Antes do início do concerto de Miguel, surge aquela frase que eleva sempre as expectativas: “este tipo ao vivo…”, reticências incluídas. O que dizer no final? Deixem ficar as reticências, nem lhes toquem. All I Want is You, Kaleidoscope Dream e Wildheart. Em álbum, dom Miguel tem a escola toda R&B, como é suposto levá-la para o estúdio. Em concerto? Sexo e revolução, é isso que ele promete, é isso que ele garante.
Há um baixo poderoso a dizer que vai tudo começar, e é porque vai mesmo. Ele pergunta se há medo, se alguém tem medo. Mas não há susto que se aguente no meio de tudo isto. E isto é casaco de cabedal, camisa de festa com um Beethoven às cores e mãos no microfone como quem agarra no público sem tretas. Pés naquele baile que James Brown deu ao mundo e a pirueta que se impõe, rhythm and blues, Prince também está por aqui (está tanto por aqui) mas a atitude de Miguel é só dele.
Uma verdadeira sex machine, como dizia o maior de todos eles, sedução em piloto automático mas sem soar rotineira, apenas a suar do princípio ao fim. Solos de guitarra, claro que há solos de guitarra. Há mesmo uma banda que está quase no exagero mas que sabe quando abrandar. O rock’n’roll nasceu daqui. “Do you like drugs?” pergunta ele. Era o que dizíamos. O rock’n’roll nasceu daqui e ele sabe. E sabe muito mais que isso.
Lança-se a “Hollywood Dreams”. É dramático como se quer, a vestir todo o ego que tem guardado porque é assim que tem de ser. Uma estrela pop, é esse o negócio de Miguel. É uma personagem sendo ele próprio e ninguém o pode criticar por isso. Ainda que lhe ficasse melhor a noite que o lusco fusco. Miguel, o verdadeiro artista que pede menos luz, ele sozinho propõe-se a queimar tudo pela frente e é tipo para conseguir.
Em “Drink” atira um sorriso de canto de boca, pisca o olho para quem, na fila da frente, já rendeu tudo há muito. “He’s got the love”, tem dele aos quilos, mas também é um sacana. É um virtuoso das coisas soul mas o hip hop de Los Angeles (que volta e meia traz ao palco) ensinou-lhe outros truques.
Regressa ao que lhe é mais sagrado e cá vai disto: um Marvin Gaye do século XXI com “sexual healing” por toda a parte, canta no palco como se resolvesse os problemas na cama. “It feels good”, diz o safado. Sabe bem pois, respondemos todos. Palmas para ele, que o artista gosta. Bate no peito, um Ronaldo do microfone, sabe bem quanto vale. E que mal faz estar num palco a querer ser maior que todos? É uma sorte para todos. Porque este tipo ao vivo…