A agência de notação financeira Fitch Ratings voltou nesta sexta-feira a atribuir uma “perspetiva” positiva ao rating da dívida pública portuguesa, à beira de sair de lixo, voltando ao nível onde estava em 2015 e início de 2016. A notícia foi, inicialmente, avançada pelo Expresso, citando “fonte segura” que adiantou uma informação que deveria estar vedada até ao momento da divulgação simultânea pela Fitch aos mercados.
Governo não pode partilhar relatório antes
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A decisão da Fitch, desta sexta-feira, foi noticiada pouco depois das 18h pelo Expresso, citando “fonte segura”.
O Governo, enquanto responsável pela República Portuguesa (o emitente da dívida), é informado sobre a decisão 24 horas antes do anúncio, mas está proibido de divulgar essa informação nos termos das regras europeias que regulam as agências e, também, nos termos do contrato entre emitente e agência.
A informação sobre decisões de rating devem chegar aos mercados financeiros em simultâneo, para evitar crimes de abuso de informação privilegiada. É esse o espírito das regras europeias que foram lançadas no auge da crise da dívida.
Para evitar crimes de abuso de informação privilegiada, as regras preveem que a decisão de rating seja publicada para todos ao mesmo tempo — exceto para o emitente em causa, neste caso o Governo, que é informado com alguma antecedência da decisão mas fica proibido de a transmitir a outros. Já em fevereiro, foi Marcelo Rebelo de Sousa que comentou a decisão da Fitch, divulgada nessa altura, durante a tarde — as bolsas ainda estavam abertas.
Marcelo fura regras europeias e anuncia “rating” antes do tempo
Depois da crise da dívida, a notação de Portugal na Fitch já tinha estado neste mesmo patamar, apenas um degrau antes de sair de investimento de alto risco (lixo), mas em março de 2016, cinco meses depois de tomar posse o governo de António Costa e Mário Centeno, decidiu voltar a atribuir ao rating uma perspetiva “estável”.
No último relatório da Fitch, publicado em fevereiro, a agência dizia que a descida do défice tinha sido conseguida à custa de um corte histórico no investimento público e criticava o Governo de António Costa porque, apesar de este ter sabido gerir as divergências entre os partidos da esquerda, o resultado é um Governo incapaz de fazer “reformas estruturais ambiciosas” na economia.
Fitch. Governo português parece firme mas é incapaz de fazer reformas
Esta sexta-feira, minutos depois de ser anunciada a saída formal do Procedimento por Défice Excessivo (PDE), Mário Centeno já tinha dito que “todos esperamos que esta realidade [a saída do PDE] se possa refletir numa reavaliação efetiva da agência, mas temos que esperar. Não podemos obviamente esconder que existe uma expetativa positiva, que é partilhada por todos”. À hora a que falou, Centeno já tinha sido informado da decisão da Fitch, apesar de estar proibido de a divulgar antes do tempo.
Governo exposto a pressão para aliviar a consolidação orçamental
Entre os aspetos que sustentam a decisão favorável da Ftch está o facto de o défice público ter sido reduzido para 2% em 2016, depois de um desequilíbrio de 4,4% no ano anterior, o que permitiu a saída de Portugal do Procedimento dos Défices Excessivos (PDE) concretizado nesta sexta-feira. A agência considera que o percurso de redução do défice apresenta dois riscos: um arrefecimento do ritmo de crescimento da economia, que deverá acontecer em 2018, e os custos decorrentes de eventuais necessidades de injeção de capitais nos bancos.
A Fitch espera que o atual Governo prossiga uma política orçamental de contenção e que mantenha a estabilidade no interior da maioria parlamentar. Admite, no entanto, que a estrutura da maioria expõe o Executivo uma pressão política potencial para “relaxar” a política orçamental, sobretudo após o abandono do PDE.
A agência de rating prevê que o défice público venha a ficar em 1,4% do produto interno bruto em 2018 e que a taxa de crescimento da economia seja de 2% durante o ano corrente. Em 2018, registar-se-á um abrandamento, caso se confirmem as previsões da Fitch, para 1,6%.
Quanto à dívida pública, deverá baixar para 126% do PIB no próximo ano e para 111% em 2016, resultado da redução do défice público e de uma recuperação no crescimento nominal, embora exclua das previsões eventuais impactos de intervenções no setor bancário. A Fitch escreve, ainda assim, que a solvabilidade dos bancos foi reforçada com os aumentos de capital realizados na Caixa e no BCP e que uma redução mais rápida no crédito malparado poderá exigir novas operações de reforço dos capitais.
Finanças: “alteração abre caminho a uma atualização do rating da República”
Através de um comunicado, o Ministério das Finanças considerou que a decisão da Fitch de melhorar a perspetiva do rating de Portugal vem no seguimento de indicadores favoráveis da economia e contas públicas e acredita que Portugal sairá da classificação de lixo mais rapidamente do que esperado.
“Esta alteração abre caminho a uma atualização do rating da República para o grau de investimento de qualidade. Tendo por base os desenvolvimentos orçamentais e a dinâmica de crescimento económico recentes, essa atualização deverá ocorrer mais rápido do que o anteriormente esperado pela maioria dos agentes de mercado”, lê-se no comunicado das Finanças, divulgado logo após ter sido conhecida a decisão da Fitch.
A nota à imprensa cita o ministro das Finanças, Mário Centeno, para quem a decisão da Fitch, após a formalização também hoje da saída de Portugal do Procedimento por Défice Excessivo de Portugal, “surge em linha com a acumulação de indicadores que atestam a trajetória de melhoria substancial da economia portuguesa”. Para o governante, Portugal conseguiu “um movimento de viragem impressionante alicerçado no crescimento equilibrado”.