Que jogos o marcaram?
Fiz a estreia no Espinho-Estrela da Amadora. Depois fiz o Salgueiros e Tirsense para ser “espremido”. No Benfica-Paços de Ferreira, entrar no Estádio da Luz é outro mundo. Nas Antas igual, dá uma boa sensação. Terei feito seis jogos internacionais como fiscal-de-linha: Espanha-São Marino, Andorra-Itália… Lembro-me do Prado-Águias da Graça nas meias-finais da Taça AF Braga, que foi a prolongamento, penáltis e só saí de lá à uma da manhã… Na tarde seguinte, apitei o Moreirense-Vizela e, na quinta-feira, fazia exame de promoção à categoria nacional, em Lisboa. Fiz jogos decisivos no distrital. A certa altura, era quase árbitro “oficial” em Maximinos, gostavam de mim.

Que visão tem da arbitragem atual?
O comportamentos dos jogadores e público não é igual perante um árbitro internacional, em que quase tudo se lhe perdia e se “baixa a bolinha”, por receio de punição da UEFA. A desconfiança interna deve-se à falta de formação e a outros fenómenos. O Apito Dourado não puniu árbitros… Há promiscuidade entre poder político, autárquico e empresas públicas, talvez troca de favores de cargos. O maior problema da arbitragem é o dos árbitros jovens serem obrigados a coletar-se e pagar impostos quando começam a carreira e, assim, vão apitar com prejuízos. Leva ao abandono de grandes valores. Ainda assim, temos 30 mulheres no distrito, algumas com 14-18 anos. O meu filho Renato arbitra na 3.ª Divisão, o que me orgulha.

Foi na entrevista atrás citada, que fez capa da Revista Sim, em setembro de 2008, que Adão Mendes deu a sua visão sobre o futebol na altura. O tema que fez título da entrevista até estava relacionado com a parte sindicalista da carreira do antigo árbitro. “Não quero chegar ao Comité Central do PCP, porque gosto de ser rebelde e não formatado”, defendia a figura que, como militar, esteve na ponte sobre o Tejo no 25 de abril, além de ter chegado a fazer plenários em cima de uma Renault 4L, essa mítica viatura de outros tempos. Mas não deixou de abordar outros assuntos.

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“Quando há um Braga-Guimarães, Deus queira que empatem. Ou se a vitória serve um, que ganhe o melhor. Também gosto da Académica. Os ‘três grandes’ são o que pior faz ao futebol”, explicou numa coluna à parte. E internet? “Tenho dois excelentes colaboradores que vão rapidamente ao email e me procuram o necessário”, disse nessa entrevista realizada há quase 10 anos.

Adão Mendes tem estado no epicentro do recente caso dos emails que levou Francisco J. Marques, diretor de comunicação do FC Porto, a falar de um alegado “esquema de corrupção de árbitros” para o favorecimento do Benfica. No entanto, ainda não se pronunciou sobre o caso. E, sobretudo, ainda não se percebeu a ligação que poderá ter aos encarnados, depois de assumir que os ‘três grandes’ faziam mal ao futebol e que os seus clubes eram Sp. Braga, V. Guimarães e Académica.

Como escreveu num dos alegados emails enviados a Pedro Guerra em 2013 e 2014, Adão Mendes defendeu que o Benfica estava a adotar a conduta correta em relação ao setor da arbitragem: “Sobre a arbitragem não temos de ser ‘mãezinhas’ mas usar a inteligência a nosso favor, criticando sempre, mas propondo soluções e não desabafos. Exemplo: o SLB recorreu da arbitragem de S. Dias [Soares Dias] e considerei um erro, dado que o nosso ‘adversário’ (PC) enfureceu-se e tornou público o seu ódio. Por minha proposta, retiramos o recurso porque ganhámos o jogo e recuperamos um ‘inimigo’. Caso da Taça da Liga, deixar andar; ‘menos inimigos’ temos e até vamos jogar com os BB. Sobre o golo, Mota vai ter em breve matéria para dar nos olhos aos dois. Confidencial: o Mota [o árbitro Manuel Mota] ganhou o processo”, disse o antigo árbitro num dos alegados emails enviados a Pedro Guerra, divulgados há quase uma semana por Francisco J. Marques, diretor de comunicação do FC Porto.

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O antigo árbitro foi mais longe, referindo-se alegadamente ao presidente do Benfica como o chefe do Governo. No final, pediu para Pedro Guerra apagar as mensagens. “O 1.º Ministro é de facto um grande homem e um grande líder. Sei o que digo porque sei das suas capacidades em ouvir, pensar, astúcia nas decisões e amor ao Glorioso. Não há outro como ele. Dizem os grandes sábios dos painéis que algo está a mudar, o Porto já não manda mas… ainda não compreendem onde está o poder. O poder está no trabalho dia a dia, na busca da verdade e da seriedade e isso faz a diferença. Hoje quem nos prejudicar sabe que é punido e este espaço foi conquistado com muito trabalho do 1.º Ministro. Vamos ter os padres que escolhemos e ordenamos, nas missas que celebramos, temos é de rezar e cantar bem. AGORA APAGUE TUDO”, concluiu nesse mesmo email.

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Amanhã, terça-feira, é possível que Francisco J. Marques volte à carga, sobretudo depois de, durante a semana, ter assumido que existia muito mais material, que seria entregue às autoridades. Já este domingo à noite, depois dos esclarecimentos de Pedro Guerra sobre o caso, o diretor de comunicação do FC Porto deixou algo no ar.