Quando Henrique Granadeiro foi interrogado e constituído arguido na Operação Marquês, a 24 de fevereiro, o procurador Rosário Teixeira já sabia que o ex-chairman da Portugal Telecom (PT) era o titular de uma conta bancária na Suíça que tinha recebido cerca de 25,7 milhões de euros da Espírito Santo (ES) Enterprises entre 2007 e 2012. Ainda sem uma resposta oficial das autoridades helvéticas ao seu pedido de cooperação judiciária, um mês antes tinha saído a sorte grande ao líder da equipa que investiga a Operação Marquês quando Ricardo Salgado, ex-líder executivo do BES, confirmou que Granadeiro era o titular daquela conta no Banco Pictet e justificou uma parte dessas transferências com a compra de 30% da Margar, a empresa de Granadeiro que detinha a Herdade do Vale do Rico Homem, em Évora.

Confrontado por Rosário Teixeira com as declarações do ex-banqueiro, Henrique Granadeiro confirmou-as no dia em que foi constituído arguido por suspeitas de corrupção passiva, fraude fiscal e branqueamento de capitais precisamente por causa dessas transferências da ES Enterprises. Granadeiro terá pormenorizado que, das sete transferências recebidas do ‘saco azul’ do GES, três diziam respeito ao pagamento da venda de 30% da Margar.

Entre 12 de outubro de 2011 e 10 de janeiro de 2012, a conta de Granadeiro recebeu duas transferências num total de cerca de 14,7 milhões de francos suíços (valor que corresponde atualmente a cerca de 13,7 milhões de euros e cujo contravalor em euros foi de 12 milhões no dia de cada uma das transferências). A última transferência é de 23 de novembro de 2012 e atingiu o valor de 2 milhões de euros.

Granadeiro e Bava receberam mais de 50 milhões de euros do saco azul do GES

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Seguindo a taxa de câmbio atual, Henrique Granadeiro terá recebido um total de cerca de 15,7 milhões de euros, num negócio que o próprio gestor disse ao MP que foi negociado entre si e Ricardo Salgado. Isto é, Granadeiro e Salgado avaliaram a sociedade que detém a Herdade do Rico Homem num valor total de 52,3 milhões de euros.

Estes novos dados constam de um despacho do Tribunal Central de Instrução Criminal, assinado pelo juiz Carlos Alexandre, que está na origem do arresto judicial da herdade que dá o nome a um dos vinhos mais conhecidos produzidos por Henrique Granadeiro à ordem de um dos inquéritos do Universo Espírito Santo. O documento faz parte do arquivo da Conservatória do Registo Predial de Lisboa — uma base de dados que é pública por natureza e acessível a todos os cidadãos.

Tal arresto foi motivado precisamente pelas declarações de Ricardo Salgado e de Henrique Granadeiro na Operação Marquês. A equipa de investigadores liderada por Rosário Teixeira realizou no início de março buscas judiciais ao Monte dos Perdigões — outra quinta gerida por Granadeiro — e à sociedade de revisores oficiais de contas que trata da contabilidade das empresas do ex-líder da PT para procurar uma prova documental da aquisição realizada pela ES Enterprises.

De acordo com o documento consultado pelo Observador, a Margar é uma sociedade anónima com ações ao portador, logo é normal existir uma declaração anual que identifica os sócios que detêm uma participação na empresa. Mesmo após o contacto com o Revisor Oficial de Contas, os investigadores não conseguiram clarificar tal situação. Isso mesmo é possível ler no documento que foi consultado pelo Observador na Conservatória do Registo Predial de Lisboa.

Por via dessas declarações, a [ES] Enterprises será titular dessa posição jurídica, facto que, não obstante, não consta da contabilidade da mesma [da sociedade Margar], nos moldes em que é conhecida neste processo“, afirma o magistrado do Tribunal Central de Instrução Criminal.

Granadeiro tenta convencer juiz Carlos Alexandre a levantar arresto

Contudo, esta visão é contestada pelos advogados de Henrique Granadeiro. Ao que o Observador apurou, a defesa alega que as ações da Margar não são ao portador mas sim nominativas. No caso concreto das ações que pertencem a Henrique Granadeiro e à ES Enterprises, os respetivos títulos estavam sob custódia na sede social da sociedade, situada na rua Luciano Cordeiro, em Lisboa — imóvel este que não terá sido alvo de buscas judiciais no início de março.

Nesse sentido, Granadeiro terá enviado as ações nominativas que representam a participação de 30% da ES Enterprises para o Tribunal Central de Instrução Criminal, com o objetivo de convencer o juiz Carlos Alexandre a levantar o arresto dos prédios que compõem a Herdade do Vale do Rico Homem. A defesa entende que, com as ações e os bens na sua posse, a Justiça tem uma dupla garantia patrimonial, necessitando apenas de uma delas.

Arresto preventivo para evitar dissipação dos bens e das ações

Apesar de o MP e de o juiz Carlos Alexandre entenderem que ainda não têm uma prova documental que comprove as declarações de Ricardo Salgado e de Henrique Granadeiro — continuando, por isso mesmo, a duvidar da veracidade das mesmas –, o procurador José Ranito acabou por avançar para o arresto preventivo da herdade alentejana com mais de 800 hectares e de 30% do capital social da sociedade Margar — precisamente a percentagem de capital que Salgado diz ter adquirido.

“Como bem refere o Ministério Público, a confirmarem-se tais pressupostos, existem fundadas razões para que se considere que esta posição patrimonial será responsável pelo pagamento de verbas que constituem o proveito do crime e de que a natureza dessa posição jurídica (ações ao portador), associada aos demais factos invocados nos autos, concretizem o receio de que seja dissipado tal valor”, escreveu o juiz Carlos Alexandre.

Herdade do Vale do Rico Homem de Henrique Granadeiro arrestada pela Justiça

Por outro lado, o MP pretende igualmente com este arresto assegurar o eventual pagamento de futuras indemnizações por parte dos arguidos do processo do Universo Espírito Santo, nomeadamente de Ricardo Salgado. Henrique Granadeiro é apenas arguido na Operação Marquês, não sendo suspeito nos inquéritos do caso BES/GES.

O total dos arrestos decretados pelo Tribunal Central de Instrução Criminal no caso BES/GES pretendem assegurar garantias patrimoniais de um valor total de cerca de 1,6 mil milhões de euros.

O arresto dos prédios rústicos e urbanos que compõem a Herdade do Vale do Rico Homem tornou-se definitivo no final de abril, tendo Henrique Granadeiro sido notificado este mês dessa decisão.