Uma pergunta para queijinho: o que é que está a pagar quando compra uma marca de luxo? Eficácia? Credibilidade? Ingredientes? Investigações científicas? Ou embalagem, prestígio e um certo lifestyle associado ao consumo destas marcas? Em média, a mulher comum gasta cerca de 21 mil euros em produtos de rosto durante a vida toda. E vai continuar a gastar porque falamos não só de uma rotina — o hábito de aplicar um creme faz-nos sentir, nem que seja psicologicamente, mais bonitas — mas de uma necessidade. No entanto, ninguém nos diz que temos de pagar uma fortuna por ela.

Em 2016, a OCU (Organización de Consumidores y Usuarios) levou a cabo um estudo onde comparou 14 cremes anti-rugas disponíveis no mercado espanhol – dos mais caros aos das chamadas marcas brancas. E os resultados foram surpreendentes: o Creme de Dia Q10 da marca Cien — dos hipermercados Lidl — arrasou com os restantes ao ser considerado o mais eficaz. Este estudo fez com que as vendas deste creme tivessem aumentado 20 vezes e, em duas horas, foram vendidas cerca de 150 mil embalagens em Espanha.

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Deveriam as marcas de supermercado continuar a chamar-se marcas “brancas” quando nos últimos anos se têm vindo a revelar económicas, de qualidade e, afinal, melhores em comparação com outras internacionais?

As marcas brancas em Portugal

Falámos com a Deco Proteste que, no seguimento do estudo em Espanha, realizou um idêntico em Portugal. Foram testados 16 cremes de dia destinados a pele normal ou seca e incluídos produtos de marcas acessíveis, marcas brancas e outros de venda em perfumaria e farmácia. As marcas baratas foram as líderes e as caras ficaram para o fim da tabela. O creme da marca La Mer — o mais caro do teste — apresentou mesmo uma capacidade de hidratação inferior à dos restantes. Em primeiro lugar ficou o Aqua Creme Hidratante da marca Cien do Lidl.

Como a Deco realizou estes testes?

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Foram incluídos produtos acessíveis, marcas brancas e marcas de perfumaria e farmácia. Em laboratório, a Deco Proteste aplicou o creme a testar numa área do braço e, noutra, um produto standard (produzido em laboratório e com bom poder hidratante). Foi, então, medida a hidratação da pele com um aparelho específico no início do estudo e após quatro semanas de utilização. Verificou-se ainda o fator de proteção solar nos produtos que o indicavam. Em paralelo, 30 mulheres usaram cada creme durante uma semana e preencheram um questionário, avaliando a textura, oleosidade, facilidade em espalhar, a absorção pela pele, entre outras características. Para garantir que a avaliação seria isenta, quem testou os produtos não teve acesso à marca de cada um.

Neste teste, o creme Cien mostrou não ter ingredientes classificados como alergénicos pela Comissão Europeia (ao contrário das outras marcas que chegaram a apresentar sete substâncias com elevado potencial alergénico) e foi a textura que mais agradou, fácil de aplicar e rapidamente absorvido, sem deixar a pele oleosa e com resultados bastante eficazes. Além de mais barato, este foi também o creme que apresentou a melhor relação entre qualidade e preço.

Mas o Lidl não é o único hipermercado a ter marca própria — a Cien. Os hipermercados Aldi têm a Biocura, o Minipreço tem a Bonté, o Continente tem a MyLabel e os hipermercados Jumbo acabaram de lançar em Portugal a sua marca própria — Cosmia — depois do sucesso alcançado em França.

A maquilhagem hipoalergénica da marca Cosmia é a primeira à venda em hipermercados. (Fotografia cedida por Auchan)

Porque pagamos tanto por um creme?

Álvaro Santos, bioquímico especialista em dermocosmética, disse ao Observador que há várias condicionantes que podem aumentar o preço de um cosmético como a pesquisa e o desenvolvimento que muitos grandes laboratórios fazem — sobretudo dos grandes grupos com mais dinheiro — e que, muitas vezes, é feita em colaboração com universidades. Esse investimento acaba por ter de ser amortizado nos preços finais. Mas há mais além do custo do desenvolvimento: o marketing, as embalagens luxuosas e as margens enormes justificam, muitas vezes, o preço elevado dos cosméticos.

Depois há a investigação científica. As grandes descobertas a chegar ao mercado começam, obviamente, a aparecer nos cosméticos mais caros porque os grandes grupos que têm dinheiro para fazer essas investigações apostam nas suas maiores marcas. Depois de se conhecerem os bons resultados de certos ativos e após alguma amortização dos investimentos, as próprias multinacionais rentabilizam essas descobertas nas suas marcas mais baratas (antes que outros grupos o façam). Então, essas descobertas acabam por ser popularizadas e vemos os mesmos ingredientes quer em cremes de luxo, quer em cremes de supermercado pertencentes aos mesmos grupos.

Nesta equação entra ainda o exagero das promessas dos cosméticos, sobretudo dos que têm preço elevado. Afinal, falando de cremes faciais, o que se pode prometer é apenas a proteção e um retardar do envelhecimento natural da pele. Todas as ações ditas regenerantes ou eliminadoras de rugas só são eficazes com ativos e intervenções que já não são do domínio da cosmética de uso doméstico. Claro que as marcas de primeira linha nos dão uma garantia de qualidade. A questão mais importante é saber se essa expertise se traduz em maior eficácia. Assim, um creme barato mas bem formulado e fabricado pode cumprir as mesmas ações de um creme muito caro”, diz Álvaro Santos.

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As marcas brancas são seguras e fiáveis?

Em relação à pergunta de cima, Álvaro Santos não tem dúvidas — a resposta é sim. E explica porquê: “O creme premiado do Lidl é um bom exemplo. Os seus ativos principais foram longamente desenvolvidos e testados por vários grandes laboratórios e já não são novos, por assim dizer. Então, passado algum tempo, é possível aceder a fabricantes independentes destes ativos e colocar no mercado cosméticos bons e muito baratos. Além disso, para se fabricar um creme de qualidade (mesmo que barato) é preciso ter acesso a, por exemplo, tecnologias de emulsionamento em reatores sofisticados e isso só é possível com séries de fabrico de alguma dimensão. É mais seguro comprar um creme de uma grande marca, mesmo não sendo famosa na cosmética, como o Lidl ou o Jumbo, do que a pequenos laboratórios de produtos ditos naturais ou artesanais. Nenhuma marca grande se vai arriscar a colocar cosméticos inseguros no mercado porque poderiam prejudicar a sua imagem em todas as áreas de negócio e, felizmente, a legislação europeia é muito apertada nesse aspeto.”

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No caso da marca Cosmia — desenvolvida pelo grupo Auchan que tem os hipermercados Jumbo — Rui Oliveira, diretor de marca própria da Auchan em Portugal, explicou-nos que todos os produtos que vieram para Portugal foram desenvolvidos com o mesmo rigor que as marcas internacionais e regem-se pela mesma legislação europeia. Nesse sentido, a Auchan selecionou os melhores produtores especializados em cada segmento (banho, cosmética, maquilhagem…) para garantir produtos com ingredientes de qualidade. “Na produção dos nossos produtos, definimos como compromisso a não utilização de ingredientes perigosos, temos um plano rigoroso próprio de controlo periódico e, antes da comercialização, todos os nossos produtos foram testados por consumidores. No caso da marca Cosmia, foram envolvidos mais de 600 participantes nos testes”, explica.

O que ainda falha na comercialização dos cosméticos?

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Segundo a Deco Proteste, há ainda muita coisa a falhar e às quais os consumidores devem estar atentos. Tome nota de algumas:

  • Muitos conservantes presentes nos cosméticos não são seguros quando permanecem na pele. É o caso do Propilparabeno de Sódio (que pode atuar como desregulador endócrino) e o methylisothiazolinone (um conservante que foi proibido em fevereiro de 2017 pela União Europeia mas ainda está presente em cosméticos);
  • A lista de ingredientes consta apenas da embalagem exterior, descartável. Se o consumidor colocar a caixa no lixo a informação desaparece. Logo, se surgir uma reação na pele, será mais difícil identificar a origem.
  • Os cremes hidratantes usam e abusam de alegações como “hipoalergénico” ou “dermatologicamente testado” ou “sem parabenos” ou “sem conservantes” que, na verdade, não dão nenhuma garantia de qualidade e podem enganar o consumidor.
  • Outros dizem na embalagem que têm “proteção UV” mas não identificam o fator de proteção, o que dá uma falsa sensação de segurança ao consumidor.

É possível garantir preço VS qualidade?

Esta é, possivelmente, a questão que a maioria das mulheres faz. Se é caro é bom, se é barato é mau? Não propriamente e prova disso é o estudo publicado pelo jornal britânico Mirror a semana passada, onde os protetores solares mais baratos mostraram melhor eficácia que os mais caros. Álvaro Santos explica que há muitas marcas que propõem composições a centenas de euros cada embalagem e cujos ingredientes são duvidosos e até potencialmente alergénicos (o que o teste da Deco veio comprovar). E muitas marcas não têm “conteúdo” que justifique o preço mas têm um argumento de venda simples e que continua a ser popular: é muito caro, logo deve ser bom.

Rui Oliveira defende que a democratização do preço ao cliente da Cosmia não é conseguido por uma eventual menor qualidade oferecida. Por falarmos de uma multinacional de grande consumo que tem uma oferta universal de produtos, é possível, tal como Álvaro Santos afirmou, diluir os custos de pesquisa e desenvolvimento. Assim, no preço final, a Auchan consegue não refletir os investimentos que foram feitos.

Na fotogaleria, em cima, veja alguns dos produtos ditos “marca branca” que pode encontrar em Portugal em áreas que vão da limpeza de rosto ao banho, passando pela maquilhagem e cosmética.