Quase 24 horas depois de as urnas terem fechado, nestas que foram as quartas eleições em Angola e as terceiras em paz, a Comissão Nacional Eleitoral anunciou os resultados provisórios, apontando para uma vitória do MPLA com 64,57% dos votos.
Em segundo lugar, surge a UNITA com 24,4% dos votos e em terceiro a CASA-CE, com 8,56%. Além disso, a abstenção fixou-se nos 23,71%. Isto tudo quando estão escrutinadas 65,53% das assembleias de voto e 63,74% dos eleitores.
Com estes números, surgem duas certezas e três dúvidas.
1ª certeza: João Lourenço é o próximo Presidente
Ainda as urnas não estavam abertas, esta já era uma certeza quase confirmada. Seja porque o processo eleitoral em Angola reúne dúvidas quanto à sua legitimidade, seja porque a oposição nunca conseguiu atingir a hegemonia do partido que governa Angola desde 1976, era dado como garantido que o MPLA venceria as eleições deste 23 de agosto.
Assim, é seguro dizer: João Lourenço vai ser o próximo Presidente de Angola, sucedendo a José Eduardo dos Santos. Isto porque, com apenas um terço dos votos por apurar e com uma vantagem de mais de 40% para a UNITA, o MPLA irá certamente sair em primeiro lugar. E, de acordo com a lei orgânica eleitoral de Angola, o número um da lista mais votada é automaticamente nomeado Presidente.
2ª certeza: o MPLA domina parlamento
Ao todo, há 220 deputados na Assembleia Nacional angolana. Assim, para conseguir uma maioria absoluta, bastam 111 assentos parlamentares. Nas duas primeiras eleições após o fim da Guerra Civil, este foi sempre um objetivo garantido pelo MPLA. Em 2008, teve 191 deputados. Em 2012, conseguiu 175.
Agora, em 2017, tudo indica que o MPLA consiga mais uma vez ultrapassar a fasquia dos 111 assentos parlamentares e, assim, conseguir dominar a Assembleia Nacional. O que, mais uma vez, limitaria a oposição a ter um papel mais simbólico do que interventivo — mesmo que, como parece possível, venha a aumentar o número de deputados.
1ª dúvida: conseguirá o MPLA uma maioria de dois terços?
Se a maioria absoluta parece certa, atendendo àquilo que os resultados provisórios da CNE indicam, o mesmo já não pode ser dito em relação a uma maioria qualificada, isto é, uma maioria superior a 66% — indispensável para convocar um referendo ou propor uma alteração à Constituição.
Ao início da tarde desta quinta-feira, Jú Martins, do Bureau Político do MPLA, disse que o partido podia afirmar ter uma “maioria absoluta assegurada”. Porém, na conferência de imprensa da CNE, que começou a meio da tarde, foi dito que o MPLA teria 64,57% quando ainda faltava contar pouco mais de um terço dos votos.
Assim, é ainda pouco claro se o MPLA vai ou não ter uma maioria de dois terços na Assembleia Nacional durante os próximos cinco anos. Sublinhe-se, no entanto, que os deputados em Angola são eleitos em círculos eleitorais correspondentes a cada uma das 18 províncias e consoante o método de Hondt. Como tal, não é líquido que, ao ter mais de 66% dos votos, o MPLA tenha automaticamente mais de 66% dos deputados.
2ª dúvida: como vai a oposição contestar os resultados?
“Falsos.” Foi desta forma que o mandatário da UNITA na CNE, José Pedro Cachiungo, respondeu à TPA quando lhe perguntaram o que achava dos resultados provisórios. “Esses resultados são falsos. São falsos na sua produção, são falsos na sua dimensão, são falsos comparados com o que nós temos”, garantiu.
O mesmo responsável diz que não viu nenhuns dos dados anunciados a chegarem ao centro de escrutínio da CNE. “Nós, mandatários dos partidos, não conseguimos dizer se foram produzidos de acordo com aquilo que a lei manda ou se foram produzidos no gabinete dela”, disse, referindo-se à porta-voz da CNE, que anunciou os resultados.
Também da parte da CASA-CE a reação foi negativa. “Um povo sedento de mudança. como é o povo angolano, neste momento não daria uma maioria qualificada ao MPLA”, disse Cesinanda Xavier, da CASA-CE. Segundo esta dirigente política, o MPLA “não estaria em primeiro lugar” na província de Luanda.
Tanto a UNITA como a CASA-CE, que são os dois maiores partidos da oposição em Angola, afirmam estar a fazer contagens paralelas das eleições. A meio da tarde desta quinta-feira, a UNITA afirmou que já tinha contado os resultados de 6150 mesas eleitorais, dentro de um total de 25 474. A partir dessa contagem, a UNITA apontava para uma vitória do MPLA, mas com 47,6% dos votos. Ou seja, possivelmente de uma maioria absoluta.
De acordo com Cesinanda Xavier, da CASA-CE, a sua coligação irá “denunciar” os resultados. Porém, não é claro se pretende recorrer à justiça. O mesmo se aplica à UNITA. À TPA, José Pedro Cachiungo apelou à “calma”. A questão que sobra daqui é: qual será a postura que a oposição vai adotar depois de terminar a sua contagem paralela?
3ª dúvida: em quem vota Luanda?
Em toda a conferência de imprensa da CNE, o maior ponto de interrogação ficou a pairar em torno da votação na província de Luanda. Dos quase 2,9 milhões de eleitores que foram às urnas na província mais populosa de Angola, na tarde desta quinta-feira apenas 883 303 tinham sido escrutinados. Ou seja, 30,62%.
Desses mais de 800 mil votos, a CNE referiu que o MPLA era a preferência de 50,26%, seguindo-se depois a UNITA com 34,25% e a CASA-CE com 13,97% dos votos.
Entre as 18 províncias de Angola, a de Luanda é precisamente aquela onde há mais votos por contar. De resto, só na Lunda Sul, onde só 32,29% dos votos tinham sido contados, é que a percentagem de votos escrutinados é semelhante. E, entre as 18 províncias, já tinham sido contados pelo menos 70% dos votos em 15 delas.
Assim sendo, a votação da província de Luanda não só continua a ser um mistério como será provavelmente decisiva. Não o será, certamente, a ponto de tirar a vitória ao MPLA. Mas muito dificilmente a decisão de o MPLA ter, ou não, uma maioria de dois terços, depende da província de Luanda.