O antigo ministro das Finanças António Bagão Félix afirmou, em entrevista à Lusa, que o sistema fiscal português “está cheio de incoerências e buracos” e defendeu a necessidade de concretizar uma reforma fiscal.
“O sistema fiscal português está cheio de incoerências, está cheio de buracos, é uma espécie de pedra pomes, pouca densidade e muitos buracos, e exige uma espécie de armistício fiscal”, disse o antigo governante à Lusa, a menos de uma semana da entrega da proposta de Orçamento do Estado para 2018 (OE2018) no parlamento.
Bagão Félix, que defende a necessidade de serem feitas “reformas de fundo”, afirmou que o OE2018 “será, aparentemente, um orçamento sem qualquer expressão mais forte, mais impressiva, de verdadeiras reformas de fundo”, o que disse ser uma preocupação.
“As reformas de fundo podem ser feitas em qualquer altura, mas devem sobretudo ser feitas em momentos de bonomia, de bonança conjuntural que permita alguma folga, alguma almofada” para concretizá-las, argumentou o economista, que defende a concretização de uma reforma fiscal, ainda que esta “demore uns anos”.
No que respeita ao IRC (Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas), Bagão Félix afirmou que deve ser dada “estabilidade e previsibilidade” aos agentes económicos que querem investir.
“O pior que se pode fazer no sistema fiscal é reduzir a sua previsibilidade, […] o sistema fiscal tem que ser previsível a prazo, para as pessoas e as empresas planearem, não pode estar todos os anos a mudar. Este ziguezague fiscal […] é bastante perigoso a prazo”, afirmou.
Quanto ao IRS (Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares), o antigo ministro das Finanças de um governo PSD/CDS-PP entre 2004 e 2005 considerou que a alteração de escalões “será bem-vinda”, mas deixou um alerta: estar a “fazer uma manobra de diversão – entre aspas -, populista, demagógica, só para dizer que se ajuda os que têm menos rendimentos e não se beneficia os que têm mais rendimentos, é errática, é errada”.
A este propósito, criticou a forma como o Governo anunciou alterações no IRS, considerando ter sido “pouco sério do ponto de vista político”.
“O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares veio dizer isso alcançaria cerca de 3,5 ou 3,6 milhões de pessoas, de agregados. Bem, eram muito mais do que aquelas que pagam IRS. Depois retificou-se para um milhão e seiscentas mil. Não deixa de ser curioso: é o ovo antes da galinha, ou seja, […] na altura, quando isto foi anunciado, ainda não se sabia que medidas, em que termos, com que velocidade elas seriam tomadas, mas já se sabia o resultado das famílias que seriam beneficiadas. Como é que isso é possível?”, afirmou.
“Isto é pouco sério do ponto de vista político. É pouco sério e, de facto, dá a ideia — e esse é o meu medo — que o Orçamento para 2018, espero que não, possa ter uma componente muito simpática, muito popular. Se fosse feita à direita, seria populista, mas como é feita à esquerda é progressista e eu isso não concordo”, acrescentou o economista.
Já quanto aos outros impostos, Bagão Félix disse esperar “que não aconteça aquilo que é muito habitual, que é [o Governo] reduzir uma coisa e depois vai buscar a outro sítio”.
Em 2017, “foi buscar à gasolina e ao imposto sobre o combustível e a taxas”, exemplificou, acrescentando que o conjunto de taxas previstas no Orçamento do Estado em 2017 é de cerca de 2.400 milhões de euros. “No fundo, estamos a falar do quarto maior imposto, a par do Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos. Isto é: IVA, IRS, ICR e depois taxas e Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos”, detalhou.