio da Silva veste novamente a rosa. “Estava a um segundo do Breukink [holandês] e ganhei cinco segundos de bonificação numa meta volante. No dia seguinte, houve um contrarrelógio e devolvi a rosa ao Breukink. Esse Giro é do Fignon, aquele dos óculos.”

Pois claro, o francês. Já agora, e o seu compatriota Bernard Hinault?
Grande ciclista, grande homem, grande patrão. Já não se fazem ciclistas assim. Ele era excecional em tudo e estava sempre disponível para ajudar.”

Acácio ri-se sozinho.

Então?
O Hinault tinha um jeito engraçado de ser porque, de repente, ele dizia ‘vou-me embora’ para quem estava a correr perto dele e ia mesmo. Poucos tinham pernas para o apanhar.

Poucos ou nenhum?
Poooucos…

E volta a rir-se. “Um dia, na Volta à Romandia, ele escapou-se e ganhou dois minutos ao pelotão. Eu fui atrás dele, juntamente com o Moreau. Apanhámos o Hinault e ganhei essa etapa ao sprint.”

E o Hinault, que tal?
Ficou chateado, segundo o Moreau. No dia seguinte veio ter comigo, à linha de partida, deu-me os parabéns pela vitória e desculpou-se pela atitude.

No dia em que veste a rosa pela segunda vez e última vez (29 Maio), Paulo Pinto ganha o prólogo do GP O Jogo (mais ciclismo), Nuno Marques leva o espanhol Sergi Bruguera ao quinto set na estreia do Roland Garros, o Marselha contrata Mozer ao Benfica e Vítor Baptista é condenado a quatro anos de prisão por dois furtos qualificados (assaltos a carros). Se fosse bicicletas é que era.