Na última segunda-feira fez 16 anos que as torres gémeas sucumbiram a um ataque da Al Qaeda. Morreram 2.296 pessoas. Osama Bin Laden tornou-se, a partir desse dia, o inimigo nº 1 do mundo. Os Estados Unidos dedicaram tudo o que podiam à captura e consequente morte do líder da Al Qaeda; esse dia chegou em maio de 2011, quando as tropas norte-americanas invadiram o refúgio de Bin Laden em Abbottabad. Mas deixaram uma ponta solta: Hamza Bin Laden, o 15º filho de Osama.
Desde a morte do pai, Hamza teve uma ascensão meteórica nas fileiras da Al Qaeda, cumprindo à risca o legado do Bin Laden mais velho. Não se deixou seduzir pelo fulgor do Estado Islâmico e agora, que a utopia do califado caiu na Síria e no Iraque, está pronto para subir ao pedestal do terror mundial. Ali Soufan, um antigo agente do FBI que perseguiu Osama Bin Laden entre 1997 e 2005, teve acesso a documentos preciosos escondidos em Abbottabad. Numa entrevista ao El Mundo, Soufan afirma que “o objetivo de Hamza é continuar a mensagem e a obra do pai e vingar a sua morte”.
Ali Soufan culpa-se por não ter evitado os atentados de 11 de setembro. Depois de se retirar do FBI, dedicou-se à construção de um retrato fiel do maior entusiasta de Osama Bin Laden. “Hamza é, sem dúvida, um grande admirador do legado do fundador da Al Qaeda e deseja imitar os gestos do pai”, reitera Soufan.
Hamza cresceu longe de Osama. Quando o viu pela última vez tinha apenas 13 anos. Encontraram-se pela última vez em Jalalabad”, detalha o detetive. O então adolescente nunca esqueceu aquela última despedida do pai, junto com todos os ‘irmãos’ do grupo terrorista, e a fuga que tiveram de fazer sozinhos por entre as montanhas da fronteira do Paquistão com o Afeganistão. “Foi como se nos tivessem arrancado o fígado e o tivessem deixado ali”, escreveu o rapaz anos mais tarde numa carta que enviou a Bin Laden.
Esta correspondência que os dois mantiveram durante anos ajuda a traçar a personalidade de um jovem que até agora foi quase desconhecido. “Vivemos para traçar o caminho da jihad em nome de Deus”, refere nas missivas enviadas pouco antes de maio de 2011, em que suplica ao pai que se reencontrem. “Quantas vezes desejei, do fundo do meu coração, estar ao teu lado. Recordo cada sorriso com que me brindavas, cada palavra que me dizias e cada olhar que me oferecias”, relata com pesar.
Ali Soufan diz que, desde a última vez que estiveram juntos, que pai e filho tinham uma relação baseada na nostalgia. Durante a sua infância, Hamza acompanhou Osama nas suas viagens pelo Sudão e pelo Afeganistão e existem algumas fotografias destes tempos. Uma delas, de 2001, foi extraída de um dos vídeos rudimentares da Al Qaeda que foram divulgados pela Al Jazeera, e mostra um pequeno Hamza a brincar com os destroços de um helicóptero derrubado pelos talibã. “Hamza apareceu nas primeiras produções do grupo. Foi uma presença recorrente.”, contou ao El Mundo uma fonte da investigação do 11 de setembro. A propaganda filmou-o a recitar poemas para festejar o assassinato de infiéis ou completamente fardado com o uniforme militar, liderando um grupo de cães do movimento.
O destino de Hamza Bin Laden começou a forjar-se na década que se seguiu ao ataque às torres gémeas. Na companhia da mãe Jairiah Sabar – doutorada em legislação islâmica -, e de alguns familiares e outros entusiastas da Al Qaeda, Hamza refugiou-se no Irão, longe do islamismo xiita e o único país da região em que a inteligência norte-americana não estava presente. “Durante oito anos esteve em reclusão domiciliária no Irão. As pessoas que estavam à sua volta instruiram-no para seguir os passos do pai”, avança Ali Soufan.
O “herdeiro” reafirmou os seus princípios acalentado pela mãe, pelos egípcios Abu Jair al Masri e Abu Mohamed al Masri e por Saif al Adel. Durante a sua formação, enquanto ia devorando toda a literatura religiosa existente, a identidade do filho de Bin Laden foi absolutamente escondida pela cúpula da Al Qaeda. Na verdade, muitos jornais e televisões do mundo inteiro deram a sua morte como certa. Até que Hamza reapareceu em 2015. Num comunicado, Ayman al Zawahiri, um cirurgião egípcio que era o braço direito de Osama e administra a herança desde a sua morte, apresentou o rapaz como “o leão que chegou da guarida da Al Qaeda”. Depois, a voz pausada de Hamza surgiu no vazio para saudar cada um dos líderes das sucursais do grupo, anunciar a sua saída do esconderijo no Irão e incitar a novos ataques ao Ocidente.
Hamza tem-se dedicado àqueles que, tal como ele, são “lobos solitários”. Na última mensagem que fez até hoje, em maio de 2017, pediu que “cumpram o vosso objetivo em segredo. Alcancem o maior nível de perfeição nas vossas ações. Exercitem o máximo cuidado e precaução e preparem-se com diligência para inflingir a maior quantidade de mortes entre os infiéis.” No fim do comunicado, ainda jurou vingar “as crianças sírias, as viúvas da Palestina, as honrosas mulheres iraquianas e os órfãos do Afeganistão” e atentar “contra os judeus e os seus interesses e a monarquia saudita”.
Aos 28 anos, Hamza Bin Laden é considerado o regresso do terror que assolou o mundo nas últimas décadas. No princípio do ano, o Departamento de Estado norte-americano incluiu o seu nome na lista de terroristas procurados, admitindo a importância de Hamza num grupo que resistiu às ameaças do rival, o Estado Islâmico, e que dá sinais de que vai sobreviver. “O Estado Islâmico está a perder a batalha. O grande êxito da Al Qaeda é ter encaixado a ascensão do Estado Islâmico sem nunca perder a lealdade de ninguém”, explica ao El Mundo Barak Mendelsohn, um especialista em jihadismo da Universidade de Haverford.
Este renascimento traz de volta o fantasma Bin Laden e acrescenta sangue novo ao terrorismo internacional – ainda que nem toda a gente acredite no sucesso de Hamza. Essam Deraz, o repórter egípcio que tirou a primeira e mítica fotografia a Osama, duvida dos dotes do sucessor. “Osama era um tipo com caráter e carisma que, ao mesmo tempo, podia contribuir para o financiamento da sua organização e combater no terreno ao lado dos mujahidin (guerreiros santos). Tinha coragem e enfrentava o perigo. Hamza não é feito disso”, avisa Deraz.
Ali Soufan diz que existem outros parentes de Bin Laden nas fileiras da Al Qaeda, mas nenhum com o cargo e a notoriedade de Hamza. “A Al Qaeda já é mais forte que o Estado Islâmico. Já não é aquele grupo que era há 16 anos, radicado no Afeganistão e com 400 membros. Hoje controla território e tem filiais ao longo de todo o mundo muçulmano, com milhares de militantes na Síria, no Iémen e na Líbia”, diz o antigo agente do FBI.
Ninguém sabe qual é a aparência de Hamza Bin Laden. “Não há imagem pública, mas o seu aspeto deve ser muito parecido com o do pai”. E Ali Soufan termina com um aviso: “ele vai continuar o plano que o pai traçou mas o principal alvo vão ser os millennials. A sua missão vai ser unificar os seguidores do pai que estão divididos entre o Estado Islâmico e a Al Qaeda. É provável que muitos membros do Estado Islâmico regressem à organização-mãe, que abandonaram depois da morte de Osama”.