O presidente catalão, Carles Puigdemont, insiste que vai aplicar “o que diz a lei” catalã do referendo e que avança para a independência já esta terça-feira. O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, insiste que, à luz da lei fundamental do Estado espanhol, um governo autónomo não se pode declarar independente de forma unilateral. Mas é difícil ganhar neste braço-de-ferro. O que vai fazer Mariano Rajoy quando o presidente da região autónoma da Catalunha declarar a independência daquele território? Segundo a imprensa espanhola, Rajoy está a preparar um arsenal de leis para travar as aspirações separatistas.

O artigo 155 da Constituição é o trunfo principal, mas pode não chegar. Para isso, o executivo de Madrid está a pensar num conjunto de medidas extraordinárias para complementar, e deixar Puigdemont sem saída, avança o El País. Ora, o artigo 155 prevê que, no caso de uma comunidade autónoma não cumprir as obrigações que a Constituição ou outras leis fundamentais imponham, ou atue contra o interesse geral de Espanha, o Governo pode, “com aprovação por maioria do Senado, adotar as medidas necessárias para obrigar aquela comunidade a cumprir as ditas obrigações”. Mais: para dar seguimento às medidas previstas, o Governo “pode dar instruções a todas as autoridades das comunidades autónomas”. Mas isto é o que diz o artigo 155, que ainda não passou pelo crivo do Senado (precisa de maioria qualificada para ser acionado), e além do mais pode não chegar para “salvar” a unidade espanhola.

O problema, segundo destaca a imprensa espanhola citando fontes governamentais, é que o artigo 155 nunca foi acionado e há várias dúvidas sobre o seu alcance. Daí que o Governo de Rajoy esteja a estudar outros instrumentos legais, nomeadamente ao nível da Lei da Segurança Nacional e da Lei dos Estados de Alarme, Estados de Exceção e Estados de Sítio. Tudo situações excecionais que o Estado espanhol ainda não viveu mas que estão previstas no quadro da lei: resta saber se a situação de independência de uma região autónoma contra a vontade do governo central se enquadra em algum destes regimes.

Por partes. A lei de Segurança Nacional, de 2015, indica que, mediante decreto de lei, o chefe do Governo pode declarar uma situação como situação de interessa para a segurança nacional quando estiver em marcha uma crise que “pela gravidade e dimensão, urgência e transversalidade, requer uma coordenação reforçada das autoridades competentes”. Assim sendo, mediante um decreto do Governo, pode ser nomeada uma “autoridade funcional” para dirigir e coordenar todas os passos que se sigam. O que a lei não diz é qual seria essa autoridade funcional e quais seriam as consequências de incumprimento dessas ordens. Segundo o El País, esta lei foi concebida para fazer face a situações de catástrofes ou atentados, podendo não se enquadrar em situações de conflito interno.

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Já a lei dos Estados de Alarme, de Exceção e de Sítio, mais antiga, de 1981, é mais taxativa. O Estado de Alarme é o mais fácil de aplicar, já que basta uma aprovação por decreto (sendo que num prazo máximo de 15 dias tem de ser ratificado no Congresso), e pode limitar-se a uma comunidade autónoma, sendo que todas as autoridades dessa comunidade ficariam na dependência direta do Governo central. O inconveniente do Estado de Alarme é que dificilmente se conseguirá enquadrar na situação de uma crise política: enquadra-se muito mais facilmente nos casos de catástrofe, crises sanitárias ou até paralização dos serviços públicos essenciais.

O Estado de Exceção será, nesta base, mais facilmente enquadrado no cenário de crise política na Catalunha. Prevê-se a aplicação do Estado de Exceção quando “o exercício dos direitos e liberdades, e o funcionamento das instituições democráticas estiverem gravemente alterados”. A aplicação desta lei requer apenas aprovação no Congresso por maioria simples, sendo que, uma vez em vigor, o Estado de Exceção permite a suspensão de alguns dos direitos fundamentais, permitindo por exemplo detenções administrativas por dez dias ou a proibição de greves e manifestações sem autorização judicial prévia.

O último trunfo dos instrumentos legais que estão a ser equacionados pelo Governo de Rajoy diz respeito ao Estado de Sítio. Para que situações está previsto, à luz da lei? Para fazer frente “a uma insurreição ou a um atentado contra a soberania, independência e integridade de Espanha”, sendo que requer maioria qualificada no Congresso para ser aprovado. No caso de ser ativado o Estado de Sítio, que é o equivalente ao antigo estado de guerra, a autoridade governativa passa a ser substituída pela autoridade militar e, tal como no estado de Exceção, os direitos e liberdades fundamentais são suspensos.

Não é certo qual destes instrumentos legais se enquadra na atual situação de crise política que Espanha vive, com uma região autónoma a querer a independência, contra a vontade do Governo central, nem sequer o que vai fazer o Governo de Rajoy quando Carles Puigdemont anunciar a independência. Os cenários são muitos, o tempo é que não.