À volta da Avenida das Tílias, no Palácio de Cristal, havia crianças que brincavam e pavões que gritavam, um piquenique com duas mulheres de cabelos escondidos por um hijab e várias outras mulheres numa festa de despedida de solteira. E uma apresentação política, que não atrapalhou nenhuma destas atividades. A partir deste sábado, o presidente da Câmara Municipal do Porto está oficialmente em campanha para as eleições autárquicas de 2017. Revisão da matéria dada nos últimos quatro anos, muita. Promessas para o futuro, poucas. Recados para os adversários políticos, alguns.

“Pela primeira vez em Portugal e, segundo dizem, na Europa Ocidental, numa cidade com a importância do Porto, houve uma candidatura autenticamente independente, sem ligação a qualquer partido, fação ou corrente partidária, que venceu as eleições e assumiu o poder”, disse Rui Moreira em cima do palco. A palavra “independente” foi dita apenas cinco vezes nos cerca de 37 minutos em que o autarca discursou, mas enfatizou essa condição de outras maneiras.

“É só pelo Porto que aqui estamos. Porque os nossos desígnios não se colocam noutro plano. Como já demonstrei ao longo da minha vida quero viver no Porto, e não tenho outras ambições políticas“, disse, fazendo lembrar o motivo que apresentou para acabar com o acordo que tinha com o PS: a sugestão do eurodeputado Manuel dos Santos de que havia um acordo secreto que consistia em Rui Moreira ser eleito nas eleições autárquicas de 1 de outubro para, depois, ser convidado por António Costa para ministro ou para eurodeputado, colocando à frente da Câmara Manuel Pizarro.

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Quem critica a falta de políticas públicas que defendam os moradores e a identidade da cidade da onda cada vez maior de turismo, também teve resposta. “Só quem não conhece a nossa cidade pode dizer que o turismo é uma monocultura e ignorar as muitas empresas que aqui se têm vindo a instalar”, disse primeiro, embora reconhecendo depois que o “desejável aumento do mercado imobiliário” não está a ser acompanhado “pelo incremento do rendimento disponível das famílias”.

Ao problema, Rui Moreira responde com uma promessa: a de tornar a sustentabilidade no quarto pilar do seu próximo mandato, a par com a cultura, a coesão social e a economia do seu anterior programa. “O que implica um conjunto de políticas públicas que garantam que o desenvolvimento se concretiza de forma harmoniosa”, disse. O presidente já tinha anunciado que quer criar uma taxa turística de 2€ por noite cujas receitas sirvam para oferecer habitação com rendas controladas aos munícipes que estão a sofrer com a pressão imobiliária e se veem obrigados a mudar para a periferia. Além disso, disse hoje que pretende implementar, “ao nível do PDM, um conjunto de opções políticas que permitam, em zonas bem definidas, aumentar a densificação”, isto é, construir mais para aumentar a oferta de apartamentos e tornar o valor do metro quadrado mais baixo.

As outras promessas são de continuidade, porque o candidato não quer cair em “tentações populistas, eleitoralistas ou despistas”. Por isso, o que promete é a manutenção das “boas contas” e reclamações junto do poder central contra o centralismo, “sempre que isso se justifique, sempre que os interesses do Porto sejam ameaçados”.

Vários chapéus, muitos autocolantes, mas só uma bandeirinha

O convite para o lançamento da candidatura sugeria que o ambiente se queria descontraído e informal. Candidato, membros das listas, voluntários a recolher assinaturas e muitos dos cidadãos que compareceram também optaram pela simplicidade, com as cores branca e azul a predominarem dentro e fora de palco, as cores do movimento Porto, o Nosso Partido. Também Amorim Pereira, vereador eleito pela coligação Porto Forte, e que tem sido um apoio para Rui Moreira ao longo de quatro anos, ao ponto de perder a confiança política do PSD Porto, estava entre a multidão de indumentária informal — camisa azul, claro. Que dava a assinatura para tornar viáveis as candidaturas à Câmara, à Assembeia Municipal e às juntas de freguesia recebia em troca um chapéu de palha e um autocolante do movimento. Entre os presentes, só um agitava uma bandeira do Porto, o Nosso Partido.

De camisa azul, sem casaco e sem gravata, Rui Moreira tinha atrás de si a equipa de vereadores que escolheu para o mandato 2017 – 2021. Todos igualmente informais — não havia uma única gravata. Filipe Araújo, atual vereador do Ambiente e Inovação, é o número dois da lista. No terceiro lugar surge uma novidade, Catarina Araújo, jurista e membro da Comissão Política Nacional do CDS-PP, o partido que apoia Rui Moreira à reeleição (o MPT – Movimento Partido da Terra, também já anunciou o seu apoio).

No quarto lugar da lista surge Ricardo Valente, eleito vereador em 2013 pela coligação Porto Forte (PSD, PPM e MPT), mas que no verão do ano passado aceitou o convite de Rui Moreira para ser vereador da Economia. Mantêm-se nas listas os atuais vereadores Manuel Aranha e Cristina Pimentel, assim como Fernando Paulo, diretor da presidência e recém escolhido para presidente do Conselho de Administração da Domus Social, cargo ocupado anteriormente por Manuel Pizarro. Deverá ser ele o futuro vereador da Habitação e Ação Social.

PSD acusa Ricardo Valente de deslealdade e Rui Moreira de comprar apoios

Ao todo, 12 homens e seis mulheres, cumprindo assim pelos mínimos a lei da paridade, que exige que um dos sexos tenha pelo menos 33% de representação nas listas de candidatura. Nas novidades contam-se ainda o arquiteto Pedro Baganha, que poderá ser o futuro vereador do Urbanismo (era adjunto do ex-vereador do PS Correia Fernandes), Daniel Freitas, de 26 anos, atual adjunto de Filipe Araújo, a professora universitária Isabel Menéres Campos e Nuno Lemos, administrador da Porto Lazer, que terá de abandonar o partido ao qual pertence, o PSD. Tal como em 2013, o mandatário da candidatura é o ex-ministro Luís Valente de Oliveira, que também já demonstrou a vontade a Passos Coelho de se desvincular do PSD.

A cara mais conhecida de toda a comitiva é a do radialista Álvaro Costa, que aceitou integrar a lista do Porto, o Nosso Partido, como suplente. Foi, aliás, ele o primeiro suplente chamado a subir ao palco e logo se abeirou do microfone, mesmo se não estivessem previstas intervenções. “Viva o Porto, viva o Rui Moreira, viva o nosso futuro!”, gritou. O chef Hélio Loureiro, o ex-piloto de Fórmula 1 Pedro Matos Chaves, a gestora Marta Araújo e Maria Helena da Costa Ferreira são os outros suplentes. Miguel Pereira Leite, atual presidente da Assembleia Municipal do Porto, é a principal aposta para o mesmo cargo.

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Recados também para a direita

Quase a terminar o discurso, ainda houve mais um recado aos vereadores do PS, através de um texto que Rui Moreira escreveu em 2009, quanto era presidente da Associação Comercial. A mensagem defendia que o Porto “não pode tolerar que alguém, dentro das portas da cidade, tenha o topete de dizer que uma qualquer benesse é uma dádiva do Governo ou do poder central”.

Antes, uma resposta indireta a Passos Coelho, que em abril disse na cidade que “o Porto está parado há quatro anos”, e que o que de bom havia era mérito da “herança que foi recebida” dos 12 anos de liderança de Rui Rio. “Não haja memória curta que nos engane, [ a cidade] transformou-se para muito melhor”, frisou o autarca, acrescentando que prometeu “pouco” mas cumpriu “muito”, que soube “guardar” o património que herdou, mas também foi capaz de “valorizar e incrementar esse património”.

Imediatamente depois de referir esse passado, Moreira tocou no calcanhar de Aquiles de Rui Rio — que em 2013 deu a cara pelo movimento independente mas que hoje é apoiante do candidato do PSD Álvaro Almeida –, a falta de investimento da Cultura. “Tínhamos razão quando afirmávamos que uma cidade mais culta é uma cidade mais orgulhosa, com mais identidade e maior capacidade de atrair turismo e, com o turismo, atrair investimento e criar emprego”, disse.

Depois, veio uma resposta para o próprio Álvaro Almeida, que tem criticado o crescimento da criminalidade na cidade, com base no indicador dos crimes contra o património, que aumentaram 9% nos últimos três anos. “Todos os indicadores demonstram que a cidade está mais segura e tem, apesar do fluxo turístico, índices cada vez menores de criminalidade. Não, na segurança como noutro qualquer assunto, a mentira mil vezes repetida de que a criminalidade está a aumentar não se transforma em verdade”, sublinhou Moreira.

O discurso contra o centralismo continua a ser uma das suas bandeiras. “Porque não são os likes no Facebook ou as mensagens no Twitter que contam”, mas sim os votos nas urnas. “Por muitos posts e comentários que fizermos no Facebook, a favor do nosso Porto ou contra o centralismo, o que mais legitima as nossas ambições é o voto democrático”, sublinhou aquele que é o político português com mais seguidores no Facebook, num apelo à diminuição da abstenção.

Para além do autarca de 60 anos de idade, na corrida à Câmara do Porto para as eleições de 1 de outubro estão também Manuel Pizarro, pelo PS, o independente Álvaro Almeida, apoiado pelo PSD e pelo PPM, João Teixeira Lopes, pelo BE, e Ilda Figueiredo, pela CDU.