José Sócrates disse-o repetidamente nas entrevistas que foi dando: tinha apenas uma conta bancária, na Caixa Geral de Depósitos, e era a partir dela que fazia face às suas despesas. Era também ali que recebia o ordenado e era ali que estava o dinheiro dos empréstimos que foi fazendo naquele banco.
No despacho de acusação, os procuradores dividem os movimentos da conta em dois períodos: de 3 de janeiro de 2005 a 20 de junho de 2011 — altura em que José Sócrates ocupava cargos públicos, nomeadamente o de primeiro-ministro — e após essa data até ao final do ano de 2012, quando esteve em Paris.
Comecemos pelo período em que José Sócrates era o inquilino do Palácio de São Bento. No saldo do deve e haver, constata-se que José Sócrates gastou quase sempre mais do que os rendimentos que auferia enquanto primeiro-ministro. A “balança” esteve particularmente desequilibrada nos anos de 2008 e 2009.
Durante este período de tempo, além do vencimento que tinha enquanto primeiro-ministro, José Sócrates contraiu dois empréstimos ao banco: um de 30 mil euros, em maio de 2009; outro de 15 mil euros, em novembro de 2009. Além disso, recebeu dinheiro da sua mãe, Maria Adelaide Monteiro, do irmão António Pinto de Sousa, do primo José Paulo Pinto de Sousa e do amigo Carlos Santos Silva.
Ficou célebre o provérbio utilizado pelos juízes do Tribunal da Relação quando negaram um recurso da defesa de José Sócrates, que na altura estava em prisão preventiva: “Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem”. E desde sempre a investigação quis saber como os rendimentos de José Sócrates enquanto chefe de Governo lhe permitiam ter um determinado estilo de vida. Na conta da Caixa Geral de Depósitos estão registadas despesas em vestuário, viagens, hotéis e computadores no valor de várias dezenas de milhares de euros.
O ano em Paris: 9 mil euros em decoração e 520 mil euros da mãe
No dia 21 de junho de 2011, José Sócrates deixa de ser primeiro-ministro e ainda nesse mês anuncia que vai tirar um “ano sabático” em Paris. Deixa de receber ordenado e muda-se para uma das cidades mais caras do mundo. “A primeira coisa que fiz quando saí de primeiro-ministro foi pedir ao meu banco um empréstimo para ir viver um ano para Paris, sem nenhuma responsabilidade ao nível profissional”, disse, numa entrevista à RTP, em março de 2013.
Esse empréstimo foi contraído logo em junho de 2011, no valor de 120 mil euros, tendo sido depositado na sua conta o valor de 118 176,00€. Dinheiro que, segundo os movimentos analisados pela investigação, é gasto em seis meses, quatro dos quais passados em Paris.
“Decorridos quatro meses sobre a fixação do arguido José Sócrates em Paris, o montante do empréstimo contraído já tinha sido gasto no pagamento de despesas, esgotando o saldo existente na sua conta da CGD.”
Quando se instala na capital francesa, José Sócrates utiliza a conta que abriu na sucursal da CGD em Paris e para onde transferiu 35 mil euros da conta de Lisboa. E em 13 dias gasta mais de 15 mil euros.
Com quase um ano pela frente em Paris, já sem o dinheiro do empréstimo e sem qualquer ordenado, José Sócrates recebe dinheiro vindo da mãe, do motorista João Perna e da amiga Sandra Campos. A devolução do IRS rende-lhe pouco mais de três mil euros.
Segundo a acusação, o dinheiro obtido pela mãe de José Sócrates veio de Carlos Santos Silva, que lhe comprou o andar da Rua Braancamp, em Lisboa, por 600 mil euros, “concluindo um plano já anteriormente iniciado” e que consistia em usar o dinheiro depositado na Suíça em nome de Santos Silva para a compra do imóvel.
“Desta forma, os arguidos conseguiram colocar, de modo justificado, ao longo de 2012, um total de €600.000,00 na esfera de Maria Adelaide Monteiro, de forma a facilitar a transferência de fundos da esfera desta para a conta do arguido José Sócrates, operações estas sempre justificáveis por serem realizadas entre mãe e filho.”
Dinheiro que José Sócrates foi gastando ao longo de todo o ano, principalmente no pagamento de despesas fixas como propinas, empréstimos, prestações do carro, seguros, etc.
De registar é ainda o facto de, durante o ano de 2012, José Sócrates não ter feito “qualquer levantamento em numerário sobre a sua conta junto da CGD, nem mesmo através do cartão de débito e pelo sistema de Multibanco”. Diz a acusação que o ex-primeiro-ministro satisfazia “as suas despesas correntes com as quantias que solicitava e lhe eram entregues, em numerário, pelo arguido Carlos Santos Silva, com origem nos fundos trazidos da Suíça e que este último detinha como fiduciário do primeiro”.
Segundo a acusação, entre junho de 2011 e setembro de 2014, a conta bancária de Sócrates “viria a suportar despesas que ultrapassaram €1.000.000,00”.
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