Francisco Manuel de Oliveira Landum nasceu na vila alentejana de Cuba. Tem 59 anos. Aos oito trocou a pacatez da planície pelo reboliço urbano da Baixa da Banheira, na margem sul do Tejo. O pai trabalhava na construção civil e a mãe nas limpezas. Em casa, nessa época, respirava-se o ideário comunista: os país militavam ambos no PCP. Chegada a adolescência e influenciado pelos ídolos no rock, Francisco tornou-se mais rebelde, até excêntrico: utilizava collants de leopardo e longas botas de veludo até ao joelho. Gostava do excesso. “Havia haxixe, LSD e mulheres”, contaria anos depois em entrevista à revista Sábado.

Autodidata, aprendeu guitarra na adolescência de tanto escutar discos de Deep Purple, Led Zeppelin, Poison ou Iron Maiden no quarto. Não tardou até que formasse a sua própria banda, os TNT. Tinha 17 anos. “Era um menino prodígio. Deus perdeu algum tempo comigo…” Seguiram-se os Iberia pouco tempo depois, uma banda de heavy metal (também nada e criada na Baixa da Banheira) que chegou a tocar o single “Hollywood” num programa da RTP.

Ainda concluiu o ensino secundário, mas abandonou depois os estudos: o que realmente queria era ser músico. Profissional. E conseguiu. Foi convidado para integrar, como guitarrista, os Da Vinci de Pedro Luís Neves e Iei-Or. Poucos imaginam, mas é da autoria de Francisco o tema “Conquistador” que em 1989 venceu o Festival da Canção. Um tema que compôs… numa paragem de autocarro em Sacavém. Oito anos (e alguns discos de ouro e platina depois) deixou a banda lisboeta.

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E deixou igualmente de ser Francisco. Em entrevista à revista Autores conta porquê: “Quis fazer uma carreira a solo. E fui para a [editora] CBS. Mas eles não gostaram muito do nome Francisco, acharam que não era ‘muito comercial’… Como na altura havia alguns nomes da ‘moda’ em Portugal — por causa das novelas brasileiras –, propuseram-me dois: Ricardo ou André. Escolhi Ricardo…” Hoje ninguém o trata mais por Francisco. Ninguém ou quase ninguém. “Ricardo foi o nome que adotei como compositor e autor, e é como a maioria das pessoas hoje me conhece. Claro que a minha mãe, por exemplo, me trata por Francisco, mas quase toda a gente me trata por Ricardo… Agora vivo com uma dupla identidade”, graceja à Autores, em entrevista a Viriato Teles.

Apesar de ter afirmado (sem teias nem peias) na entrevista à revista Sábado que “canta p’ra caralho”, os singles “Vontade Louca” e “Coração Latino” que gravou a solo após a saída dos Da Vinci não tiveram o sucesso que Ricardo Landum desejava. Talvez por isso, aceitaria logo depois um convite da editora Discossete para ser produtor. Apenas produtor.

As suas canções na voz de outros (Ágata, Mónica Sintra, Ruth Marlene, Romana, Micaela e, claro, Tony Carreira) vendiam como pãezinhos quentes. Era aquela a década do aparecimento do “pimba” (Landum sempre preferiu o termo “música ligeira”) em Portugal. Logo aí se decidiu: “Pode dizer-se que abandonei mesmo os palcos…” E explicaria, à revista Autores: “A partir de certa altura, passei a dedicar- me de alma e coração só à composição e à produção. Queria ter uma vida mais ligada ao backstage do que propriamente ao palco. O palco dá gozo, mas é uma coisa dolorosa, anda-se sempre a viajar, os verões são sempre passados de um lado para o outro… Gostava de ter uma vida mais sedentária, de estar aqui sentado e a escrever coisas…” E escreveu.

Ao longo da década de 1990 e até hoje, Ricardo Landum compôs mais de cinco mil canções. Hoje fá-lo no seu próprio estúdio, situado numa cave do bairro da Picheleira, em Lisboa. Continua a utilizar a mesma caixa de ritmos que utilizava no começo. Cobra 1.500 euros por cada canção. E estima-se que Ricardo Landum receba entre 300 e 500 mil euros anuais em royalties. O próprio explicou porquê, à Autores: “Considero que vivo bem dos direitos de autor. Porquê? Porque faço milhentas canções, e tenho a sorte de ser um autor completo — faço as músicas e as letras. E, depois, também tenho a sorte de ser um autor muito fértil, em termos de trabalho — praticamente não passo um dia sem fazer uma canção, tenho centenas de cassetes com originais. E como faço muito e edito muito, posso perfeitamente viver dos direitos de autor. Trabalho com um leque de artistas que vende bastante.” Landum é desde 1995 quem mais ganha com direitos de autor em Portugal — mais de 300 dos discos que produziu chegaram à platina.

Tímido, “terrivelmente” exigente e romântico

Ricardo Landum quase não deu entrevistas até hoje. “Sou bastante tímido, não gosto de me ver na televisão, prefiro estar mais recatado, ter a minha privacidade.” Sabe-se que é um fumador inveterado quando está no estúdio a produzir, a sua coleção de guitarras vale milhares de euros, vive num apartamento de luxo no Parque das Nações, em Lisboa, e janta nos melhores e mais dispendiosos restaurantes da cidade, como o Olivier, na Avenida da Liberdade. No trabalho, a sua personalidade chega a ser irascível. Landum garante que é apenas “exigente”.

Sou terrivelmente exigente… Costumo dizer aos meus amigos que tenho um caixote do lixo enorme lá em casa: a primeira pessoa a reprovar uma música que faço sou eu próprio. Enquanto não gostar, enquanto uma coisa não me fizer vibrar, não pode fazer vibrar mais ninguém. No estúdio é a mesma coisa: se um artista não me faz vibrar, se não me põe aos pulos… Estou numa indústria de discos, não posso fazer discos só para os amigos”, garantiu, na revista Autores.

Uma das perguntas que mais incomoda Ricardo Landum em entrevistas é a da “fórmula” do sucesso — ele que foi responsável por vários ao longo das últimas décadas. “Às vezes, nas poucas entrevistas que dou, há jornalistas que me perguntam qual é ‘a fórmula’. É uma pergunta que não faz sentido, porque a verdade é que não há nenhuma fórmula! Isto não é assim. A arte tem a ver com as emoções, com a inspiração”, explicou à Autores. E acrescentaria: “Às vezes sou capaz de fazer duas ou três canções espetaculares num dia, e depois sou capaz de ficar um mês ou dois em que não aparece nada. Agora, se me perguntarem se há esquemas que nós usamos para a música ligeira, claro que há, como há para o rock ou para o hip-hop. Mas, se não houver inspiração, só o esquema em si não chega. Há coisas que não são palpáveis, não se explicam, têm a ver com o coração, com o espírito…”

O próprio garante que o o seu principal talento é “ser observador das pessoas, contar na escrita o que sinto”. “Quando escrevo, por exemplo, nunca estou a pensar se a canção vai ser um êxito, se vai vender muito. A primeira coisa que sinto é a alegria de ter conseguido uma frase boa, ou um refrão, ou uma melodia. O resto vem depois”, explicou em entrevista à Sábado. A temática é quase sempre repetida nas canções de Ricardo Landum: o amor. Ou melhor, o desamor. “Nunca fui um homem feliz no amor e o desamor é a ‘mola’ do que escrevo. Romântico? Sou um romântico virtual. Sou um romântico… foda-se… nas entrelinhas. Sou um romântico… Sei lá, caralho! Inventa para aí! Sou um romântico teórico, não na prática… É complicado. Escreve uma coisa gira. Sei que vais escrever. Sou bem sucedido com as mulheres. Podes pôr aí”, atiraria de chofre à Sábado, concluindo depois: “Ver milhares de pessoas a cantarem as tuas músicas do princípio ao fim, a sentir o que tu queres transmitir, é a recompensa do teu trabalho”.

“Plágio? Está provada alguma coisa? Caguei. Não há provas!”

O compositor sofre de esclerose múltipla. À revista Autores, e numa altura em que a doença degenerativa lhe havia sido diagnosticada recentemente, falou sobre o que ainda ambicionava fazer no futuro. “Sou músico profissional porque optei por isso, queria acordar de manhã satisfeito por ir trabalhar, era a única maneira de ser feliz. Achei que tinha jeito para a música ligeira, as coisas começaram a funcionar, comecei a vender carradas de discos e, naturalmente, fiquei naquele setor. Não quer dizer que tenha esquecido o rock. Há um disco que quero fazer um dia, que é o meu disco: comigo a cantar, a fazer as burrices todas. Talvez seja mais na linha do rock que já fiz. Não sou um cantor de música ligeira. Consigo fazer boas canções de música ligeira mas não as consigo interpretar. Acho que nunca seria um bom cantor de música ligeira.” À Sábado, Landum foi mais… contundente: “Já não preciso disto p’ra comer. Um dia que perca a tesão, paro…”

Embora o primeiro grande sucesso de Ricardo Landum tenha sido “Perfume de mulher” na voz de Ágata (a cantora afirma que Landum “tem um dom de Deus” na hora de compor) foi com Tony Carreira que conseguiria mais notoriedade. Antes de conhecer Landum, Tony não a tivera. Em entrevista a Anabela Mota Ribeiro, no Público, em 2014, o próprio Tony Carreira descreveria assim a parceria musical entre ambos: “Comecei a gravar em 1988. Até 1992, todos os discos foram autênticos fracassos. Não condeno as editoras que acharam que não tinha talento; se calhar o trabalho que fazia não tinha qualidade. Aprendi muito com o Ricardo Landum na parte da composição. Não é à toa que se fazem canções; há regras. Começo a trabalhar com ele nessa altura. Aprendo, inclusive, a cantar de outra maneira.”

Agora, o Ministério Público acusou Tony Carreira de plagiar 11 músicas de autores estrangeiros, com a colaboração Landum, também ele arguido, considerando que estes se “arrogaram autores de obras alheias” após modificarem os temas originais. “As obras descritas são exemplos da atividade ilícita do arguido Tony Carreira, o que resulta do confronto da obra genuína alheia com a obra supostamente criada pelo arguido, por vezes com a participação do arguido Ricardo Landum, sendo que tais obras foram analisadas através de perícia musical”, sustenta o Ministério Público.

A acusação diz que pelo menos desde 2012 e até à data os arguidos “têm vindo a dispor de composições musicais alheias e da sua matriz, introduzindo-lhes alterações e arranjos como se fossem suas e sem que com isso tenham criado obras distintas, genuínas e íntegras”. Tony Carreira está acusado de 11 crimes de usurpação e de outros tantos de contrafação, enquanto Landum responde por nove crimes de usurpação e outros nove crimes de contrafação.

Oiça e compare as 11 músicas que Tony Carreira é acusado de plagiar

Curiosamente, no começo deste ano, Ricardo Landum processou o cantor brasileiro Gusttavo Lima por uso indevido de uma canção (“Que Mal te Fiz Eu?”) que Landum escreveu em 2008. Gusttavo Lima regravou a canção em 2014, alterando parte da letra e nunca pagando direitos de autor. “Sinto-me moral e materialmente defraudado com isto tudo”, disse em março Ricardo Landum ao Correio da Manhã. E acrescentou “Simplesmente pegou [Lima] na canção e usou-a como bem quis”.

Gusttavo Lima incorria em duas penalizações previstas na lei brasileira: o uso da canção sem revelação do seu autor e a alteração parcial da sua letra. O representante legal de Ricardo Landum no Brasil afirmou na altura ao Correio da Manhã que indemnização pedida pelo compositor era de cinco milhões de euros. Em julho, Ricardo Landum ganhou a primeira “batalha” em tribunal contra Gusttavo Lima: por decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Lima está proibido de “cantar e comercializar a música”, declarou o advogado de Landum, Ricardo Honorato.

Em entrevista à Sábado, e quando confrontando com as semelhanças entre algumas das músicas por si compostas para Tony Carreira e outras já existentes de outros cantores, Landum refutou a acusação de plágio. “Portugal é um país de invejosos. Está provada alguma coisa? Não sei nada disso. Caguei. O Tony falou sobre isso. Ele também cagou. Não há provas”, garantia. O Observador tentou sem sucesso contactar Ricardo Landum.