Na segunda jornada da Champions, o RB Leipzig perdeu na Turquia frente ao Besiktas. Perdeu no resultado, perdeu na exibição, perdeu na frente de ataque: mais ou menos à passagem da meia hora, Timo Werner não aguentou os 130 decibéis de barulho da Vodafone Arena – mais do que um martelo pneumático a perfurar alcatrão ou um concerto de música rock, por exemplo – e teve mesmo de sair. Até falhou o último jogo em Dortmund, por causa dessa lesão nos ouvidos que lhe causou tonturas. No entanto, nada move os adeptos turcos contra o conjunto germânico que se estreia este ano nas competições europeias, ao contrário de muitos outros na Alemanha.

O RasenBallsport Leipzig, ou RB Leipzig (que inicialmente deveria ser Red Bull Leipzig, mas os regulamentos não permitiram o nome pelo qual até costuma ser mais conhecido pelo grande público), tem apenas oito anos de existência mas soma já outras tantas histórias de contestação. De mercenários a clube de plástico, de batoteiros a assassinos do futebol, já lhe chamaram de tudo. Mas a verdade é que a equipa subiu da 5.ª Divisão para a Bundesliga em menos dos oito anos previstos e terminaram a estreia na Primeira Liga em segundo.

E de onde nasce toda esta animosidade? Exatamente da forma como foi criado e se desenvolveu: fundado em 2009 após a compra dos direitos do SSV Markranstädt, no seguimento de uma longa procura que envolveu também clubes de Hamburgo, Munique ou Düsseldorf, nasceu em Leipzig pela congregação de características necessárias: um estádio grande construído para o Mundial de 2006 que era pouco ou nada utilizado, um aeroporto, bons acessos, um clima de falência futebolística a nível de grandes palcos. Demorou cinco semanas e custou 350 mil euros.

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Hoje, entre equipa principal e formações secundárias, centro de estágio e estádio, estima-se que a Red Bull tenha investido cerca de 300 milhões de euros no projeto. Somou sucessos desportivos, diminuiu a fricção que havia na cidade de Leipzig, multiplicou o número de adeptos e as assistências nos jogos em casa (está na dúvida se vai agora aumentar o Zentralstadion, entretanto renomeado Red Bull Arena, ou se faz um novo recinto), mas continua a dividir, e de que maneira, um futebol ainda muito tradicional e cada vez mais fechado a fenómenos como aqueles que fomos observando nos últimos anos no Chelsea, no Manchester City ou no PSG.

Bruma, o único português no RB Leipzig, no jogo de pré-época frente ao Benfica (OLLY GREENWOOD/AFP/Getty Images)

A violência indiscriminada na primeira visita a Dortmund

A polícia já estava à espera de uma receção hostil na visita do RB Leipzig a Dortmund na última época, em fevereiro, mas a realidade dos factos superou tudo o que se poderia imaginar: segundo as autoridades, a violência foi indiscriminada incluindo mulheres e crianças, num total de 14 feridos, 28 detidos e quase três dezenas de registos entre engenhos explosivos, agressões e roubos. Os responsáveis do Borussia pediram desculpa pelo sucedido, mas não se livraram de uma pesada sanção: multa de 100 mil euros e encerramento de uma bancada num jogo.

A invasão ao hotel em Karlsruhe e a carta para o líder dos adeptos

O RB Leipzig fazia o ano de estreia na Segunda Liga alemã e tinha um encontro muito importante na luta por uma das três primeiras posições frente ao Karlsruhe. O jogo terminou sem golos, a viagem não passou sem incidentes: depois de Enrico Hommel, líder dos adeptos do clube, ter recebido uma carta com ameaças se fosse ao jogo, o hotel onde a equipa estava a estagiar foi invadido por cerca de 20 adeptos do conjunto visitado, que ficaram apenas pelos danos materiais porque os jogadores do RB Leipzig encontravam-se nessa altura nos seus quartos.

A cabeça de touro que foi parar ao relvado em Dresden

O RB Leipzig tinha feito quase dez jogos na pré-temporada para preparar o arranque na Bundesliga (que seria muito bom, ao ponto de liderar o Campeonato à 11.ª jornada), mas a primeira partida oficial da época foi a contar para a Taça da Alemanha, em Dresden. E os adeptos locais do Dínamo tinham uma “surpresa” preparada: a certa altura, conseguiram atirar para o campo a cabeça de um touro. O RB Leipzig foi eliminado nos penáltis mas o clube visitado foi sancionado de forma pesada: multa de 60 mil euros e parte de uma bancada encerrada no jogo seguinte.

A comparação entre Dietrich Mateschitz e um nazi

A visita à pequena cidade de Aue, em fevereiro de 2015 e ainda na Segunda Liga, tornou-se bem mais problemática e polémica do que se esperava: os adeptos do FC Erzgebirge Aue tinham preparado uma série de cartazes de protesto contra o RB Leipzig e sobretudo o seu proprietário, Dietrich Mateschitz. “Saído da Áustria, só o melhor para a Alemanha” e “Um austríaco diz e vocês seguem cegamente, todas as crianças sabem como isso acaba. Vocês teriam sido uns bons nazis” foram algumas das polémicas frases. O clube veio prontamente pedir desculpa pelo incidente.

O movimento “Nein zu RB” e as notas contra o capitalismo

Quando o RB Leipzig subiu à Segunda Liga, em 2014, vários clubes aderiram à campanha “Nein zu RB” (“Não ao RB”) e qualquer deslocação fora tinha sempre protestos, tentativas de bloqueio do autocarro, minutos de silêncio no início do jogo, no limite confrontos com a polícia. Mas, em setembro de 2015, os adeptos do FC Heidenheim foram mais longe: quando o autocarro do conjunto de Leipzig chegou ao recinto, foi inundado por centenas e centenas de notas de dólar com a cara de Mateschitz (de nariz de Pinóquio) com frases como “No capitalismo, nós acreditamos”.

Os protestos em Leipzig, as paredes pintadas e o relvado queimado

Os clubes e adeptos de Leipzig reagiram da pior forma ao RB, com receio de que a tradição do futebol na cidade desse lugar a um fenómeno de marketing e sem relação com os valores tradicionais do desporto. Por norma, quase todos os protestos não tiveram violência e foram feitos através da manifestações mas, em 2010, alguns fãs do Lokomotive Leipzig foram um pouco mais longe nas ações: além das pinturas nas paredes do recinto que o RB usava na altura, conseguiram queimar com químicos o novo relvado que tinha sido colocado uns dias antes.

A bicada politicamente correta do St. Pauli por causa do símbolo

A temporada de 2015/16 foi a última do RB Leipzig na Segunda Liga, mas começou de uma forma que mostrou bem como seria um caminho complicado até à subida: à quarta jornada, antes da deslocação do St. Pauli à Red Bull Arena, o clube de Hamburgo recusou-se a publicar o símbolo do seu adversário. “Reservamos o direito de expressar as nossas opiniões nos nossos meios, não insultando ninguém”, explicou o clube, que nunca esqueceu a tentativa da Red Bull em tomar conta do St. Pauli em 2006, então apenas na forma de patrocinador principal. Antes, o FC Union Berlin já tinha dedicado a página do adversário do matchday à… criação de touros, sem falar da equipa adversária.

Quando na classificação passam a ser tratados como… “vendedores de latas”

Não se pense que a classificação de “equipa mais odiada da Alemanha” vem apenas de rivalidades desportivas e de outros adeptos: na última temporada, onde o RB Leipzig acabou por tornar-se o principal adversário do Bayern de Munique na luta pelo título, o tabloide Berliner Kurier passou a apresentar a equipa na classificação que publicava semanalmente como “Dosenverkauf”, que é como quem diz… vendedores de latas, em alusão à ligação umbilical do clube à bebida energética Red Bull.