Como bom guia prático que é, Desenrasca-te! começa com um diagnóstico. O questionário de Renato Rocha é simples e serve para determinar o “quociente de desenrasque” do leitor. Dadas todas as respostas, segue-se a avaliação. “És uma desgraça. Como sobreviveste tempo suficiente para comprar este livro?” — a apreciação para quem termina o teste com nota negativa é dramática. Vale o que vale e umas quantas gargalhadas silenciosas ninguém lhe tira. Renato, argumentista, já tinha pensado escrever um livro, mas nunca desta índole. Postas as coisas nestes termos (a proposta veio da editora, a Oficina do Livro), valeu-se da prosa ligeira para lhe dar outro tom, ou seja, desenrascou-se.
“Tentei que este livro contrastasse com os guias práticos que já existem, por sinal, extremamente entediantes”, afirma o autor. Escritas com humor e muito sarcasmo, as mezinhas da avó nem parecem as mesmas, se bem que Desenrasca-te! chega a outros dramas da vida adulta, desde a criação de uma palavra-passe à prova de tudo e mais alguma coisa àquela mentira inofensiva que se quer manter até ao fim. Mas afinal, como é que alguém que escreve argumentos para séries e telenovelas reúne o conhecimento empírico necessário para escrever um manual de truques essencialmente domésticos? É que, há dois anos, Renato foi morar sozinho e o desenrasque entrou no léxico. “Ao contrário do que as pessoas pensam, começar a viver sozinho não é aquela sequência de dias incríveis”, conta.
A ajudar à festa esteve Tamara Alves. A artista assina as ilustrações do livro, um trabalho bem diferente daquele que está habituada a fazer em murais ao ar livre. O Batman a passar a ferro, um pinguim a tocar violino e um autorretrato são só alguns exemplos. Segundo o autor, o traço de Tamara apanhou à primeira o tom do livro, a começar nos três ingredientes milagrosos.
Vinagre, o milagre fedorento
Renato dedica um capítulo inteiro ao vinagre, sem nunca recorrer ao seu uso mais corrente, o tempero. Tudo o resto está lá. Serve para desentupir canos, para desinfetar a cozinha, eliminar aquelas manchas de transpiração axilar, tirar vincos da roupa, remover cola e limpar vidros. Só ficou uma advertência: não ponha todos estes truques em prática no mesmo dia. O autor fez isso e ficou com a casa a cheirar a vinagre durante duas semanas.
Os ovos e a ressaca
“Há uma quantidade incrível de produtos básicos que desenrascam muitas situações”, afirma Renato. Os ovos foram uma destas descobertas surpreendentes. As claras tanto servem para limpar objetos de couro como para improvisar um curativo rápido. Pode mesmo besuntar a cara com elas em jeito de máscara hidratante. Mas, para combater a ressaca, vai precisar do ovo inteiro. Não tem de estar cru. O segredo está na cisteína, um aminoácido que ajuda a contrariar o efeito do álcool no organismo. Quanto ao modo de confeção, fica dependente da paciência de cada um.
A branqueadora pasta de dentes
Além de altamente aconselhável pela manhã, depois de cada refeição e antes de ir dormir, também desenrasca muito boa gente. Diz que tira nódoas, que serve para limpar CDs, DVDs e os faróis do carro, seca borbulhas, tapa buracos nas paredes (quando já não podemos ver aquele quadro à frente) e ainda deixa a borracha dos All Star como nova, apesar da opção em si ser muito pouco consensual.
Mentir, construir palácios e outras medidas de segurança
Nem tudo em Desenrasca-te! se resume à lida da casa. No campeonato dos truques psicológicos ligeiramente desonestos, como lhes chama o autor, há dois para tornar uma mentira inofensiva muito mais convincente. Numa situação de atraso, o livro desaconselha as desculpas muito elaboradas. Vale mais ser vago e — segunda dica — meter pelo meio um episódio humilhante. Isso faz com que a justificação pareça algo difícil de admitir.
Bem mais elaborado é o raciocínio que levou Renato até um truque de memória mais velho que a avó de qualquer ser vivente. Chama-se método de loci (lugar em latim) e parece que era usado pelos romanos para memorizarem os seus discursos. É simples e há quem lhe chame também “palácio mental”. O segredo é pensar num sítio que nos seja familiar — o nosso quarto, por exemplo –, e arrumar lá mentalmente o que precisamos de saber de cor, sejam as palavras-chave para uma apresentação ou a lista do supermercado. Para começar, o autor recomenda divisões pequenas e não um bairro inteiro.
E palavras-passe? Quem é que nunca perdeu o fio à meada a tantos número, maiúscula e ponto que teve de acrescentar para que ficasse realmente segura? O livro ajuda. Nunca menos de 12 carateres. Letras grandes e pequenas, números, símbolos e sinais de pontuação, sempre. Evitar sequências numéricas óbvias e o próprio nome. Para memorizar isso tudo, pode utilizar uma cábula com uma ou várias frases, onde os pontos e as iniciais de cada palavra formam a palavra secreta. Qualquer coisa, pode sempre recorrer ao método loci dos romanos. Pelo menos com eles resultou.